Russos ocupam Nova York em ofensiva no leste da Ucrânia
Forças de Putin entraram na região sul da vila no mês passado, e agora a usam de base para avanço
IGOR GIELOW
A ofensiva da Rússia no leste da Ucrânia fez um dos maiores avanços desde os primeiros dias da guerra no último mês, ameaçando o colapso de parte das linhas defensivas de Kiev na região de Donetsk. De quebra, Vladimir Putin saiu com um troféu simbólico involuntário: os russos ocuparam Nova York.
Por óbvio, não se trata da cidade ícone do rival Estados Unidos, fetiche de líderes do Kremlin desde que Josef Stálin mandou construir sete arranha-céus em Moscou por pura inveja. Niu-Iork, na grafia local, é um vilarejo rural cuja população pré-guerra de 9.700 pessoas era quase mil vezes menor do que da irmã americana.
A Nova York ocupada surgiu em 1846, mas a origem de seu nome de batismo é incerto. Em 1951, quando a Ucrânia era parte da União Soviética, foi renomeada Novhrodske, voltando à denominação original apenas em 2021.
Ela é um ponto no mapa, mas quando a ele é sobreposta a posição russa na região, sua importância cresce. As forças de Putin entraram na região sul da vila no mês passado, e agora a usam de base para um avanço que ameaça isolar um bolsão que era defendido com sucesso desde a guerra civil iniciada em 2014 na área.
Marchando a nordeste, os soldados podem se encontrar com aqueles que descem a noroeste da cidade de Zalizne. Se unirem forças, terão engolido um trecho de território num movimento de pinça, ficando em posição favorável para um assalto a Toretsk, a principal cidade daquela parte da frente.
São avanços sangrentos, à base de bombas planadoras e ataques frontais com muitas perdas de ambos os lados, mas desde que tomaram Avdiivka, cidade que era a linha de frente da defesa ucraniana em Donetsk, os russo têm avançado.
Nesta terça (6), o ex-ministro da Defesa e atual secretário do Conselho de Segurança russo, Serguei Choigu, disse à agência Interfax que Moscou tomou, desde julho, 420 km2 naquela área, talvez o maior avanço desde a abertura do conflito, em fevereiro de 2022.
Se é preciso tomar tal declaração com um grão de sal, ela foi corroborada no geral pelo lado ucraniano. Segundo o site DeepState, que monitora as linhas de batalha e é visto como uma extensão digital das Forças Armadas de Kiev, há o risco de colapso em cinco pontos de defesa em Donetsk.
A região é 1 das 4 anexadas ilegalmente por Putin em setembro de 2022, e aquela em que ele tinha menos controle até o começo deste ano.
Após a queda de Avdiivka, só fez avançar, ameaçando rumar a Kramatorsk, centro administrativo ucraniano desde que a Donetsk, a capital homônima da região, caiu para separatistas pró-Rússia em 2014.
A dificuldade de Kiev é principalmente de pessoal. Medidas para ampliar a mobilização que foram tomadas neste ano parecem não ter surtido efeito, e relatos de dificuldades brutai nas trincheiras frequentam o usualmente otimista noticiário ocidental da guerra.
Parte disso pode ser debitado da ofensiva russa no norte, em Kharkiv, que abriu uma nova frente da guerra. Ela é vista como um fracasso pois nem constituiu uma zona tampão para evitar ataques ao sul da Rússia a partir dali, sua função declarada por Putin, nem tomou toda a região, objetivo mal disfarçado da ação.
Seja como for, ela foi bem-sucedida em drenar recursos humanos e materiais de outros pontos de defesa da Ucrânia, que tem uma linha de atrito de cerca de 1.000 km com os invasores russos. Isso explica parte da situação em Donetsk.
Por ora, nada disso parece implicar a chance de um grande avanço estratégico dos russos, até porque as armas ocidentais voltaram a chegar ao país. No fim de semana, a Ucrânia anunciou ter acabado de destruir um submarino russo que estava em reparos no porto de Sebastopol, na Crimeia, além de sistemas antiaéreos da província.
Segundo relatos de blogueiros militares russos, foram empregados nas ações os temidos mísseis americanos ATACMS, que têm longo alcance. Também no fim de semana, o presidente Volodimir Zelenski confimou a chegada dos primeiros caças americanos F-16 ao país, posando ao lado de um deles.
UCRÂNIA FAZ GRANDE AÇÃO NA FRONTEIRA
Também nesta terça, forças da Ucrânia fizeram uma das maiores infiltrações no sul da Rússia desde o início da guerra. Segundo o Ministério da Defesa russo, foram ao menos 300 soldados envolvidos, e reforços foram enviados por Moscou à região.
Relatos iniciais sugerem que o ataque foi repelido. Vídeos em redes sociais, sem autenticidade comprovada, mostraram caminhões incendiados em rodovias e dois aviões de ataque Su-25 voando sobre a região de Kursk. Tanto Ucrânia quanto Rússia operam o modelo.
Já houve outras ações semelhantes, inclusive com o emprego de blindados. Se não mudam o rumo da guerra, demonstram a porosidade da defesa russa no sul do país, desmoralizando as forças de Putin.
No mais, a rotina de ataques com drones e mísseis russos segue inalteradas, com 26 aviões-robôs sendo interceptados nesta madrugada na região de Kiev. Ao menos cinco pessoas ficaram feridas em Kharkiv durante um ataque com mísseis nesta terça.
Enquanto isso ocorre, seguem em curso os esforços para a retomada de negociações de paz, interrompidas em 2022. Rússia e Ucrânia têm dado sinais de que podem conversar, embora a principal mediadora, a China, considere o processo bastante árduo.
Observadores dos dois lados dizem que tudo deve esperar o resultado da eleição americana, com a volta ou não de Donald Trump e sua política mais simpática à Rússia à Casa Branca.