Citada por Janja para defender regulação, rede social na China tem censura e usuários monitorados
"Por que é tão difícil falar disso aqui [no Brasil]?", questionou a primeira-dama em entrevista

NELSON DE SÁ
PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – A crítica inesperada da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ao TikTok, no jantar oferecido pelo líder Xi Jinping ao presidente Lula (PT) há três semanas, colocou o Brasil ao lado dos Estados Unidos no cerco à rede social chinesa, daí o mal-estar em Pequim.
Na China, a aprovação da proibição do TikTok nos EUA é creditada às imagens na plataforma da ofensiva de Israel, aliado do país de Donald Trump, em Gaza.
Janja declarou depois, em podcast da Folha, que Xi teria citado a regulação chinesa em sua resposta no jantar. “Por que é tão difícil falar disso aqui [no Brasil]?”, questionou a primeira-dama na entrevista, referindo-se à “regulação muito forte” chinesa.
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) a acusou de estar defendendo “censura”.
A regulação chinesa é, de fato, muito forte. Seu arcabouço começa na Constituição, que determina que os cidadãos exerçam seus direitos sem prejudicar os interesses do país, da sociedade e de outros.
A Lei de Segurança Cibernética, de 2017, regula a segurança da rede, a proteção de dados e o controle de conteúdo, estipulando a obrigação, por parte das plataformas, como WeChat, Weibo e Douyin, o TikTok chinês, do gerenciamento de segurança. São elas as principais responsáveis pela revisão e administração de conteúdo.
Outras leis, como a de Segurança de Dados e a de Proteção de Informações Pessoais, ambas de 2021, ordenam o manuseio de dados, inclusive transferências internacionais, e a privacidade do usuário, restringindo a coleta não autorizada de informações.
Regulamentações, por exemplo, sobre a Gestão de Serviços de Informação da Internet ou sobre a Governança do Ecossistema de Conteúdo Informacional Online, detalham como as plataformas devem monitorar e censurar conteúdo considerado ilegal.
Isso se aplica também ao que é considerado conteúdo nocivo, como notícias falsas, rumores e, em categoria mais marcadamente contemporânea, “niilismo histórico”, ou seja, as revisões da história do país pelas consideradas “forças hostis”.
Leia também
- Lula exalta soberania e manda recado a Trump e Bolsonaro em pronunciamento do 7/9
- Forças Armadas vão respeitar veredito do STF sobre golpe, diz Múcio
- Marina pede transição energética que considere limitações de cada país
- Anápolis é absolvido pela Justiça e não será rebaixado após jogar com 12 atletas em campo; entenda por quê
Entre os órgãos que supervisionam as plataformas de mídia social estão a Administração do Ciberespaço da China, o principal regulador, respondendo pelo controle, licenciamento e fiscalização de conteúdo, e o Ministério de Segurança Pública, que monitora atividades consideradas ilegais online, inclusive crimes cibernéticos e conteúdo considerado subversivo.
Eles podem fornecer suporte técnico para a ação das plataformas.
Moderação e censura são realizados usando três sistemas. Um deles é a filtragem de palavras-chave, com bloqueio ou remoção automática de postagens com termos sensíveis, que indiquem, por exemplo, discussões sobre Xinjiang ou Taiwan.
O segundo sistema são os moderadores humanos, equipes das plataformas para revisão de conteúdo. Por fim, o monitoramento de inteligência artificial usa algoritmos para, em tempo real, detectar e suprimir conteúdo considerado ilegal. Entre os meios técnicos usados estão reconhecimento facial e análise emocional.
Segundo a regulação chinesa, todos os usuários de mídia social no país devem se registrar com seus nomes verdadeiros, para evitar o anonimato e aumentar a responsabilização. Mas o uso de nomes fictícios e avatares é disseminado.
Em seu relato da conversa sobre o TikTok, durante entrevista coletiva ao final da visita a Pequim, Lula afirmou que Xi teria dito que o Brasil tem o direito de fazer a sua regulamentação da rede, a exemplo da China.
A intervenção da primeira-dama no jantar desencadeou uma série de críticas da oposição no Brasil. Bolsonaristas associaram a fala dela a uma defesa de “censura” nas redes sociais, nos moldes do que é praticado pelo governo do Partido Comunista chinês.
O funcionamento do TikTok nos EUA está ameaçado por uma lei americana aprovada no ano passado que exige que o aplicativo se separe de seu proprietário chinês ByteDance ou feche as operações no país.
O governo de Trump suspendeu a aplicação da lei e estabeleceu o prazo de 19 de junho para que haja um acordo pelo qual investidores americanos comprem o aplicativo.