Aperto de juros sobre economia deve alcançar maior patamar em 20 anos
Quanto mais contracionista for o nível da taxa de juros, maior seu efeito de esfriar a atividade econômica ao encarecer o crédito, desestimular o consumo
A taxa básica de juros deve alcançar em meados de 2023 o patamar mais contracionista em 20 anos, desde o início do primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), segundo estimativa da área de pesquisa macroeconômica do banco Santander.
Quanto mais contracionista for o nível da taxa de juros, maior seu efeito de esfriar a atividade econômica ao encarecer o crédito, desestimular o consumo. Em oposição, um nível expansionista significa um impulso à demanda.
O cálculo do Santander considera a diferença entre as taxas de juros real e neutra. A primeira é medida pelas expectativas para a taxa básica (Selic) e para a inflação 18 meses à frente, período que abrange o efeito máximo da política monetária -ou seja, o impacto na economia dos juros definidos Banco Central.
Para o juro neutro, aquele que em tese não estimula nem contrai a demanda, é considerado o valor fixo de 4% ao ano estimado pela autoridade monetária.
De acordo com as projeções da equipe do Santander, a taxa acima da neutra, que indica o efeito da política monetária sobre a economia, estava em 4,8% ao ano em dezembro de 2022 e deve chegar a 5,7% em junho e julho deste ano. Esse é o maior patamar desde os 6,5% alcançados em julho de 2003.
O aumento ocorre porque, mesmo com a Selic mantida pelo Copom (Comitê de Política Monetária) nos atuais 13,75% ao ano nesse período, há uma queda nas estimativas de inflação nos 18 meses à frente. Com isso, a taxa real de juros sobe, e o nível de aperto monetário se torna mais forte. Em 2003, a taxa Selic chegou a 26,5% ao ano.
“Se o BC está com uma taxa de juros real ex-ante [“olhando para a frente”] acima da taxa estrutural de longo prazo [a taxa neutra], está contribuindo para puxar o freio de mão da demanda agregada”, afirma Mauricio Oreng, superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander.
Para medir o efeito da política monetária sobre a economia, os economistas utilizam a taxa real de juros ex-ante, “olhando para a frente”, o que reflete melhor o custo de tomar um crédito, por exemplo. Outra forma de calcular a taxa real é “olhando para trás” (ex-post), pela diferença dos juros e da inflação nos últimos 12 meses, dado que é mais utilizado na avaliação de investimentos já realizados.
No principal cenário do Santander, o BC deve começar a cortar a taxa Selic em agosto, o que daria início também a uma redução no nível de aperto monetário sobre a economia nos meses seguintes. Em dezembro de 2024, final do mandato do atual presidente do BC e data da última projeção do banco, a taxa básica estaria em 9% ao ano, patamar ainda ligeiramente contracionista para a economia.
Apesar do nível de aperto monetário, o próprio BC projeta que a inflação em 2023 ficará em 5%, acima do limite de tolerância de 4,75%. Esse seria o terceiro ano seguido de estouro da meta. Para 2024, a instituição projeta um índice de preços exatamente no centro da meta de 3%.
JURO REAL ‘FORA DE PROPÓSITO’
Em seus primeiros pronunciamentos após assumir o cargo, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou que o Brasil está com os juros mais altos do mundo em termos reais, em um patamar “fora de propósito”.
Pelo cálculo do Santander, a taxa real de juros estava em 9% ao ano no final de 2022 e deve chegar a 9,9% em junho e julho deste ano. Esse é o maior patamar desde meados de 2006, também no primeiro mandato de Lula, quando o indicador estava em 10% ao ano.
O efeito da taxa real sobre a inflação depende também do juro neutro, que é estimado pelo mercado em 4,5% ao ano, segundo pesquisa feita pelo BC com economistas. Algumas casas de análise avaliam que o indicador pode estar mais próximo de 5%. Nesse caso, o efeito da taxa básica sobre a economia, ao longo deste semestre, será menor. Ainda assim estará nos maiores patamares desde 2003.
O ministro atribui o problema dos juros altos a medidas do governo anterior de estímulo à economia visando a reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Segundo Haddad, é necessário buscar um entendimento entre a autoridade fiscal e o Banco Central.
A equipe econômica estuda medidas para reduzir o déficit nas contas públicas neste ano. A contenção de despesas ajuda a reduzir pressões de demanda, o que facilita a queda da inflação e permite cortar os juros mais rapidamente.
Mauricio Oreng, do Santander, afirma que a trajetória da taxa básica até 2024 indica uma política monetária bem restritiva e que não está no cenário do banco a possibilidade de o BC voltar a subir os juros, como tem projetado parte do mercado.
Por outro lado, a economia brasileira está desacelerando, mas segue próxima do seu potencial de crescimento. Nesse cenário, estímulos econômicos e incertezas sobre a política fiscal dificultam o combate à inflação.
“É uma postura de política monetária bem apertada. A grande dúvida é se esse aperto é suficiente para trazer a inflação para o centro da meta”, afirma Oreng.
‘O GRANDE LEGADO DO BOLSONARO’
O ministro da Fazenda falou diversas vezes sobre a necessidade de ter regras fiscais críveis e disse que serão apresentadas, nas primeiras semanas de governo, as medidas necessárias para restabelecer a confiança dos investidores e dos cidadãos.
Ele voltou ao tema na terça-feira (3), em entrevista ao site Brasil 247. Segundo Haddad, as medidas tomadas no período eleitoral deixaram um rombo de R$ 300 bilhões nas contas públicas e levaram o país a ter “o maior juro real do mundo hoje”. “Esse é o grande legado do Bolsonaro”, afirmou.
O ministro disse que o Brasil está com uma taxa de inflação menor que a dos EUA e da Europa, mas com o maior juro real do planeta. “Olha o paradoxo que estamos vivendo, uma situação completamente anômala. Uma inflação comparativamente baixa e uma taxa de juros real fora de propósito para uma economia que já vem se desacelerando”, disse ele.
A afirmação foi entendida como uma crítica ao Banco Central.
O BC tem dito que, apesar da desaceleração da economia, permanecem outros riscos para o controle da inflação. Entre eles, a questão fiscal. As projeções de mercado para os índices de preços neste e nos próximos anos seguem em trajetória de alta.
Roberto Campos Neto tem mandato na presidência do BC até o final de 2024. O presidente Lula irá indicar dois novos membros para a diretoria da instituição em março deste ano e outros dois em janeiro de 2024.
Somente a partir de 2025 os indicados pelo atual governo passam a ser maioria no Copom, segundo prevê a legislação que deu autonomia à instituição. O colegiado é formado pelo presidente e oito diretores.
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GLOSSÁRIO
Taxa básica de juros
A taxa Selic é a referência para os demais juros da economia. Trata-se da taxa média cobrada em negociações com títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, registradas diariamente no Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia)
Taxa real de juros
Considera uma taxa nominal, a Selic, por exemplo, descontada a inflação
Taxa real ex-ante
Calculada olhando para a frente (taxa esperada), com base nas projeções para juros e inflação. É a mais relevante para a política monetária, pois influencia decisões futuras de investimento e consumo
Taxa real ex-post
Calculada olhando para trás (taxa verificada), com base nos juros e inflação nos últimos 12 meses, por exemplo. Serve para avaliar um investimento já realizado
Taxa neutra ou taxa de juros estrutural
Aquela que mantém a inflação na meta e o crescimento do PIB igual ao seu potencial. Só pode ser obtida a partir de estimativas.
Taxa de juros real efetiva
Diferença entre a taxa real e a taxa neutra. Quando a taxa de juros real efetiva está positiva (taxa real acima da neutra), a política monetária é contracionista: contém a atividade econômica e contribui para a redução da inflação. Se for negativa (taxa real abaixo da neutra), ela impulsiona a atividade econômica e contribui para o aumento da inflação
Copom (Comitê de Política Monetária)
Órgão do Banco Central, formado pelo seu presidente e diretores, que define, a cada 45 dias, a taxa básica de juros da economia, a Selic
IPCA
Indicador medido pelo IBGE que serve como meta de inflação. A meta é definida pelo Conselho Monetário Nacional, órgão que tem a participação do BC, do ministro da Fazenda ou Economia e de outros membros da equipe econômica. A meta para 2023 é de 3,25%, com limite de 4,75%. Para 2024 e 2025, a meta prevista é de 3%, com limite de 4,5%