Nicarágua inicia julgamentos de fachada de opositores e avança contra universidades
Audiências ocorrem no próprio centro de detenção de El Chipote
SYLVIA COLOMBO
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – A Justiça da Nicarágua, alinhada a Daniel Ortega, deu início nesta quarta-feira (2) aos julgamentos de uma série de presos políticos –alguns dos quais seriam candidatos na eleição de fachada de novembro, da qual presumivelmente saiu vencedor o ditador. A farsa eleitoral passa agora das urnas aos tribunais.
Os “julgamentos orais e públicos”, como foram definidos, pesam sobre 13 dos atuais 168 presos políticos do regime. Nesta quarta, foram condenados dois jovens que participaram dos protestos de 2018 nos quais a forte repressão do regime acabou matando mais de 300 pessoas.
Yader Parajón e Yaser Vado foram classificados pelo Ministério Público como “criminosos e delinquentes [que] atentaram contra os direitos do povo, comprometendo a paz e a segurança”. O primeiro integra a Unidade Nacional Azul e Branca e foi preso em setembro passado ao tentar deixar o país; Vado, detido em novembro, é dissidente da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) e foi acusado de conspiração.
O Centro Nicaraguense dos Direitos Humanos denunciou que o julgamento desta quarta esteve cheio de irregularidades, como a falta de acesso dos advogados aos detidos e a prisão preventiva tendo se estendido por muito mais do que a lei determina (90 dias). A família dos jovens tampouco teve acesso à sessão.
Nos próximos dias, se sentarão no banco dos réus outros rivais políticos importantes de Ortega e do sandinismo, como a ex-ministra Dora María Téllez e a dissidente Ana Margarita Vijil, entre outros. Seus advogados afirmam que elas estão sendo mantidas isoladas, incomunicáveis, com má alimentação e sem direito a troca de roupa.
Os julgamentos ocorrem no próprio centro de detenção de El Chipote, o que configura outra irregularidade, uma vez que não se usam os estabelecimentos regulares do Judiciário.
Ainda nesta quarta, a Assembleia Nacional –igualmente controlada pelo regime– cancelou as permissões de operação de cinco universidades, incluindo a Popular Nicaraguense, a Paulo Freire e Politécnica de Manágua. Esta última se tornou símbolo dos protestos de 2018, já que um movimento de estudantes entrincheirados contra uma reforma da Previdência serviu de estopim para a crise política.
Também foram suspensos, a pedido do Ministério do Governo (equivalente à Casa Civil), os registros jurídicos de 11 entidades civis nicaraguenses ligadas à defesa dos direitos humanos.
Entre as ONGs canceladas estão algumas vinculadas à Igreja Católica, às artes e a pequenas e médias empresas. Também foram desligadas entidades com alguma relação com os Estados Unidos e a União Europeia, que desde a eleição de fachada de 7 de novembro aumentaram o número de sanções contra o país da América Central.
Ortega –um dos líderes da Revolução Sandinista, que nos anos 1970 derrubou a dinastia Somoza– tomou posse oficialmente em janeiro para seu quinto mandato. Depois de ser eleito presidente em 1984, ele voltou ao cargo em 2007 pelas urnas e continua no poder desde então, ininterruptamente.
O pleito de novembro não foi reconhecido pela maioria da comunidade internacional, principalmente por causa das detenções, sob acusações de lavagem de dinheiro e traição à pátria, de candidatos opositores. Ortega concorreu contra outros cinco nomes, mas que só entraram na corrida como parte do teatro, já que eram todos aliados. Ao final, obteve 76% dos votos, segundo os resultados oficiais.