Taiwan vai às urnas com voto dividido e futuro incerto em relação à China
População se reparte entre aqueles que desejam reunificação com país chinês e aqueles que defendem a independência do território
NELSON DE SÁ
TAIPÉ, TAIWAN (FOLHAPRESS0 – Em comício diante do palácio presidencial no centro de Taipé, dirigindo-se a milhares de pessoas que encararam o frio de 11°C na noite de quinta-feira (11), o candidato governista Lai Ching-te voltou a se apresentar como aquele que garantiria “a sobrevivência de Taiwan”.
É uma referência à reunificação da ilha com a China, que voltou a ser defendida pelo líder Xi Jinping em sua mensagem na virada do ano, e uma crítica aos dois candidatos de oposição, que têm como bandeira ampliar as relações comerciais e o intercâmbio social com Pequim.
Mas Lai, no mesmo comício, enfatizou até mais que faria um governo “aberto e inclusivo”, sem se apegar à filiação partidária na escolha dos nomes, visando unir os taiwaneses para além do seu Partido Democrático Progressista (PDP).
Dois dias antes, em entrevista a jornalistas estrangeiros, ele havia exposto o porquê. Lembrou que era parlamentar quando, em 2000, seu partido teve seu primeiro presidente eleito, Chen Shui-bian. Ele conta que foi “um caos entre o governo e a oposição”, que tinha a maioria no Legislativo e barrou projetos como a compra de submarinos americanos.
Lai lidera a corrida desde o início, em abril do ano passado, mas viu sua vantagem cair para a margem de erro em parte das pesquisas em dezembro, antes da proibição legal de divulgação dos levantamentos. Segue favorito, mas um resultado ainda mais esperado é o Legislativo dividido.
É o que alerta Yan Zhensheng, professor de política comparada da Universidade Nacional de Taiwan. “Lai provavelmente vai arrancar uma vitória, como aconteceu há 24 anos, quando o partido levou a eleições com apenas 39%, e devemos ter um cenário muito similar, de um governo sem maioria.”
A visão é compartilhada por outros cientistas políticos taiwaneses, como John Fuh-sheng Hsieh, para quem um eventual governo Lai, em minoria “muito provável” junto aos parlamentares, não teria como avançar na direção de maior independência formal, por exemplo.
Desta vez, afirma Yan, a ilha vislumbra até um governo de coabitação, no modelo francês, que foi aquele buscado pela reforma política feita nos anos 1990. Instituiu-se então a figura do primeiro-ministro, com o presidente mantendo controle direto de defesa e relações externas.
Passado o “caos” dos primeiros anos do governo Chen, há duas décadas, o PDP conseguiu equilibrar forças nas eleições legislativas, que posteriormente foram sincronizadas com a eleição presidencial. A partir daí, houve sintonia de controle dos dois poderes. Até agora.
Para Yan, uma eventual composição com um dos partidos oposicionistas possivelmente o Partido do Povo de Taiwan (PPT), terceiro na corrida pelo Executivo, levaria finalmente ao teste do sistema semipresidencial projetado originalmente, “solidificando a democracia taiwanesa”.
Lai e seu chefe de campanha, Cho Jung-tai, falam abertamente da perspectiva de um Legislativo “difícil”, com poder limitado, em um eventual governo deles. Curiosamente, é o candidato do Partido Nacionalista ou Kuomintang (KMT), Hou Yu-ih, que se manteve atrás ao longo da campanha, aquele com maior chance de unir as duas casas.
As pesquisas em dezembro indicavam vantagem para o KMT na composição parlamentar, mas também sem maioria. Seus integrantes e os do PPT estão atentos ao quadro, já que a posse será em fevereiro enquanto o Executivo só será trocado em 20 de maio.
Nos últimos dias, o candidato a vice-presidente do KMT, Jaw Shau-kong, chegou a cobrar do candidato a presidente do PPT, Ko Wen-je, que declarasse antes da votação que não faria uma coalizão com o PDP, mas Ko se recusou e até questionou a “atitude ruim” de Jaw.
Na sexta (12), Ko acrescentou, a exemplo de Lai, que não se apegaria à filiação partidária e buscaria cooperação em questões específicas, sem garantia de composição para o comando legislativo ou para o gabinete.
Entre os cientistas políticos, Hsieh avalia que Lai e Ko podem até montar um governo de coalizão, mas este daria pouca amplitude de ação para o PDP. Yan vai além, projetando Ko como eventual primeiro-ministro tanto de Lai quanto de Hou, embora mais próximo do segundo.
A votação para o Executivo e o Legislativo começa às 8h de sábado (13) no horário de Taiwan, ou 21h de sexta em Brasília. As urnas serão fechadas às 16h, com previsão de resultado à meia-noite (13h de sábado em Brasília) ou antes, em caso de grande vantagem para um dos candidatos.
Dos 23 milhões de taiwaneses, cerca de 19,5 milhões estão aptos a votar, mas o voto é facultativo, o que fez as campanhas dedicarem boa parte de seu trabalho nas últimas semanas à mobilização de potenciais eleitores para que saiam de casa. Não é permitido o voto fora do distrito ou no exterior.
Chamado Yuan Legislativo, o Parlamento taiwanês é unicameral e tem 113 membros, sendo 73 eleitos por distrito com maioria simples, 34 por listas de representação definidas pelos partidos e seis exclusivamente por povos originários.
Os parlamentares decidem sobre mudanças na legislação e gastos orçamentários, inclusive relativos à defesa. As indicações presidenciais para o Judiciário, incluindo para a Suprema Corte, precisam ser aprovadas pelo Legislativo.
Chefe do Yuan Executivo, o presidente indica diretamente os ministros das Relações Exteriores e da Defesa e o primeiro-ministro, que forma o restante do gabinete em negociação com o Legislativo. Os parlamentares, por sua vez, podem derrubar o primeiro-ministro a qualquer momento, desde que somem ao menos 57 votos.
Fora da ilha, a eleição mobilizou as duas grandes potências mundiais. A China chegou ao final da campanha com declarações quase diárias contra Lai, descrevendo o candidato como um “sério perigo” e ameaçando, nesta sexta, “esmagar qualquer plano separatista de ‘independência de Taiwan’ e defender firmemente nossa soberania e integridade territorial”.
Washington mandou sinais como o convite para o representante taiwanês visitar o presidente da Câmara e o envio de combustível para uma base militar no norte das Filipinas, perto de Taiwan.
Ao lado da Folha de S.Paulo na entrevista coletiva de Lai, Nicholas Kristof, colunista de política externa do The New York Times, comentou estar de volta à ilha porque “há muito mais interesse agora, devido à percepção muito maior de que possa acontecer uma guerra no estreito” ao ser questionado sobre sua presença.
Para Kristof, “é eletrizante ver eleições em que não se sabe quem vai vencer”, porém “o risco de guerra dependerá em parte do comportamento de Taiwan durante os próximos quatro ou oito anos, o que dá uma ressonância que historicamente as eleições aqui nunca tiveram”.