PMs usam meias com rosto de Bolsonaro, contrariando regulamento de uniforme
Penas aplicáveis às transgressões variam desde prestação de serviço extraordinário a suspensão, exclusão e demissão do serviço ativo
BRUNA FANTTI, RJ (FOLHAPRESS) – Policiais militares do Rio de Janeiro estão usado meias com o rosto e o nome do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com a farda da corporação e durante o serviço.
A conduta contraria o regulamento de uniformes e pode ser considerada transgressão disciplinar.
O regimento determina que as meias sejam pretas e proíbe “sobrepor ao uniforme insígnias de sociedades particulares, entidades religiosas ou políticas, bem como medalhas desportivas, ou, ainda, usar indevidamente distintivos ou condecorações“.
As penas aplicáveis às transgressões variam desde prestação de serviço extraordinário a suspensão, exclusão e demissão do serviço ativo. A padronização do uniforme está descrita no Rupmerj (Regulamento de Uniformes da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro).
Mesmo com a possível punição, a venda do acessório continua em alta, inclusive após as eleições. “Nós trabalhamos em sistema de reposição, sempre há procura. Vendemos cerca de 20 pares por semana ao custo de R$ 25 cada”, disse Gabriel Petrato, gerente de uma loja na zona oeste do Rio.
É nessa região da cidade que está a maior concentração de lojas credenciadas com a autorização para a venda de uniformes militares. Próximo às academias de formação de soldados e oficiais da Polícia Militar há cinco estabelecimentos. Em todos, a reportagem encontrou as meias com o rosto e o nome do ex-presidente. Nenhum deles vendia meias com a imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Eu diria que 90% dos policiais militares são bolsonaristas. Teve gente que perguntou se tinha meia do Lula, mas não vendemos. Focamos mais no público-alvo”, explica Petrato. Segundo ele, civis também procuram pelas meias.
O fornecedor das meias é o mesmo para as lojas e distribui as vestimentas para diferentes estados.
Procurada, a Secretaria de Estado de Polícia Militar do Rio disse que “o padrão [de vestimenta] previsto está no Regulamento de Uniformes da Polícia Militar, que deve ser de conhecimento e seguido por todos os entes da corporação”.
Segundo o coronel Robson Rodrigues, especialista do Labes-Uerj (Laboratório de Estudos Socieducativos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro), o uso das meias com motivos bolsonaristas é contrário à finalidade da farda. “O uniforme serve para justamente padronizar e dar um sentido de espírito de corpo, com a finalidade do serviço público. É destoante desse princípio o uso da meia estilizada, partidária. Não se pode exercer a função pública com particularidades”, disse.
Ele lembra ainda que policiais recebem auxílio-fardamento para a compra do uniforme. O valor varia de acordo com a graduação dos praças e patente dos oficiais e é pago a cada quatro anos. “Então, se compram meias fora do padrão com essa verba é um desvio”, opina.
A Folha de S.Paulo conversou com um sargento que usa as meias estilizadas com o rosto do ex-presidente durante patrulhamento.
O militar contou que comprou a meia na época da eleição. E, por ela ter o fundo preto, acha que pode utilizá-la junto com a farda. O policial, que pede para não ter o nome divulgado, conta que comprou a meia na época da eleição. Diz que se identifica com o ex-presidente por acreditar ser ele uma pessoa de coração bom e que tenta não ser corrupta. Sobre as eleições, repetiu teorias conspiratórias sobre a urna eletrônica. E declarou que só reprimiria ataques golpistas, como os que ocorreram em Brasília em 8 de janeiro, se recebesse a ordem do seu comandante.
Após os ataques, uma imagem feita pelo fotógrafo Carlos Erbs viralizou nas redes. Internautas divulgaram a foto como registrada em Brasília, quando parte dos policiais foi acusada de colaboração ou omissão com as depredações nas sedes dos três Poderes.
A foto, contudo, foi tirada em janeiro de 2021, durante manifestação no Rio contra o atraso do governo Bolsonaro na compra das vacinas contra a Covid-19. O agente fotografado fez questão de levantar a barra da farda para deixar as meias à mostra aos manifestantes, segundo o fotógrafo. “[A foto] mostra como o bolsonarismo cooptou as forças de segurança”, disse Erbs.
Uma das explicações para a popularidade de Bolsonaro entre as polícias é apontada por outro agente, que também utiliza as meias em serviço. Segundo ele, Bolsonaro conseguiu dar representatividade aos anseios da categoria abrindo caminho para cargos eletivos.
Levantamento do Instituto Sou da Paz contabilizou 103 representantes eleitos pela primeira vez ou reeleitos para o Congresso Nacional e para as assembleias com passagem pelas Forças Armadas ou polícias. O grupo é conhecido popularmente como bancada da bala.
Para o promotor Paulo Roberto Mello Cunha Jr, da Auditoria Militar, órgão responsável por apurar crimes militares, a identificação do policial com o bolsonarismo é “natural face ao discurso que, em tese, adota a defesa dos policiais, que exalta a instituição policial”, disse.
Bolsonaro, por exemplo, aplicou aos PMs a mesma mudança na Previdência dada aos militares federais. Também defendeu a ampliação da lei sobre o excludente de ilicitude -que exime de culpa um agente de segurança que pratique determinadas condutas no exercício de sua função.
Em 2019, o então ministro da Justiça Sergio Moro apresentou um projeto de redução de pena ou até falta de aplicação da punição caso um excesso fosse cometido por medo, surpresa, ou violenta emoção. A proposta foi rejeitada pelos deputados.
Para eventuais denúncias, a PM diz que os canais da Ouvidoria e da Corregedoria “seguem ao dispor através do número (21) 2725-9098 ou pelo site https://www.cintpm.rj.gov.br”.