Cinco anos após o primeiro caso de Covid no Brasil, médicos relembram medo do início da pandemia
Doença causou 7 milhões de mortes no mundo, das quais 715 mil foram brasileiras
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LAIZ MENEZES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil confirmou o primeiro caso de Covid-19 há cinco anos. Em 26 de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde informou que um homem de 61 anos, que havia retornado de viagem à Itália, recebeu o diagnóstico positivo em São Paulo, no Hospital Israelita Albert Einstein.
“Não imaginava que a situação evoluiria para algo tão grave, mas hoje ainda me lembro do som do ventilador mecânico dos pacientes intubados”, diz o infectologista Moacyr Silva, que cuidou dos primeiros casos no Einstein em meio ao temor de tratar uma doença ainda desconhecida.
Segundo Silva, o medo da morte era uma realidade para os profissionais. Já os pacientes, ao chegarem ao hospital, enfrentavam um sentimento de solidão, sem poder contar com a presença de familiares.
“Parecia que estavam em uma solitária”, diz o médico.
No Brasil, as primeiras infecções por Covid foram registradas na rede privada, segundo Eloísa Bonfá, presidente do Conselho Deliberativo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
“As pessoas que chegaram com os primeiros casos da doença estavam vindo da Europa, principalmente da Itália [que passava por uma onda de casos da doença], e eram atendidos na rede privada. O sistema público começou a receber mais casos cerca de 15 dias depois, em meados de março”, explica.
Apesar de o primeiro caso só ter sido confirmado no dia 26 de fevereiro, o paciente deu entrada no hospital um dia antes. O período em que o homem esteve em viagem (do dia 9 a 21 de fevereiro) coincide com a explosão de casos no país europeu, quando mais de 220 pessoas foram infectadas.
Os pacientes com quadro leve de Covid eram orientados a cumprir quarentena de 21 dias em casa e a retornar ao hospital somente em caso de piora. Moacyr Silva recorda que o primeiro paciente apresentou sintomas leves, mas que casos graves já começaram a ser registrados no hospital poucas semanas depois.
“Foi quase uma explosão. No hospital, treinávamos constantemente como nos paramentar para evitar que os profissionais de saúde contraíssem a doença”, relata.
A partir de abril de 2020, o número de casos chegou a quase 4.000, com 74 óbitos. Foi nesse período que as UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) passaram a ter muitos pacientes em estado grave, intubados em ventilação mecânica.
“O som do ventilador mecânico era ensurdecedor, tomava conta do ambiente. Isso vai me marcar para o resto da vida. A máquina era usada tanto para salvamento quanto para a morte, porque o paciente que vai para o ventilador mecânico já está em estado crítico. Muitas vezes ele não sobrevivia.”
O som do ventilador mecânico era ensurdecedor, tomava conta do ambiente. Isso vai me marcar para o resto da vida. A máquina era usada tanto para salvamento quanto para a morte, porque o paciente que vai para o ventilador mecânico já está em estado crítico. Muitas vezes ele não sobrevivia
infectologista
O médico intensivista Leonardo Rolim, que chefiava a UTI para adultos do Einstein, conta que logo nos primeiros casos de Covid ele estabeleceu regras em casa para evitar que esposa e filhos fossem infectados.
“Entre fevereiro e junho de 2020, ninguém podia estar mais próximo de mim do que dois metros e eu dormia em um quarto separado”, conta. “Esse medo e a incerteza do que estava por vir fez com que a gente tomasse decisões que pareciam pouco racionais, mas que naquele momento faziam sentido.”
Depois de quatro meses de distanciamento social dentro de casa, o médico perdeu um paciente que estava bem e apresentou uma piora repentina. Depois disso, a esposa quebrou a regra de quarentena.
“Foi difícil ficar quatro meses sem abraçar ninguém, até que um dia minha esposa disse que não podia mais fazer isso e me deu o melhor abraço da minha vida.”
No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), os profissionais começaram a se preparar para atender os casos de Covid antes mesmo do primeiro registro da doença no país, mas toda a preparação não foi suficiente para o tamanho da demanda, lembra Eloísa Bonfá, que na época era diretora clínica da instituição.
“Ninguém tinha a mínima ideia da dimensão que isso seria. O pico da Covid foi tão grande que a gente tinha que abrir mais leitos de UTI a cada dois dias. Em dois meses nós passamos de 89 para 300 leitos.”
A médica trabalhava no comitê de crise da Covid-19 e chegava ao hospital todos os dias às 7h e voltava para casa por volta das 20h. “É um privilégio você ter uma causa para lutar diante de uma crise dessa. Eu chegava em casa só para dormir e voltava para trabalhar.”
Ela lembra que muitos médicos passaram a dormir no hospital e hotéis, com medo de que pudessem infectar seus parentes em casa. Membro da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), Renato Grinbaum conta que imobiliárias começaram a oferecer apartamentos com aluguel reduzido para profissionais de saúde que precisavam se isolar de suas famílias.
“A gente não sabia quanto tempo iria durar a pandemia, então não tinha como manter dois apartamentos e ficar por anos longe da família”, diz.
O primeiro caso de Covid-19 foi notificado pela China, onde surgiu o primeiro caso do vírus, à OMS (Organização Mundial da Saúde) em 31 de dezembro de 2019, descrito como uma “pneumonia de origem desconhecida”. Nos últimos cinco anos, a doença causou 7 milhões de mortes no mundo.