‘Carteira Lula’ de ações da Bolsa sobe 13% em dois anos, apesar da forte queda em 2024
Segundo o levantamento, no primeiro ano do governo, essa carteira simulada disparou 45,19%, acima da alta do principal índice da Bolsa
STÉFANIE RIGAMONTI
Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu as eleições de 2022, analistas do mercado financeiro começaram a elencar quais ações da Bolsa teriam grande chance de surfar a onda de um governo que, a exemplo das experiências passadas, é afeito aos benefícios sociais e contrário às privatizações.
Com base em relatórios de bancos e casas de análise, a Folha de S.Paulo elencou algumas das ações mais citadas pelos analistas na época e encomendou um levantamento à Elos Ayta Consultoria para conferir o desempenho dos papéis ao longo dos dois primeiros anos do terceiro mandato de Lula.
A reportagem simulou uma carteira de investimentos, apelidada de “carteira Lula”, composta sobretudo por ações do setor da construção civil, varejista, educacional e algumas alternativas às estatais, já que o receio de intervenções do governo afasta os investidores desses papéis. No caso das petrolíferas, a Prio foi uma alternativa muito mencionada no lugar da Petrobras.
No setor de bancos, o Bradesco foi uma possibilidade levantada por analistas da Genial Investimentos, principalmente pelo perfil da carteira de crédito, focada mais em pessoa física e mais exposta à baixa renda do que outros bancões.
Desempenho da carteira Lula
Segundo o levantamento, no primeiro ano do governo, essa carteira simulada disparou 45,19%, acima da alta do principal índice da Bolsa, o Ibovespa, que em uma subida intensificada no fim do ano saltou 22,28% em 2023.
Neste ano, até o dia 18 de dezembro, porém, esses papéis reverteram parte dos ganhos e recuaram 22,27%, em um desempenho ainda pior do que o do Ibovespa, que recuou 10% no período. Mas, na soma dos dois anos, o saldo ainda segue positivo, com uma alta de 13,33% no conjunto de ações, enquanto o Ibovespa sobe 10,06%.
Um segmento que expõe bem esse quadro é o da construção civil voltado ao programa Minha Casa, Minha Vida. Após o presidente Lula turbinar o programa habitacional em 2023, o salto no preço das ações de companhias como Cury, MRV, Plano&Plano, Direcional e Tenda impulsionou o Índice Imobiliário da B3, o Imob, que foi o que mais subiu na Bolsa em 2023, com uma alta de 53,27%. Neste ano, contudo, o índice recua 24,28%. O saldo ainda é positivo, com valorização de 16,05%.
O Índice de Consumo da B3, o Icon, também seguiu um caminho semelhante. No ano passado, teve uma alta mais tímida, de 6,98%. Em 2024, porém, o índice recua 21,90%. No total dos dois anos de governo, a queda é de 16,45%.
Setores destacados
Na carteira montada pela reportagem, estão três ações do setor varejista muito citadas por analistas, que apostavam que os programas de transferência de renda do governo impulsionariam os papéis: Magazine Luiza, Casas Bahia e Assaí. Contudo, afundadas em alto endividamento e juros elevados, essas empresas não conseguiram ter desempenho positivo nem no ano passado.
Outro grupo de ações incluído na carteira é o das empresas educacionais. Ânima, Cogna, Cruzeiro do Sul, Ser Educacional e Yduqs foram embaladas em 2023 por perspectivas de programas sociais voltados ao ensino superior, como o Fies e o ProUni. Assim como os demais setores, o pessimismo do mercado neste ano fez muitas dessas ações devolverem todos os ganhos conquistados em 2023.
“As ações que compõem essa carteira têm como principal componente o fato de serem voltadas ao mercado doméstico. Ou seja, elas são muito afetadas por aspectos macroeconômicos, e, num cenário de piora da inflação, deterioração dos indicadores e alta dos juros, como estamos vendo, elas acabam prejudicadas”, diz Matheus Amaral, especialista em renda variável do banco Inter.
Impacto macroeconômico e fiscal
Amaral observa que essas empresas vinham de um ano de recuperação nos seus balanços, com a queda dos juros em 2023. Mas a forte desconfiança dos investidores em relação ao resultado fiscal e à dívida pública, a partir do meio do ano, endureceu a política fiscal e causou um revés. “A percepção de risco voltou, e isso pune essas companhias”, afirma.
Enquanto no início do ano o cenário externo era o que mais impactava o desempenho do mercado financeiro brasileiro, agora a Bolsa está praticamente dependente dos desdobramentos políticos e econômicos no ambiente interno. Segundo Amaral, a recuperação da Bolsa em 2025 dependerá do compromisso fiscal do governo.
“Até o meio deste ano, o mercado doméstico estava quase todo sendo direcionado pelas decisões do Federal Reserve (banco central americano). Mas, quando os Estados Unidos começaram a cortar juros, o investidor estrangeiro passou a olhar com mais atenção para o Brasil e o cenário fiscal brasileiro entrou no radar”, diz.
Renda fixa e crédito privado
Os papéis de renda fixa tiveram trajetória parecida com a do mercado acionário. Até 2024, gestoras investiam pesado em fundos de infraestrutura e o mercado imobiliário fazia várias emissões de títulos de dívida no mercado.
Luis Miraglia, sócio da Seneca Capital, diz que os gestores estão migrando aplicações desses fundos, atrelados à inflação, para fundos indexados ao CDI (Certificado de Depósito Interbancário), que acompanham a taxa básica de juros, a Selic.
“O mercado de crédito privado ganhou pujança nos últimos anos e os títulos estão se alongando cada vez mais. Porém, uma parte desse mercado remunera com a inflação. Se ela sobe, os investidores que tomaram esses títulos sofrem perdas. Os fundos de mais longo prazo, como de infraestrutura e construção civil, já estão tendo perdas agora em dezembro”, diz Miraglia.
Com a alta dos juros, investidores tendem a permanecer na renda fixa e evitar a Bolsa em 2025. Enquanto títulos do Tesouro Direto passaram de uma taxa de 6,5% para 8,5% em um mês, empresas já estão emitindo dívidas com remuneração de 10%. Miraglia prevê que isso reduzirá o mercado de crédito privado no próximo ano.