Hezbollah faz ameaças, mas pede cessar-fogo a Israel
Ele é um dos poucos líderes do alto escalão do Hezbollah ainda vivo, após uma campanha israelense que dizimou a cúpula militar
IGOR GIELOW
Sentindo a pressão de 29 dias de campanha militar agressiva de Israel, o Hezbollah disse nesta terça-feira (15) que apenas um cessar-fogo pode solucionar a guerra no Oriente Médio, disparada há um ano pelo seu aliado palestino Hamas.
Foi o que disse na rede Telegram o secretário-geral adjunto do grupo extremista libanês, Naim Qassem.
Ele é um dos poucos líderes do alto escalão do Hezbollah ainda vivo, após uma campanha israelense que dizimou a cúpula militar e política da agremiação, a começar por seu chefe, Hassan Nasrallah.
Mirando seu público e os patronos do grupo no Irã, Qassem falou grosso. Disse que o Hezbollah “adotou uma nova política” de infligir “dor” a Israel com ataques a bases militares do Estado judeu. No domingo (13), quatro soldados de uma unidade de elite morreram, e 58 ficaram feridos após uma ação com drone no note do país.
Ao mesmo tempo, assoprou e disse que “apenas um cessar-fogo é solução”. “Nós pedimos o fim dos combates e vamos recuar 10 km [no sul do país] para não provocar Israel”, afirmou. Estimativas feitas por Israel colocam na casa de dezenas o número de comandantes e líderes políticos do Hezbollah que foram mortos na campanha.
Em conversa com o presidente francês, Emmanuel Macron, o premiê Binyamin Netanyahu disse que não aceitará um “cessar-fogo unilateral” que permita ao Hezbollah se rearmar. Ele não falava diretamente sobre o comentário de Qassem.
Ela foi iniciada no dia 17 do mês passado, quando Netanyahu incluiu a volta dos 60 mil israelenses que deixaram suas casas devido aos ataques diários do Hezbollah em apoio ao Hamas como um dos objetivos da guerra em curso.
Horas depois, pagers começaram a explodir nos bolsos de integrantes do grupo libanês. No dia seguinte, foram walkie-talkies, e em pouco tempo Nasrallah estava morto ao lado de diversas lideranças, e o sul do Líbano foi mais uma vez invadido por Tel Aviv.
O ano de guerra viu cerca de 2.350 libaneses mortos em bombardeios israelenses, a grande maioria após o 17 de setembro. O dia mais mortífero foi uma segunda, 23 daquele mês, quando 492 pessoas morreram, principalmente na capital, Beirute.
O Hezbollah vinha evitando, assim como o Irã, um conflito total com Israel, mantendo uma rotina de ataques pontuais. Eles agora se espalharam pelo país, com o restante do seu arsenal, que antes da campanha atual estava na casa dos 160 mil mísseis e foguetes.
O norte é alvejado diariamente por modelos mais simples e baratos, derivados do antigo Katiúcha soviético. Pontualmente, como no domingo, são lançados drones e, como ocorreu na segunda-feira (14) contra Tel Aviv, mísseis balísticos mais precisos.
Qassem já havia dito, há uma semana, que o Hezbollah não condicionaria nenhuma negociação de trégua com Israel ao fim da guerra na Faixa de Gaza, mudando sua posição até aqui no conflito. Nesta terça, contudo, voltou a dizer que “exige uma trégua” nas ações que já mataram mais de 42 mil palestinos.
Para Hilal Khashan, da consultoria americana Geopolitical Futures, o Hezbollah dá sinais claros de decadência. “Qassem também autorizou Nabih Berri a negociar em nome do grupo, abrindo o caminho para colocar o partido sob o manto do Movimento Amal, o que seria uma mudança sísmica no balanço de poder ent re os xiitas do Líbano”, disse.
O Amal, bancado pela ditadura síria nos anos 1980, era o grupo rival do Hezbollah no campo xiita. Um acordo em Damasco, em 1990, colocou fim à disputa, submetendo a ala militar da agremiação ao Hezbollah.
Em troca, na divisão vigente do poder no país árabe, que prevê um chefe do Parlamento xiita, Berri assumiu tal função em 1992 e nunca mais saiu do cargo. Agora, os papéis parecem se reverter.
A pressão militar não afeta apenas o Hezbollah. Segundo diversos relatos na mídia americana e israelense, há preocupação com os estoques de mísseis de interceptação dos sistemas antiaéreos do Estado judeu, como o famoso Domo de Ferro.
Na segunda, chegaram ao país os primeiros componentes da bateria de alta altitude Thaad enviada pelos Estados Unidos, juntamente com cerca de cem soldados para operá-la. O equipamento, diz o
Pentágono, estará pronto para uso em breve, e sinaliza principalmente ao Irã para evita um novo ataque contra Israel, como o ocorrido há duas semanas.
O problema americano também é de demanda. Só há sete sistemas Thaad disponíveis, cada um com até nove lançadores e 48 mísseis prontos para lançamento. Um deles está na Coreia do Sul, outro em Guam (Pacífico), e um terceiro em uma das bases americanas no Oriente Médio.
O posicionamento de uma quarta bateria em Israel deixa os EUA particularmente vulneráveis, mas é a opção do momento. Segundo o jornal Washington Post, Netanyahu prometeu ao governo Joe Biden que não irá retaliar agora contra alvos ultrassensíveis do Irã, como instalações nucleares ou infraestrutura petrolífera, mas sim atacar bases militares.
Não é garantia de que a situação não vá desandar ainda mais, mas o fato de que Tel Aviv está tomando tempo para decidir sua ação ajuda a explicar o movimento do Hezbollah também. Teerã tem interesse em preservar algo daquele que era seu principal preposto regional, um anteparo a ataques diretos contra si.
Já em Gaza, a recente intensificação de ações de Tel Aviv contra células resistentes do Hamas segue. Da segunda para a terça, os palestinos disseram ter havido ao menos 50 mortos em ataques a diversos pontos do território que controlavam desde 2007.
O grupo terrorista, cujo mega-ataque que deixou 1.170 mortos em um só dia em Israel fez explodir a guerra, tem operado mais como uma guerrilha. Ainda em Israel, um policial foi morto em um ataque terrorista atribuído a um palestino no sul do país.