Lula vê porto seguro no Senado em meio a ultimatos de Lira e crise com a Câmara

Presidente da Câmara tem sido um crítico público da articulação política do Palácio do Planalto

Folhapress Folhapress -
Lula vê porto seguro no Senado em meio a ultimatos de Lira e crise com a Câmara
Lula e Rodrigo Pacheco. (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

RANIER BRAGON

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A aprovação tranquila e folgada pelo Senado da medida provisória de reestruturação dos ministérios, na semana passada, evidenciou novamente a nítida diferença entre as bases de apoio ao governo Lula (PT) nas duas Casas do Congresso Nacional.

Enquanto na Câmara dos Deputados, comandada por Arthur Lira (PP-AL), a medida só passou após constante ameaça de rebelião e longas negociações, algumas conduzidas pessoalmente por Lula, a Casa presidida por Rodrigo Pacheco (PSD-MG) validou a proposta no último dia de prazo em cerca de duas horas, sem maiores sobressaltos.

Na Câmara, a esquerda reúne apenas cerca de 130 das 513 cadeiras. A principal força política é o centrão, grupo de parlamentares de centro e de direita controlado por Lira e que tem conseguido reunir em torno de si mais de 300 votos nas sessões —seja a favor ou contra o governo, a depender da situação.

Lira foi o principal apoiador de Jair Bolsonaro (PL) no Congresso, sendo o responsável por liderar a sua base de sustentação. Mesmo com a vitória de Lula, a força do parlamentar se manteve entre os colegas, o que forçou o novo governo a descartar lançar um concorrente na disputa pelo comando da Casa em fevereiro. Lira foi reeleito com folga.

A administração petista, porém, tentou retomar para si a gerência da distribuição de cargos e emendas do Orçamento, hoje a principal moeda de obtenção de apoio nas votações. Mas problemas de gestão e de relacionamento azedaram a relação.

Contribuiu para isso também a pressão de Lira e de líderes de bancadas do centrão para retomar o controle da distribuição das emendas.

A Câmara já derrotou o governo na derrubada de mudanças feitas por Lula na área do saneamento e na aprovação do chamado marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Nos dois casos as derrotas vieram embaladas em mais de 300 dos 513 votos.

Lira também instalou três CPIs, uma delas dominada por bolsonaristas e que tem como alvo o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), aliado ao governo.

O presidente da Câmara tem sido ainda um crítico público da articulação política do Palácio do Planalto, que ele aponta como o principal problema do governo, além de protagonizar uma rivalidade regional barulhenta contra o senador Renan Calheiros (MDB-AL), apoiador de Lula.

Ainda na semana passada, Lira e Lula conversaram por telefone e, após uma longa tarde e noite de negociações, o presidente da Câmara liderou um movimento para reunir os votos para a aprovação da MP.

O placar folgado, de 337 votos a 125, veio acompanhado de recados abertos de ultimato ao governo.

Em tradução livre, ou Lula cede aos pleitos do presidente da Câmara e seu entorno, que incluem não só emendas, mas controle de ministérios e cargos federais, ou Lula continuará enfrentando turbulências na Casa.

Nesta segunda (5), Lira se encontrou com Lula. Após a reunião, novos recados ao Planalto. “Penso que o alerta que foi feito [sobre] as dificuldades que houve na semana passada foram um bom recado para que o governo possa recompor o seu rumo”, disse Lira à CNN Brasil.

Ele também afirmou na mesma entrevista que Lula montou seu ministério pensando em acomodar ex-governadores que foram eleitos para o Senado —e que nesse cenário a Câmara ficou sub-representada.

“Tentando ali ocupar talvez numa capacidade mais administrativa da experiência de cada um. Mas fato é que a Câmara ficou nessa situação sub-representada. Ou representada por decisões que não pertenceram diretamente aos partidos”, disse.

Na semana passada, Lula conversou diretamente com pelo menos mais um deputado, o líder da bancada da União Brasil, Elmar Nascimento (BA). A sigla tem três ministérios no governo, mas Elmar se alinha à Lira e à ala insatisfeita da legenda, até por ter sido vetado para um cargo de ministro pelo PT da Bahia.

O senado apresenta um cenário menos hostil ao Planalto.

A Casa é presidida por um político que manteve distanciamento e por várias vezes se mostrou um freio ao bolsonarismo no governo passado.

Além de Rodrigo Pacheco, o Senado abriga um dos principais parlamentares contemplados na distribuição de ministérios por Lula, o ex-presidente da Casa Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

A aprovação da MP da reestruturação da Esplanada no Senado, por 51 votos a 19, mostrou esse cenário. Apenas dois senadores de partidos da base votaram contra o governo, o bolsonarista Samuel Araújo (PSD-RO) e o ex-xerife da Lava Jato Sergio Moro (União Brasil-PR)— um dos principais desafetos de Lula.

O Senado tem mostrado também outros exemplos de maior alinhamento com o Planalto.

Os senadores, por exemplo, têm segurado a votação do decreto que derruba parte das mudanças feitas por Lula no marco do saneamento, o que tem permitido aos articuladores políticos do governo negociarem mudanças para diminuir a derrota sofrida na Câmara.

No caso do marco temporal, há a expectativa de que haja tramitação lenta, com a matéria passando por comissões temáticas e novas análises técnicas.

A perspectiva é que ele não seria apreciado antes do julgamento sobre o tema no Supremo Tribunal Federal —onde, nesta quarta-feira (7), um pedido de vista do ministro André Mendonça acabou postergando a discussão. Agora, ele tem 90 dias para devolver a ação para análise da corte, segundo as normas internas do STF.

O texto avançou na Câmara como uma estratégia de Lira e da bancada ruralista para se antecipar ao julgamento do Supremo, uma vez que a tendência na corte é que o marco seja derrubado.

A tese do marco temporal, defendida pela Frente Parlamentar da Agropecuária, determina que as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na data da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Os indígenas refutam a ideia e argumentam que, pela Constituição, têm direito a seus territórios originais, não limitados pela data da promulgação da Constituição.

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