Seca vira desastre nacional no Quênia e ameaça vida de animais
Crise humanitária intensificada pela crise do clima afeta a infância e tem recorte de 523 mil crianças menores de 5 anos precisam de tratamento para desnutrição aguda
MAYARA PAIXÃO
GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) – O agravamento da seca em áreas tradicionalmente áridas do Quênia, impulsionado pela emergência climática, tem empurrado milhões de pessoas para a insegurança alimentar e levado à morte centenas de animais que habitam o país da costa leste africana.
Mais de 2,9 milhões de quenianos precisam de assistência humanitária após áreas do litoral e do sudeste do país registrarem o pior volume de chuvas das últimas quatro décadas, de acordo com dados do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas.
A piora da seca prejudicou a produção agrícola e de gado e levou mais de 368 mil pessoas a passarem fome –o país tem pouco mais de 54 milhões de habitantes. Os números estão reunidos em um relatório publicado nesta terça-feira (14).
A crise humanitária intensificada pela crise do clima afeta em especial a infância e tem recorte de gênero: 523 mil crianças menores de 5 anos precisam de tratamento para desnutrição aguda, e, em algumas localidades, famílias começaram a adotar saídas extremas, como o casamento infantil, na tentativa de proporcionar melhores condições econômicas às filhas.
Com as fontes de água secas, o país também assiste à morte de centenas de animais. A realidade não é incomum –em 2017, o Quênia perdeu mais de 400 elefantes devido à seca–, mas está agravada. Somente o condado de Garissa, no sudeste, que possui pouco mais de 4.830 girafas, segundo dados do censo nacional, corre o risco de perder 4.000 delas por causa dos efeitos da seca.
Autoridades locais ouvidas pelo jornal queniano The Star afirmam que a situação piorou porque muitas famílias, na ausência de outras fontes de água, passaram a desenvolver suas atividades agrícolas na beira dos rios, impedindo que animais selvagens acessem a água. A população de girafas no Quênia é avaliada em mais de 34,2 mil.
A situação, que já se estende há meses, levou o presidente do país, Uhuru Kenyatta, a declarar a seca um desastre nacional na primeira quinzena de setembro. Com isso, áreas do governo como o Tesouro e o Ministério do Interior foram instadas a liderar esforços para ajudar famílias afetadas, em especial com a distribuição de alimentos.
A emergência climática, que já transforma e prejudica o cotidiano de agricultores e famílias africanas, atinge no Quênia uma região que historicamente tem sua dinâmica alterada pelo clima. As chamadas terras áridas e semiáridas –conhecidas pela sigla ASAL– ocupam mais de 80% do território, em especial as partes ao norte e ao sudeste.
Espalhadas em 29 dos 47 condados, elas abrigam cerca de 38% da população nacional, 70% da pecuária e 90% dos animais selvagens.
A subsistência e a economia da região foram afetadas em cheio. Segundo o levantamento das Nações Unidas, 87% dos condados inseridos na região árida e semiárida estão em alerta para a seca e, neles, a população se vê obrigada a caminhar distâncias mais longas para buscar água. O acesso do gado à água também piorou em 91% dos condados. Já a produção de leite está abaixo da média em 74% do território, e os preços do milho subiram em 65% dos locais.
De acordo com dados da organização americana Christian Aid, que atua no país, o Quênia é altamente vulnerável às mudanças climáticas, com projeções sugerindo que a temperatura média anual do país aumentará 2,5 °C em 2050, em comparação com 2000.
A África registrou em 2020 o terceiro ano mais quente da região. Se seguir assim, em dez anos o continente terá 118 milhões de pessoas –cerca de 10% dos habitantes– em situação de extrema pobreza expostas aos eventos extremos, e o PIB será reduzido em 3% até 2050, segundo projeções da Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Ainda que seja responsável por menos de 4% das emissões de carbono, o continente vê as temperaturas médias se aquecerem mais rapidamente que a média global. Em 2020, na contramão do observado neste ano, as inundações foram fonte de desastres no Quênia –por conta delas, somente de outubro a dezembro daquele ano mais de 40 mil pessoas foram obrigadas a deixar suas casas e migrar.
Liderada pelas Nações Unidas, uma campanha de arrecadação de fundos para ajudar a população afetada foi lançada em setembro. Até o momento, porém, o cenário é descrito como “extremamente subfinanciado”. Dos US$ 139,5 milhões (R$ 798 milhões) apontados como necessários, apenas 23% (US$ 32,3 milhões) foram arrecadados.