Gestão Lula retoma políticas para educação, mas patina na execução de recursos
Ainda na transição, o governo incluiu em uma emenda à Constituição o incremento de R$ 11 bilhões no orçamento do MEC
PAULO SALDAÑA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – No primeiro ano do governo Lula (PT), o MEC (Ministério da Educação) retomou um papel de indução de políticas públicas estruturantes, esvaziado na gestão Jair Bolsonaro (PL). Mas a nova fase veio acompanhada de dificuldades na execução de recursos e também de diálogo com redes de ensino e Congresso o que ficou exposto, por exemplo, com a tentativa até agora frustrada de revisão do novo ensino médio.
O MEC teve sua capacidade operacional esvaziada ao longo de quatro anos sob Bolsonaro, com uma gestão na educação marcada por revezamento de ministros, investigações criminais e embates ideológicos. Lula assumiu, portanto, sob a expectativa de uma reconstrução na área.
Ainda na transição, o governo incluiu em uma emenda à Constituição o incremento de R$ 11 bilhões no orçamento do MEC, com relação ao previsto pela equipe de Bolsonaro. A recomposição orçamentária se tornou uma bandeira central: aumentaram, por exemplo, os recursos para a merenda escolar, bolsas de pesquisa e o orçamento das universidades federais.
Mas o primeiro ano do governo foi de dificuldades de aplicação dos recursos. Ao se excetuar as rubricas relacionadas o Fundeb (mecanismo de financiamento à educação básica com repasses garantidos), o montante gasto pelo MEC foi maior do que em 2022, mas em proporção menor ao que estava previsto no orçamento.
A pasta pagou neste ano R$ 109,9 bilhões de seu orçamento, o equivalente a 84% da dotação atual. Em 2022, esse percentual foi de 87%, em um volume pago de R$ 97,9 bilhões (em valores de hoje, atualizados pela inflação).
Além disso, parte relevante do dinheiro foi liberada apenas nos últimos dias do ano, o que dificulta a execução de políticas e planejamento de redes de ensino. Do total de R$ 109,9 bilhões pagos, R$ 9 bilhões foram liberados nos últimos quatro dias de 2023 o equivalente a 8% do total.
O cenário é atribuído por especialistas e funcionários do MEC consultados pela reportagem a desarranjos internos da equipe, que teve dificuldades de fazer a máquina funcionar a contento. Também colaboram congelamentos definidos pela equipe econômica.
Duas políticas públicas colocadas como prioridade são sintomas disso. O governo criou um novo fomento a matrículas de tempo integral com a promessa de investir cerca de R$ 2 bilhões no ano.
Até 27 de dezembro, só metade dos R$ 2 bilhões previstos no orçamento havia sido paga às redes estaduais e municipais de ensino. Com liberações no apagar das luzes de 2023, essa execução chegou a R$ 1,9 bilhão (95%).
Em junho, o governo lançou o novo Compromisso Nacional pela Criança Alfabetizada. A política prevê uma série de arranjos federativos para a consolidação de um sistema de colaboração de estados, municípios e União, o que não ficou parado houve adesão de todos os estados e de 99,2% dos municípios, segundo o governo.
A promessa foi de um investimento em 2023 de R$ 1 bilhão. Até novembro, o MEC não havia empenhado qualquer quantia. O empenho é o primeiro passo da execução orçamentária.
Até 27 de dezembro, somente R$ 195 milhões dos R$ 801 milhões previstos haviam sido pagos. O MEC fechou o ano com R$ 318,7 milhões pagos, o equivalente a 45% da dotação atualizada.
Com a lentidão na execução, ações do Compromisso como formação de professores, confecção de materiais e a estruturação de cantinhos de leitura ficaram comprometidas. Assim, a nova política só chega nas salas de aulas em 2024.
Em nota, o MEC afirmou que a pasta retomou o diálogo e a valorização do pacto federativo, “reassumindo o papel de articulador das políticas” em colaboração com estados e municípios. “A pasta encerra o ano com o lançamento de novas políticas educacionais, a retomada e o fortalecimento de programas consagrados e já com novos projetos para reconstruir o Brasil por meio da educação pública”, diz a nota.
Questionada sobre o ritmo de pagamentos, a pasta não respondeu. Apenas elencou os gastos do ministério em várias áreas, incluindo transferências obrigatórias.
Lula convocou para liderar a pasta o ex-governador do Ceará e senador eleito, Camilo Santana (PT). Por trás da decisão, além da acomodação do aliado, vinha também a experiência bem-sucedida do estado em avaliações educacionais, com destaque para a alfabetização.
Camilo montou uma equipe técnica e experiente, mas, como avaliam interlocutores, criou-se um mosaico carente de rumos mais claros. O próprio lançamento do programa de alfabetização, prometido inicialmente para o primeiro trimestre, só ocorreu no meio do ano o que também é apontado como causa de sua baixa execução.
A demora foi também crucial com relação ao ensino médio. Só após março, pressionado por manifestações de estudantes e professores, é que o MEC passou a atuar para rever a reforma da etapa, de 2017. Implementada a partir de 2022, o novo modelo se mostrou deficiente.
Apesar de apelos pela revogação vindos de uma base próximo ao PT, Camilo nunca abraçou a ideia. Falava sempre em ajustes.
Veio então uma consulta pública, a suspensão do cronograma de implementação (em ato mais simbólico do que prático), a criação de grupo de trabalho e o discurso de que se buscava consenso.
Um projeto de lei foi encaminhado só em outubro para o Congresso, prevendo um aumento para a carga-horária de matérias tradicionais, e a redução das linhas de aprofundamento os chamados itinerários formativos, centro das maiores reclamações.
Para o texto foi designado como relator na Câmara o deputado Mendonça Filho (União-PE), ex-ministro da Educação no governo Michel Temer (MDB), quando a reforma foi estabelecida. O ato do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi um revés para o governo, uma vez que Mendonça discordou da proposta que saiu do MEC.
Mendonça ainda ganhou apoio do Consed, que representa os secretários de educação dos estados, grupo que antes fazia parte do consenso alardeado por Camilo Santana. O projeto quase foi votado no fim de 2023, mas o governo conseguiu adiá-lo para este ano.
Para o professor da USP Daniel Cara, o MEC não conseguiu mostrar uma agenda progressista que vá ao encontro da realidade das escolas do país.
“É uma gestão sem feição, com anúncios que são um museu de grandes novidades, e um MEC inoperante. A execução orçamentária prova isso”, diz ele, vinculado à Campanha Nacional pelo Direito à Educação e que fez parte da equipe de transição.
“Patinou e continuou patinando na reforma do ensino médio porque não teve capacidade de segurar uma agenda”, diz Cara, favorável à revogação. “A verdade é que a gente não sabe o que o Camilo pensa sobre isso.”
Para Claudia Costin, presidente do Instituto Singularidades, o saldo do primeiro ano do governo é positivo, levando em conta as políticas de alfabetização, tempo integral, conexão de escolas e os sinais do ministro na direção de combater a formação de professores totalmente a distância. Ela pondera, no entanto, que as coisas não andaram com a velocidade desejada, inclusive com o ensino médio.
“Vamos começar o ano letivo e deixar os alunos no limbo por mais um tempo” diz ela. “Houve equívocos do governo e perdeu-se uma chance de começar com isso resolvido.”
No fim do ano, o governo conseguiu a aprovação de um programa de bolsas para tentar manter alunos pobres no ensino médio, visto com potencial de sucesso. O governo já garantiu R$ 6,1 bilhões ainda em 2023 para a iniciativa, além de R$ 1 bilhão previstos no orçamento de 2024.