Protestos continuam no Peru enquanto presidente tenta transmitir normalidade
Ativistas voltaram a bloquear estradas e enfrentar policiais, que usaram bombas de gás lacrimogêneo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Protestos contra o governo não dão trégua no Peru um dia depois da mobilização massiva na capital, Lima, obrigar a presidente Dina Boluarte a fazer um pronunciamento em rede nacional para dizer que a situação estava sob controle.
Novos confrontos entre forças de segurança e apoiadores do ex-líder Pedro Castillo foram registrados nesta sexta-feira (20) em várias regiões do país, de La Libertad, ao norte, a Arequipa, ao sul. Ativistas voltaram a bloquear estradas e enfrentar policiais, que usaram bombas de gás lacrimogêneo -ainda não há informações sobre o número de feridos.
Em Arequipa, a segunda maior cidade peruana, dezenas de ativistas tentaram pelo segundo dia consecutivo tomar o aeroporto, que está fechado e fortemente vigiado por forças de segurança desde quinta.
Na região de Cusco, as instalações de uma mina de cobre foram incendiadas. Vídeo publicado nas redes sociais pela multinacional Glencore mostra pessoas colocando material inflamável perto da área de habitação dos funcionários –as imagens não puderam ser verificadas de maneira independente.
Os ataques às infraestruturas são estratégia para enfraquecer o governo Dina. Em Cusco, o trem para a cidadela inca de Machu Picchu continuou paralisado nesta sexta devido aos protestos. Ao menos 300 turistas estrangeiros e locais continuam presos na cidade de Aguas Calientes, que fica no sopé da montanha.
“Não temos certeza se um trem virá nos buscar. Como podem ver, todos os turistas aqui estão fazendo fila, coletando assinaturas e fazendo registros para que nos retirem daqui”, disse à agência de notícias AFP o chileno Alem López.
Os turistas pedem às autoridades um “trem humanitário” para retirá-los do local. O trem é o único meio de transporte de massa para deixar a área. Em dezembro, um helicóptero resgatou cerca de 200 turistas retidos em Machu Picchu que também ficaram isolados por causa dos protestos iniciados no mês passado.
Ao menos 54 pessoas morreram desde o início dos atos. Segundo o governo, 44 pessoas perderam a vida em protestos e 9 em incidentes relacionados a bloqueios nas estradas. A outra morte foi de um policial.
O caos levou Dina Boluarte a fazer um pronunciamento ao lado de ministros nesta quinta, no qual disse que a situação no país está sob controle e que atos de vandalismo não ficarão impunes. Ela afirmou que governo está “firme e mais unido do que nunca”.
A afirmação esbarrou em comunicado divulgado nesta sexta pela procuradoria nacional peruana, que enfatizou que o Ministério Público é uma instituição autônoma. “A função de investigação criminal é competência constitucional do Ministério Público, que se cumpre com autonomia, independência e sem qualquer tipo de ingerência política, econômica ou midiática”.
Na semana passada, diante da escalada de violência, o Ministério Público anunciou a abertura de investigação preliminar sobre diversas autoridades, incluindo a presidente e o premiê Alberto Otárola, suspeitos de terem cometido os crimes de genocídio, homicídio qualificado e lesões graves na repressão aos protestos.
Na capital após a grande mobilização chamada de “tomada de Lima” desta quinta-feira, o Ministério do Interior divulgou que 38 pessoas ficaram feridas nos confrontos entre policiais e civis.
O ato foi marcado por um incêndio de grandes proporções em um prédio na praça San Martín. Na tarde desta sexta, as chamas voltaram, mobilizando os bombeiros novamente.
A estrutura de quase um século no centro de Lima ficou completamente destruída e existe risco de desabamento. As autoridades investigam as causas do incêndio e lamentam a perda de um “bem monumental”.
O governo rejeitou os rumores de que o incêndio foi causado por uma bomba de gás lacrimogêneo lançada pela polícia durante os violentos confrontos.
“Não podemos entrar porque não há segurança. A estrura pode desabar e esmagar os bombeiros”, disse o chefe dos bombeiros, Luis Ponce, ao jornal peruano La República.
Ao mesmo tempo, apoiadores de Castillo afirmam que as mobilizações não vão parar até a renúncia da presidente Boluarte.
“A luta continuará em todas as regiões até que se concretize a renúncia e os demais pontos da agenda”, disse o secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru, Gerónimo López.
Os atos, que proliferam no país desde a destituição e prisão do ex-presidente Pedro Castillo, depois de o populista ter tentado dar um golpe de Estado, pedem a renúncia de Dina, a dissolução do Parlamento unicameral e a convocação imediata de eleições.
Os manifestantes também demandam que uma nova Constituição seja elaborada para substituir a atual Carta Magna peruana, que data da época do ditador Alberto Fujimori, na década de 1990.
No último domingo, autoridades decidiram prolongar o estado de emergência em quatro províncias e três regiões do Peru, incluindo Lima. O decreto permite, entre outros pontos, que o Exército se junte à polícia no monitoramento dos protestos.