Portugal retoma celebração dos Santos Populares, origem das festas juninas, após dois anos
Mesmo que a maior parte das restrições relacionadas à Covid já tenham acabado no país, especialistas estão apreensivos com um possível aumento de novas infecções
GIULIANA MIRANDA
LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Depois de dois anos de restrições devido à pandemia de Covid, Portugal retoma agora uma de suas principais tradições: as festas dos Santos Populares, celebrações que homenageiam Santo Antônio, São João e São Pedro e que estão na origem das festas juninas brasileiras.
No território onde hoje fica o país europeu, muito antes da tradição cristã, os celtas já comemoravam a colheita no solstício de verão, o dia mais longo do ano. As festas católicas passaram então a incorporar e a dar novas interpretações às farras. Em Portugal, as celebrações nas ruas -com arraiás e bandeirinhas, como no Brasil- acontecem durante todo o mês, mas cada região do país tem um santo mais celebrado.
Em Lisboa, por exemplo, a principal festa é a de Santo Antônio, cujo dia, 13 de junho, é feriado municipal.
Embora tenha ficado conhecido como Santo Antônio de Pádua, cidade italiana na qual morreu, o religioso com fama de casamenteiro nasceu na capital portuguesa. Não por acaso, uma das tradições lisboetas para homenageá-lo são justamente os casamentos. Todos os anos, a Câmara Municipal –equivalente à prefeitura– patrocina um grande enlace coletivo, os chamados Casamentos de Santo Antônio.
A cerimônia, realizada no dia 12 de junho na Sé de Lisboa, é transmitida ao vivo na TV, e a festa nupcial -chamada de copo d’água em Portugal- também fica na conta do município e de patrocinadores.
No Porto, em Braga e em boa parte do Norte do país, quem domina os festejos é São João. Como o 24 de junho é feriado em várias cidades portuguesas, a animação começa na véspera e invade a madrugada.
Uma das principais tradições das celebrações era o hábito de usar uma espécie de alho poró para acertar, geralmente com delicadeza, a cabeça de amigos e familiares em meio ao agito. Hoje, o gesto vem sendo cumprido com os martelinhos de São João, brinquedos de plástico que fazem barulho ao serem usados.
Tradicionalíssimas no Brasil, as fogueiras também fazem parte dos ritos juninos lusos. O uso ritualístico do fogo vem, de novo, de cerimônias pagãs, nas quais a queima de ervas era uma maneira de homenagear as divindades. Em Portugal, as chamas também estão presentes nas festas de São Pedro, que têm na prática de pular fogueira uma de suas principais atrações. Ainda que seja mais celebrado no Sul do país, o dia de São Pedro, em 29 de junho, também é feriado em Évora, Sintra, Seixal e diversos outros municípios.
Se Portugal se inspirou nos celtas para dar origem às festas dos Santos Populares, ao chegarem ao Brasil os portugueses se depararam com uma tradição indígena de festejar a colheita, que acontece em junho. “Então, o que eles fizeram foi dar, digamos assim, uma característica mais cristã às celebrações que já existiam”, afirma a historiadora Eliane Morelli, pesquisadora da Unicamp.
Lá como cá, a comida é um dos pontos altos dos festejos, “porque simboliza fartura, é um componente muito forte da sociabilidade entre os povos”. “No Brasil, o cardápio da festa junina vem em grande parte das tradições indígenas. Temos milho, mandioca, amendoim, que são muito presentes”, diz Morelli. “Mas incorporamos o açúcar e a canela, trazidos pelos portugueses. É o caso da canjica e do arroz doce.”
Em Portugal, o maior símbolo dos Santos Populares é a sardinha assada. A razão é simples: trata-se do período em que a pesca é mais abundante. Assim, é possível saboreá-las em todo o país. Outra estrela das festas é a chamada bifana, um sanduíche com bifes finos de carne de porco grelhada.
A tradição portuguesa inclui ainda o hábito de presentear, sobretudo os alvos amorosos, com um vasinho de manjerico contendo um cravo de papel e uma bandeirinha com uma quadra poética. A planta é parente do conhecido manjericão e, da mesma forma, é muito aromática, mas possui folhas um pouco menores.
Já a trilha sonora tem mudado. Embora ainda seja dominante, o pimba –repleto de trocadilhos e piadas sexualizadas- passou a disputar espaço com outros gêneros, inclusive o funk e o sertanejo brasileiros.
Mesmo que a maior parte das restrições relacionadas à Covid já tenham acabado no país, especialistas em saúde estão apreensivos com o impacto das festas em um momento de aumento de novas infecções.