Impossível não se emocionar com a história e situação de venezuelanos em Anápolis

Vivendo em condições subumanas, eles decidiram enfrentar o desconhecido pela família

Rafaella Soares Rafaella Soares -

Diariamente antes de o sol nascer Jesus Rafael Alfonzo se levantava, tomava o café da manhã e seguia para sua loja de móveis. Junto da esposa, que administrava uma lanchonete, ele teve sete filhos. Um homem e seis mulheres. Todos nascidos e criados em Maturín, capital do estado de Monagas, na Venezuela.

Apesar dos esforços de Jesus para manter o conforto da família, a economia do país vizinho entrou em colapso. De repente, a clientela começou a diminuir, a loja não tinha mais lucros e a comida que antes era farta passou a faltar.

“Ninguém queria comprar móveis com tanta fome. Logo o governo pegou meu estabelecimento e uma de minhas casas. Pouco a pouco fui vendendo meu carro e minhas ferramentas para poder dar comida a meus filhos. Quando não pude mais, decidi vir para o Brasil”, relembrou.

No fim de 2017 e aos 43 anos, Jesus se despediu das filhas e esposa com um abraço apertado e partiu rumo ao desconhecido, juntamente com o filho mais velho, torcendo para que a vida lhes reservasse um futuro melhor.

“Eu vim andando da Venezuela para Boa Vista, em Roraima. Daí em diante peguei carona de ônibus. Eu estava em Cuiabá, mas lá é muito quente e sofro de pressão. Eu tenho um ano no Brasil, mas cheguei em Anápolis há duas semanas e meia”, disse.

Jesus pedindo ajuda debaixo do viaduto da Avenida Goiás com a Brasil. (Foto: Reprodução)

Debaixo do viaduto da Avenida Brasil com Goiás e Barão do Rio Branco, no Centro do município, não é difícil encontrar Jesus com um cartaz na mão pedindo emprego. Por meio de doações, ele e o filho de 16 anos dormem em um hotel próximo ao Terminal Rodoviário e enviam todo o dinheiro que conseguem para que as mulheres da família tenham o que comer.

“Minha esposa tem que ficar na fila durante toda a noite na porta do supermercado só para comprar um arroz ou macarrão. Muitos não têm ideia do que é sentar para comer sem saber se minhas filhas estão comendo. Trabalhei a vida inteira para dar o melhor para elas e agora, depois dos 40 anos, tive que começar de novo. Estou na rua pedindo trabalho, meu irmão foi assassinado recentemente por ser da oposição do governo e minha família está correndo risco. Preciso de ajuda para trazê-las. Estou desesperado”, desabafou Jesus.

O jovem Abdiel Elías Bellorin Velásquez, de 24 anos, também é vítima da crise humanitária que assombra a Venezuela. Ele chegou a ter três empregos, mas o dinheiro não dava para todas as despesas do mês e ele vendeu a moto, o único pertence que tinha, por R$ 125 para deixar a cidade de Anaco, no estado de Anzoátegu, e chegar ao Brasil.

Por três meses Abdiel passou os dias com uma enxada, capinando lotes, e as noite dormindo na Rodoviária de Boa Vista. O dinheiro ia todo para casa e servia para cuidar da esposa grávida e ajudar os pais e irmãos.

“Eles pediam parar eu ficar, mas não esperei ficar tão mais difícil porque a moto ficava estragando e logo eu não conseguiria dinheiro nem para consertar e nem para comprar a passagem e ir embora. Cheguei aqui não sabia nada, foi um balde de água fria”, contou.

Neste período, Abdiel foi acolhido pela Fraternidade Sem Fronteiras, que cuida atualmente de cerca de 200 venezuelanos na capital roraimense, fornecendo comida, moradia e cursos de qualificação e língua portuguesa.

Por meio da ONG, ele conseguiu buscar a esposa e a cunhada e, em outubro do ano passado, foi enviado para Anápolis e contratado para trabalhar na gigante do ramo de cervejarias Ambev.

Adbiel ao lado da esposa e filha, em Anápolis. (Foto: Rafaella Soares)

Fora da estatística

Procurada pela reportagem do Portal 6, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social não informou quantos imigrantes venezuelanos vivem atualmente em Anápolis, mas salientou que todos podem integrar programas sociais do Governo Federal e Estadual, como Bolsa Família, ID Jovem, Minha Casa Minha Vida e Renda Cidadã.

As possibilidades se estendem ainda ao Espaço da Oportunidade. Apesar de todos os cursos estarem com vagas esgotadas, a pasta se comprometeu a criar meios para inseri-los em capacitações e encaminhá-los ao Sine para que consigam empregos.

Para isso, no entanto, é obrigatório que todos passem pela Polícia Federal para solicitar a emissão de uma carteira de trabalho brasileira.

Ao que tudo indica, a crise do país vizinho não tem data para terminar. Enquanto isso, milhares de pessoas como Jesus e Abdiel continuam atravessando a fronteira para refazerem a vida e então buscarem os entes queridos que ficaram para trás.

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