Discussão de Lula sobre GLO no 8/1 teve batida na mesa para rechaçar ação de militares

Decisão foi tomada em meio a desconfiança de tentativa de golpe por parte das Forças Armadas

Folhapress Folhapress -
Discussão de Lula sobre GLO no 8/1 teve batida na mesa para rechaçar ação de militares
Presidente Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva. (Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

JULIA CHAIB

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Lula (PT) assistia às cenas de vandalismo nos prédios dos Três Poderes e debatia com ministros a solução para dar fim aos ataques golpistas em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, quando reagiu com veemência à hipótese de decretar uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) –que consistiria em chamar as Forças Armadas para conter os atos.

Segundo relatos, o presidente bateu na mesa e afirmou indignado que, se os militares quisessem poder, que disputassem as eleições.

“Nas conversas que eu tive com o ministro Flávio Dino [da Justiça], e foram muitas conversas, dentre várias coisas que ele me falou, ele aventou que uma das possibilidades era fazer GLO. E eu disse que não teria GLO. Eu não faria GLO porque quem quiser o poder que dispute as eleições e ganhe, como eu ganhei as eleições”, contou Lula, em declaração enviada à Folha de S.Paulo sobre os acontecimentos daquele dia.

“Por que eu, com oito dias de governo, iria dar para outras pessoas o poder de resolver uma crise que eu achava que tinha que resolver na política? E foi resolvida na política”, continuou o presidente.

A decisão de rejeitar a GLO e optar por uma intervenção no Distrito Federal foi tomada em meio a um clima de desconfiança a respeito do que os militares fariam com o poder na mão, diante da pressão de apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) por um golpe.

Naquele dia, autoridades envolvidas na resposta aos ataques chegaram a avaliar que a solução seria o decreto –que alguns militares queriam usar para tentar tirar Lula do poder.

Quando conversou com Lula, Dino estava no Ministério da Justiça, de onde podia assistir às cenas de vandalismo. O ministro disse ao presidente que era necessário tomar o controle da situação porque a polícia do Distrito Federal não continha os apoiadores de Bolsonaro.

Em uma das conversas citadas por Lula, Dino apresentou um cardápio de opções para tomar reassumir o controle: GLO, intervenção no Distrito Federal, estado de sítio ou de defesa.

As duas últimas opções foram consideradas extremas e Lula as rechaçou. A primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, também se manifestou contra a GLO. De acordo com relatos, ela se levantou da cadeira e afirmou que isso significaria entregar o poder civil aos militares.

Lula ainda conversou com o ministro José Múcio (Defesa), que teria dito que os comandantes militares estavam à disposição para agir. Depois disso, o presidente rejeitou de vez a hipótese de GLO.

O clima no gabinete de crise montado na Prefeitura de Araraquara (SP), onde Lula havia ido para acompanhar a ajuda a vítimas de fortes chuvas, era de pura tensão, de acordo com quem estava lá.

Lula conversava com seus ministros e autoridades do Congresso a todo momento. Exaltado, procurava por informações e soluções.

Segundo relatos, ele gritou ao telefone com o general Gonçalves Dias, então ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), e perguntou se algo seria feito. Do outro lado da linha, o ministro respondeu que guardas já tinham chegado ao local.

Lula conversou com Rosa Weber, à época presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), e com o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Moraes culpou pela situação o governador Ibaneis Rocha (MDB-DF) e o então secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Torres, e apontou a necessidade de haver resposta.

Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também foram acionados e falaram com o presidente.

Lula rejeitou a possibilidade de GLO em ligações com os ministros Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Jorge Messias (Advocacia-Geral da União). Em chamada, o presidente foi informado sobre as ações que a AGU preparava contra autoridades do DF.

Com a GLO descartada, foi tomada a decisão pela intervenção no DF. Dino redigiu um decreto que previa inicialmente o afastamento do governador Ibaneis e a intervenção federal em toda capital.

Depois, porém, Lula pediu ao ministro uma intervenção específica na área de segurança, sem tirar o governador do cargo. Ibaneis acabaria afastado naquela mesma noite, por decisão de Moraes.

Lula queria Dino como interventor, mas o ministro constatou que não poderia por ter sido eleito senador. Ventilou-se como segunda opção Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais), mas também havia objeções.
Dino então sugeriu seu secretário-executivo, Ricardo Cappelli. Lula não o conhecia, mas ouviu referências e concordou em destacá-lo para a função.

O decreto de intervenção foi enviado a Lula pelo WhatsApp para que ele o assinasse. Em seguida, o presidente convocou uma entrevista coletiva em Araraquara. Leu o ato e afirmou que os manifestantes eram verdadeiros vândalos.

Disse na ocasião: “É preciso que essa gente seja punida de forma exemplar, que ninguém nunca mais ouse, com a bandeira nacional nas costas ou camiseta da seleção, se fingirem de nacionalistas, se fingirem de brasileiros e façam o que eles fizeram hoje”.

De acordo com quem estava com o presidente, ele quis retornar a Brasília o quanto antes, mas houve ponderações a respeito de sua segurança.

“Tinha gente que não queria que eu viesse para Brasília, [mas] voltasse para São Paulo. Que ao invés de eu vir de Araraquara para cá, que eu ficasse lá e eu disse: não. Eu vou para Brasília, vou para o hotel e vou para o Palácio. Eu ganhei as eleições, eu tomei posse. O povo me deu o direito de ser presidente durante quatro anos. Eu não vou fugir à minha responsabilidade. E foi resolvido na política”, respondeu o presidente à Folha de S.Paulo.

De volta a Brasília, à noite, Lula vistoriou o Palácio do Planalto e foi ao STF para um encontro com Rosa Weber e outros ministros.

Àquela altura, o presidente já articulava a reação do dia seguinte. Em 9 de janeiro, ele reuniu governadores no Planalto, além dos presidentes dos três Poderes, e depois saiu em caminhada rumo à corte.

O 8 de janeiro só terminou na madrugada. Lula havia determinado que fosse feita a prisão de todos os manifestantes que tinham retornado para o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército.

Quando Cappelli chegou ao local, porém, militares não queriam que as prisões fossem efetuadas, sob a alegação de que haveria conflito com a Polícia Militar.

Lula então recebeu uma ligação do acampamento por volta das 21h. Era o general Gustavo Henrique Dutra, então comandante militar do Planalto, que fez um apelo ao presidente para que deixasse as prisões para o dia seguinte.
Lula assentiu, mas, após o diálogo, mandou os ministros Múcio, Dino e Rui negociarem uma solução.

Ao final das conversas, na madrugada, ministros foram ao hotel onde Lula estava hospedado em Brasília para conversar sobre a operação do dia seguinte, quando o acampamento enfim foi desocupado. Conversaram também sobre um ato que envolveria diversas autoridades em defesa da democracia.

“O gesto de todo mundo se encontrar aqui no Palácio do Planalto e depois visitar a Suprema Corte foi um gesto muito forte, que eu acho que é a fotografia que o povo brasileiro vai se lembrar para sempre e nunca mais a gente vai querer dar ouvidos a pessoas que não gostam de democracia”, disse o presidente.

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