Esquerda usa Lula como coringa, mas evita comparação com 7 de Setembro bolsonarista

Fórum de partidos, movimentos sociais e centrais sindicais que fazem oposição ao governo esteve à frente de outras quatro mobilizações desde março

Folhapress Folhapress -
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 29-05-2021: Manifestantes durante ato contra o presidente Jair Bolsonaro, na avenida Paulista, em São Paulo. Movimentos de esquerda fazem manifestação nacional pelo impeachment de Bolsonaro. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress)
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 29-05-2021: Manifestantes durante ato contra o presidente Jair Bolsonaro, na avenida Paulista, em São Paulo. Movimentos de esquerda fazem manifestação nacional pelo impeachment de Bolsonaro. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress)

Organizadores do ato contra Jair Bolsonaro no dia 7 de Setembro no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, se dividem sobre a eventual presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e já ensaiam o discurso sobre a possibilidade de público menor do que o do ato bolsonarista na mesma data na avenida Paulista.

Nesta terça-feira (31), além dos aspectos políticos do movimento e de seus efeitos para a esquerda, questões técnicas, como regras impostas pela Prefeitura de São Paulo para o uso do Anhangabaú, também foram discutidas pela Campanha Nacional Fora Bolsonaro.

O fórum de partidos, movimentos sociais e centrais sindicais que fazem oposição ao governo esteve à frente de outras quatro mobilizações desde março.

Setores da campanha, que é formada majoritariamente por forças de esquerda, aumentaram a pressão sobre Lula para que ele compareça ao ato, mas a ideia também conta com oposição interna, sob o argumento de que a presença daria caráter eleitoral ao ato e serviria de munição a ataques governistas.

A assessoria do petista disse que ele não participará. Pessoas próximas, no entanto, estimularam a ida dele ao local. Movimento semelhante ocorreu em junho, e na época o pré-candidato ao Planalto em 2022 optou por não se juntar fisicamente à mobilização, embora tenha incentivado apoiadores a irem.

Bolsonaro afirmou que estará com seus apoiadores na avenida Paulista e fará um discurso.

A eventual participação de Lula é considerada um chamariz que poderia engrossar a presença de manifestantes. Grupos ligados à organização que estão mais ao centro do espectro político ou não endossam a pré-campanha de Lula à Presidência, contudo, demonstraram resistência à ideia.

As convocações da campanha ganharam recentemente a adesão de forças de outras colorações ideológicas, como o movimento Acredito e o diretório municipal do PSDB na capital paulista. Também está na articulação o PDT do pré-candidato a presidente Ciro Gomes, crítico ferrenho do lulismo.

“Acredito que toda liderança política que defende a democracia e a Constituição é bem-vinda, mas temos que evitar que o ato se polarize e se torne uma disputa eleitoral”, diz o líder estadual do Acredito, Marco Martins.

A mobilização é preparada em conjunto com o Grito dos Excluídos, tradicional levante promovido no feriado da Independência por alas da Igreja Católica em todo o país.

Partidários da ida de Lula defenderam nos bastidores o raciocínio de que o ato encampa a defesa da democracia, enquanto a manifestação antagônica flerta com bandeiras autoritárias e golpistas. Por essa lógica, a participação do petista expressaria apreço à ordem democrática, em contraponto a Bolsonaro.

Por outro lado, há o argumento de que a presença afugentaria detratores de Bolsonaro que tampouco simpatizam com Lula. Pessoas do entorno do ex-presidente usaram como justificativa também riscos associados à pandemia de Covid-19 e perigos à integridade física, em uma data que se anuncia tensa.

O tema seria debatido nesta terça em reunião dele com movimentos que compõem a coordenação da Campanha Fora Bolsonaro, como CUT (Central Única dos Trabalhadores), MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e CMP (Central de Movimentos Populares), conforme noticiou o Painel.

No encontro, segundo a reportagem apurou, Lula afirmou não ter decisão tomada sobre ir ao ato. O petista disse que pode gravar um pronunciamento sobre o 7 de Setembro. A conversa foi no sentido de que a data é importante para a esquerda por chamar atenção para questões de fome e miséria por meio do Grito dos Excluídos.

O tamanho dos atos anti e pró-Bolsonaro entrou em discussão diante da inevitável comparação de públicos que ocorrerá na ocasião. Responsáveis pelo protesto contrário informaram à Polícia Militar, em reunião nesta terça, que o público estimado é de 20 mil a 30 mil pessoas.

Já a manifestação bolsonarista avisou que espera 2 milhões de pessoas na Paulista.

A resposta na oposição sobre o prognóstico desfavorável é que não interessa ao grupo entrar em uma guerra sobre quem enche mais as ruas. Há ainda a justificativa de que seu protesto é de alcance nacional. Balanço desta quinta apontava a previsão de 80 atos em cidades das cinco regiões do país.

Já a estratégia dos bolsonaristas é adensar o público das manifestações, sobretudo, em Brasília e em São Paulo.

Haverá manifestações em capitais e outros municípios, mas a tônica da convocação é de estímulo a caravanas rumo aos dois centros. Ônibus sairão de mais cem cidades em direção à avenida Paulista.

Ao chamar apoiadores para o 7 de Setembro, o próprio Bolsonaro tem deixado claro que o objetivo é promover uma aglomeração significativa, que renda imagens para repercussão mundial. Há uma ordem para que faixas e cartazes contenham mensagens em vários idiomas.

O governador João Doria (PSDB) incentivou na semana passada a comparação do número de manifestantes na Paulista no dia 7 com a quantidade que irá no dia 12, o domingo seguinte, para o ato contra o mandatário anunciado por MBL (Movimento Brasil Livre) e VPR (Vem Pra Rua).

A iniciativa, ligada a setores da direita, também expressará apoio a uma terceira via para as eleições de 2022. Doria, que se elegeu como aliado de Bolsonaro em 2018, hoje busca se colocar como o presidenciável do PSDB e ocupar esse espaço para tentar enfrentar o mandatário nas urnas.

Raimundo Bonfim, representante da CMP e do Grito dos Excluídos, afirmou que a Campanha Fora Bolsonaro deve intensificar a mobilização para o protesto, já que dúvidas sobre sua realização pairavam até antes da decisão judicial de segunda favorável ao ato.

Bonfim disse não ver prejuízo político em ter uma manifestação menor que a da avenida Paulista. “Nós estamos vindo de um processo de mobilização desde 29 de maio, com quatro manifestações. Não estamos desesperados, eles [bolsonaristas] é que estão.”

Para o vereador Alfredinho (PT), que tem participado dos diálogos entre prefeitura e organizadores, a comparação pode ser negativa para agora, mas a esquerda não desanimará. “Deveremos depois fazer um ato maior, na Paulista. Mas nós vamos pôr mais de 20 mil pessoas no Anhangabaú, tenho certeza.”

A avaliação colhida pela reportagem com integrantes da linha de frente da Campanha Fora Bolsonaro nas últimas semanas é a de que nunca esteve em pauta um recuo sobre o ato do dia 7, que está marcado desde 30 de julho, mesmo com a agitação em torno da iniciativa bolsonarista.

Tanto é que a oposição inicialmente abriu uma disputa pela avenida Paulista, contestando a decisão da Polícia Militar que deu ao grupo oposto o direito de utilizar a via. Após transferir o ato para o Anhangabaú, a briga passou a ser contra a decisão da gestão Doria de vetar atos antagônicos no dia 7.

A SSP (Secretaria da Segurança Pública do Estado) passou a ser criticada pela medida, vista como afronta ao direito de manifestação garantido pela Constituição. Decisão judicial na segunda-feira (30) assegurou à oposição o direito de se reunir no vale, forçando o governo Doria a rever a decisão.

O imbróglio agora gira em torno de imposições da prefeitura para o uso do Anhangabaú, já que o espaço recém-reformado (ao custo de R$ 100 milhões) foi concedido à iniciativa privada em 2020 (a outorga é de R$ 6 milhões).

A gestão está em fase de transição para o grupo que assumirá a operação da área. Enquanto isso, a administração ainda compete ao município.

Líderes da Campanha Fora Bolsonaro concordam com parte dos pedidos da gestão Ricardo Nunes (MDB), mas resistem à responsabilização por eventuais casos de vandalismo. O argumento é o de que cabe à GCM (Guarda Civil Metropolitana) e à SSP cuidar da segurança do patrimônio e dos manifestantes.

A preocupação com atos de vandalismo e presença de black blocs dominou reuniões de preparação desta terça.

Após uma reunião na Secretaria da Casa Civil da Prefeitura de São Paulo durante a tarde, Bonfim afirmou que vistoriou o local com membros da administração municipal e que está tudo acertado para que a manifestação aconteça.

Mais cedo, no entanto, em reunião com a Polícia Militar, houve discussão entre os grupos de esquerda e o subprefeito da Sé, coronel Marcelo Sales.

Sales afirmou que a manifestação só poderia ocorrer no local caso uma das entidades organizadoras se responsabilizasse por ressarcir eventuais danos ao patrimônio, mesmo que o quebra-quebra ocorra após o encerramento oficial do ato. Ele disse ser necessária a assinatura de um termo de compromisso nesse sentido.

Os grupos presentes na reunião -como MTST, CUT, UNE, Movimento Acredito, Frente Povo Sem Medo, Frente Brasil Popular e Coalizão Negra por Direitos- afirmaram que não pode haver condição para que o espaço seja cedido.

Sustentaram ainda que a decisão judicial desta segunda garante a realização do ato e determina que nenhuma autoridade pode descumprir a ordem.

A intervenção de Sales na reunião foi vista como uma forma de restringir a livre manifestação, intenção que o subprefeito negou.

De qualquer forma, a assinatura do termo de responsabilidade entre prefeitura e alguma entidade organizadora do ato ainda está pendente. Ficou acertado que a Casa Civil enviaria a minuta do termo -que, para os movimentos de esquerda, não pode trazer cláusulas de responsabilidade objetiva.

“Dissemos à prefeitura que não cabe essa responsabilização porque é uma manifestação pública, e não um ato privado.

A proteção do patrimônio público cabe à Guarda Municipal. Precisamos aguardar a minuta, mas a prefeitura concordou em termos gerais. Está tudo certo, tudo redondo, nenhum impedimento”, disse Bonfim.

Grupos de esquerda considerados mais radicais, como PCO, cujos integrantes já entraram em conflito com manifestantes do PSDB em um ato anterior, não estiveram na reunião com a PM.

Para evitar a ação de black blocs, que geralmente ocorre no fim da manifestação -durante o deslocamento para a dispersão-, o ato no Anhangabaú não terá passeata, será estático. Na opinião de organizadores, isso não dará espaço para esse tipo de atitude, e a orientação é a de se afastar de eventuais vândalos e deixá-los expostos às autoridades.

Procurada, a prefeitura disse que “reitera que o vale do Anhangabaú está em um momento de transição da gestão do local” e segue “realizando tratativas junto à concessionária vencedora”.

“Foram realizadas uma visita técnica e uma reunião para tratar do uso do espaço na manifestação de 7 de Setembro. A reunião, coordenada pela Secretaria Municipal da Casa Civil de São Paulo e Subprefeitura da Sé, teve a participação de representantes das entidades que irão promover a manifestação para ajuste de detalhes da utilização do espaço público, bem como suas responsabilidades”, afirmou em nota.

Nos bastidores, o entendimento da prefeitura é o de que todo evento exige um termo de responsabilidade dos organizadores e que o local deve ser devolvido nas mesmas condições em que foi entregue.

Membros da administração municipal afirmam esperar que não haja vandalismo ou pichações e que o acordo seja aplicado para questões menores, como assegurar a limpeza após o protesto.

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