Angola vota para presidente de olho em participação de jovens no pleito
Embate deve ficar restrito a dois partidos: o MPLA, que governa Angola desde a independência; e a Unita, liderada por Adalberto Costa Júnior
Os angolanos foram às urnas nesta quarta-feira (24) para uma disputa considerada histórica. Embora o partido governista seja o favorito, analistas não descartam um resultado surpreendente da principal sigla de oposição -a alternância de poder seria inédita na democracia dessa ex-colônia portuguesa.
Entre oito candidaturas, o embate deve ficar restrito a dois partidos: o MPLA, que governa Angola desde a independência, em 1975, e é representado pelo atual chefe de Estado, João Lourenço; e a Unita, liderada por Adalberto Costa Júnior.
A avaliação de que a oposição tem sua melhor chance de vitória se dá com base na articulação em torno da Unita e na participação de milhões de jovens. Pessoas com menos de 25 anos representam 60% do país, e muitos votaram pela primeira vez nesta quarta. Cerca de 14,4 milhões de eleitores -metade do país- estão habilitados para o pleito, que incluiu pela primeira vez também angolanos na diáspora.
Analistas creem que esse grupo poderia expressar nas urnas sua frustração com as quase cinco décadas de governo do MPLA, que excluiu boa parcela da população do boom econômico gerado pela exploração de petróleo.
As urnas foram fechadas às 14h, pelo horário de Brasília, e o resultado será divulgado apenas em alguns dias; por enquanto, dados de comparecimento não foram oficializados. Os novos presidente e vice serão os mais votados de uma lista do partido vencedor -sistema definido por uma contestada alteração na Constituição, feita em 2010, que desagrada a movimentos sociais.
A divulgação de pesquisas eleitorais não foi permitida, mas alguns levantamentos extraoficiais, como um do instituto independente Afrobarômetro, indicavam um crescimento na preferência da Unita e a indecisão de quase metade dos eleitores.
O país é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas metade dos angolanos vive na pobreza, e o desemprego atinge mais da metade dos menores de 25 anos. Na capital Luanda, pequenos negócios informais são comuns nas ruas, ao lado de arranha-céus e em meio a uma das cidades com o custo de vida mais alto do mundo.
“A escola é horrível. O sistema de saúde é horrível. Eles [os políticos] ficam mais ricos e nós sofremos”, disse à agência Reuters Severano Manuel, 28, ecoando sentimentos de outros jovens eleitores. Um ex-militar chamado Salomão, 59, que não quis informar o nome completo, também reclamou das condições do país: “As pessoas não têm nada -sem água, sem luz, as crianças comem de latas de lixo”.
O presidente, depois de votar na Universidade Lusíada, em Luanda, estimulou os eleitores a fazerem o mesmo. “No final, todos venceremos, a democracia vence e Angola vence”, afirmou Lourenço a jornalistas.
Muitos, contudo, estão menos confiantes na democracia angolana. Um grupo de monitoramento, o Movimento Mudei, planejava tirar fotos de cédulas de resultados no maior número possível de locais de votação, informou o coordenador Luaty Beirão à Reuters. Ele afirmou temer fraudes, alegando que elas ocorreram em pleitos anteriores.
“A polícia disse para votar e ir para casa. Eu disse-lhes que iria votar e me sentar”, contou Severano Manuel em Cacuano, quando seu local de votação começou a contagem. A orientação foi dada a apoiadores também pela direção da Unita.
A comissão eleitoral informou que não houve distúrbios que comprometessem o processo de votação, mas analistas avaliam que as regras de contagem, que podem atrasar os resultados oficiais em dias, aumentam as tensões -que poderiam se desdobrar em violência.
Nas redes sociais, integrantes do Movimento Mudei apontaram tensões em alguns locais, com a acusação de que os chefes das seções eleitorais se negavam a afixar em público as atas com o resultado local. Também houve denúncias, não confirmadas pelas autoridades, de detenções de pessoas que fotografavam esses documentos.
Quinta eleição multipartidária da história do país, o pleito ocorre 20 anos após o fim de uma guerra civil de quase três décadas e pouco mais de um mês depois da morte de José Eduardo dos Santos, controverso líder que ficou 38 anos no poder.
Em alguns dias será possível saber se a união da oposição -que amealhou apoios estrangeiros, com Costa Júnior tendo ido a Washington e Bruxelas durante a campanha- criou de fato uma janela de oportunidade para Angola tirar a democracia da geladeira.