Vapes são vendidos no iFood e no Rappi, apesar de proibição da Anvisa
Norma, que atualiza a proibição e está em vigor desde 2009, é facilmente burlada
GEOVANA OLIVEIRA – A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decidiu manter a proibição da comercialização de cigarros eletrônicos no país no último dia 19. Na quinta-feira (25), no entanto, comprei quatro deles em aplicativos de entrega.
Segundo resolução publicada na quarta-feira (24) pela agência, é vedada a propaganda, fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento e transporte dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs).
A norma, que atualiza a proibição em vigor desde 2009, porém, é facilmente burlada. É só digitar “pod”, “vape”, ou suas marcas mais famosas (Ignite e Elfbar) na busca de aplicativos como iFood e Rappi para ter acesso fácil.
É isso o que fazem alguns dos usuários ouvidos em anonimato pela Folha. Para testar, a reportagem pediu dois dispositivos em cada uma das plataformas.
No iFood, aplicativo em que a regulamentação explicita que “além da proibição da Anvisa, os cigarros eletrônicos não podem ser vendidos por enquadrar-se como produto composto por nicotina”, os vendedores fingem que os DEFs são bebidas e até perfumes.
“Batida Mk Econômica Gelada” e “Batida Lm Econômica Gelada” na verdade são pods -versão menor e mais simples do vape- da marca Maskking e da marca Lost Mary.
Lojas chamadas Pod 24h e Pod S 24h no Rappi exibem com fotos uma vasta variedade de dispositivos. Ignite, Elfbar, Lost Mary, Vapesoul, Pynepod, entre outros, separados em setores do aplicativo que vão de “Áudio e som” a “Cabos e carregadores”.
Para comprar, é necessário confirmar ter mais de 18 anos, o que pode ser feito apenas clicando em um botão. Uma orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde), publicada em dezembro do ano passado, mostra que o uso de cigarro eletrônico é maior entre crianças de 13 a 15 anos.
O iFood afirma que fiscaliza constantemente os estabelecimentos para impedir que produtos não autorizados sejam comercializados na plataforma. “Sempre que identificada qualquer irregularidade, os estabelecimentos são automaticamente bloqueados”, diz a empresa em nota.
O Rappi respondeu à Folha que a comercialização de cigarros eletrônicos é proibida na plataforma, sendo expressamente vedada pelos Termos e Condições. “Para coibir a prática, realizamos monitoramentos constantes, que excluem qualquer anúncio de produtos ilícitos na plataforma. Em caso de recorrência dos parceiros, é realizada uma notificação judicial, podendo, até mesmo, levar ao banimento daquele comércio da plataforma”, afirma a nota.
Em uma tarde, porém, recebi os quatro pods no centro de São Paulo, nos sabores Pina Colada, Cappuccino, Banana e Mirtilo. Todos com caixas que diziam, em inglês, “AVISO: Este produto contém nicotina. Nicotina é um aditivo químico.”
Evidências científicas comprovam que os DEFs, assim como os cigarros convencionais, causam danos cardíacos, respiratórios e neurológicos no usuário, além de dependência devido à presença elevada de nicotina.
Fiscalização do comércio de DEFs
A fiscalização do comércio dos cigarros eletrônicos é feita pela Anvisa, além de polícia federal, polícias rodoviárias, polícias civis e Receita Federal.
Segundo a Anvisa, todos os produtos disponibilizados para a venda no Brasil são “oriundos de contrabando”, além de constituírem infração sanitária.
Quem vende a mercadoria, portanto, pode sofrer penalidades que incluem advertência, interdição, recolhimento e multa como resultado da infração sanitária. Adicionalmente, pode ser denunciado pelo crime de contrabando, com pena de 2 a 5 anos de reclusão.
O consumo do dispositivo, porém, não é penalizado. É possível, inclusive, levar uma unidade em viagens aéreas nacionais.
Em viagens internacionais, segundo a Receita Federal, a importação é absolutamente proibida, seja para fins pessoais, seja para comercializar e auferir renda.
Conforme o órgão, foram apreendidas 357.961 unidades de cigarros eletrônicos entre janeiro e março deste ano, no valor de R$ 18 milhões.
A fiscalização do comércio local, em menores quantidades, é feita pelas autoridades dos estados e municípios, segundo a Anvisa.
Mas, questionada, a Secretaria de Segurança de São Paulo não soube responder qual ação é tomada se uma pessoa estiver vendendo vape na rua, nem se existe uma quantidade específica de porte de dispositivos para diferenciar consumo próprio de contrabando. A Anvisa, por sua vez, afirma que “a análise deve ser casuística”.
Os usuários ouvidos anonimamente pela Folha dizem que, além dos aplicativos de entrega, compram os dispositivos em bancas de revista, em tabacarias e lojas de importados na rua 25 de março, na região central de São Paulo, em páginas nas redes sociais, por meiode vendedores específicos em aplicativos de mensagem e em delivery de tabacaria.
DISPOSITIVOS ELETRÔNICOS PARA FUMAR
A Anvisa considera dispositivo eletrônico para fumar todo “produto fumígeno cuja geração de emissões é feita com auxílio de um sistema alimentado por eletricidade, bateria ou outra fonte não combustível, que mimetiza o ato de fumar”. Isso inclui:
– produtos descartáveis ou reutilizáveis;
– produtos que utilizem matriz sólida e/ou líquida, ou outras, dependendo de sua construção e design;
– produtos compostos por unidade que aquece uma ou mais matrizes: líquida (com ou sem nicotina); sólida (usualmente composta por extrato ou folhas de tabaco – trituradas, migadas, moídas, cortadas ou inteiras, ou outras plantas); composta por substâncias sintéticas que reproduzam componentes do tabaco, de extratos de outras plantas; por óleos essenciais; por complexos vitamínicos, ou outras substâncias; e
– produtos conhecidos como cigarros eletrônicos, e-cigs, electronic nicotine delivery systems (ENDS), electronic non-nicotine delivery systems (ENNDS), e-pod, “pen-drive”, pod, vapes, produto de tabaco aquecido, heated tobacco product (HTP), heat not burn, vaporizadores, entre outros.