Yanomamis exibem sinais de desnutrição e de doenças como verminoses
"É uma das maiores tragédias que a gente tem observado nos últimos anos no território brasileiro", afirma pesquisador
MARCELO TOLEDO – JOÃO PAULO PIRES
RIBEIRÃO PRETO, SP – BOA VISTA , RR (FOLHAPRESS) – A tragédia de saúde pública que atinge os yanomamis em Roraima, que motivou a ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Boa Vista e o anúncio de medidas sanitárias aos indígenas, é marcada por um cenário de desnutrição -especialmente entre as crianças- e de doenças.
Neste sábado (21), a reportagem viu crianças internadas na Casai (Casa de Saúde Indígena), onde o presidente esteve, com sinais de verminose, como abdome inchado. Além disso, imagens divulgadas por indígenas da etnia mostram crianças e idosos em situação de desnutrição e necessitando de amparo e auxílio médico.
As fotos foram tiradas entre terça-feira (17) e sexta (20), segundo Junior Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye´kuana.
Na avaliação de especialistas e pessoas ligadas a entidades indígenas, a situação tem como vetores principais a invasão de garimpeiros ilegais e a degradação contínua e acelerada no atendimento de saúde para essa população, ambos nos últimos anos.
A falta de assistência chegou ao ponto de a PF (Polícia Federal) e o MPF (Ministério Público Federal) fazerem uma operação em novembro para combater suposto desvio de recursos públicos destinados à compra de medicamentos para os yanomamis. O Ministério da Saúde decretou estado de emergência nesta sexta-feira (20).
Segundo a operação Yoasi -nome na cultura yanomami do “irmão de Omama e responsável pela morte no mundo”-, as supostas fraudes resultaram na retenção de remédios como vermífugos, que deixaram 10.193 crianças desassistidas. O resultado, segundo a PF, foi o “aumento de infecções e manifestações de formas graves da doença, com crianças expelindo vermes pela boca”.
O MPF recebeu áudios com relatos desesperados de falta de medicamentos, especialmente para malária e verminoses, além de imagens de crianças já em avançado estado de desnutrição, como ainda estão atualmente. De 13.748 crianças aptas ao tratamento de verminoses no primeiro semestre do ano passado, só 3.555 foram tratadas, conforme a Procuradoria.
“É uma das maiores tragédias que a gente tem observado nos últimos anos no território brasileiro e acho que agora a questão está um pouco mais compartilhada com a opinião pública”, disse Estêvão Benfica, pesquisador do ISA (Instituto Socioambiental), que trabalha com os yanomami desde 2013.
De acordo com ele, que é geógrafo e analista do ISA, a combinação do garimpo ilegal com a falta de assistência médica amplifica os impactos nos indígenas. “A malária teve uma uma expansão enorme nos últimos anos, e quando você observa os dados históricos das regiões hoje afetadas pelo garimpo, você percebe claramente essa interferência”, disse.
A isso são somados ainda os casos de abandono dos pontos estratégicos de atendimentos de saúde próximos às pistas de pouso utilizados pelas equipes do Dsei-Y (Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami), por temor dos funcionários às investidas de garimpeiros ilegais na região.
“Acaba por produzir a situação em que doenças simples e facilmente tratáveis começassem a evoluir para quadros complexos. Uma gripe em uma criança evolui para uma pneumonia e aí essa criança, que poderia ser tratada pela atenção primária com assistência do posto de saúde, obrigatoriamente vai ter que ser removida para um tratamento de média ou alta complexidade em Boa Vista”, disse.
Ainda segundo o MPF, 52% das crianças yanomamis estavam desnutridas no fim de 2022, índice que em comunidades de difícil acesso chegava a 80%.
O cenário de degeneração da saúde indígena em Roraima é criticado inclusive por outros povos do Norte do país.
Beto Marubo, membro da Univaja (União dos Povos Indígeas do Vale do Javari), que atua na proteção de 16 grupos isolados no Amazonas, por exemplo, disse que “a tragédia dos yanomami não é novidade para ninguém”.
Em uma publicação numa rede social, ele disse que não basta apenas o deslocamento de Lula e seus ministros para dar atenção ao caso e que é preciso também retirar os garimpeiros ilegais, como dito por Benfica, e fortalecer a Funai (Fundação Nacional do Índio) na região.
Lideranças de entidades apontam também como obstáculo para a boa assistência aos indígenas indicações nos últimos anos de nomes para cargos em escalões inferiores que não têm elo ou conhecimento da vida indígena.
As críticas não se restringem ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas também à gestão do governador bolsonarista Antonio Denarium (PP), reeleito em 2022. Um funcionário da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) em Roraima disse à Folha de S.Paulo que houve relaxamento proposital na atuação contra o garimpo ilegal nos últimos anos.
Ao falar da situação neste sábado, em Boa Vista, o presidente Lula anunciou ainda que em março voltará a Roraima para participar da 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas do estado, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Na segunda-feira (23), uma equipe da Força Nacional do SUS (Sistema Único de Saúde) chegará a Boa Vista com 13 profissionais, que farão a operação de um hospital de campanha que deve ser montado sexta-feira (27).