Cuba cometeu abusos contra presos por protestos de julho de 2021, diz ONG
País adotou um padrão de detenções arbitrárias, intimidações e torturas como forma de sufocar novos protestos contra o regime
SYLVIA COLOMBO
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Cuba adotou um padrão de detenções arbitrárias, intimidações e torturas como forma de sufocar novos protestos contra o regime, de acordo com um relatório da ONG Human Rights Watch que analisou a resposta da ditadura às históricas manifestações de 11 de julho de 2021.
O documento foi lançado nesta segunda-feira (11), quando se completa um ano dos atos, que terminaram com a morte de um manifestante e a prisão de mais de 1.400 pessoas, das quais menos de 400 já foram julgadas –somadas, as condenações chegam a 1.916 anos.
Em uma mobilização praticamente inédita, o chamado 11J foi desencadeado por meses de frustração com o agravamento que a pandemia de Covid impôs a problemas crônicos de Cuba, como a falta de liberdades, desabastecimento e dificuldades no acesso a saúde. O regime reprimiu os atos com brutalidade, e tentativas de replicá-los acabaram contidas por prisões, amedrontamento e pressão para que opositores partissem para o exílio.
O relatório da HRW faz um balanço dos abusos cometidos pela ditadura no último ano –da ausência de punição para a morte de Diubis Laurencio Tejeda, 36, até o fato de 700 pessoas ainda estarem privadas de liberdade. Até hoje há restrições no acesso à internet e espionagem em serviços de mensagem eletrônica de centenas de pessoas supostamente envolvidas nos protestos.
A entidade investigou 155 casos de indivíduos que sofreram abusos e, no documento, apresenta a história detalhada de 14 deles. Foram entrevistadas, em Cuba, 170 pessoas, entre vítimas, familiares, advogados, ativistas de direitos humanos e jornalistas. Mesmo com acesso restrito, houve consulta a ações judiciais, pesquisas de ONGs locais e vídeos gravados no dia dos protestos e ao longo do ano.
Segundo a HRW, os responsáveis pelos abusos são as Forças Armadas, a polícia e a brigada especializada em repressão conhecida como “boinas negras”. O líder da ditadura, Miguel Díaz-Canel, afirma não haver presos políticos na ilha e diz que as condenações são por crimes contra a segurança do Estado e por colaboração com forças estrangeiras –para Havana, os atos atacaram a ordem constitucional e foram orquestrados a partir dos EUA.
Entre os casos analisados pela ONG está o do artista independente Luis Manuel Otero Alcántara, 34, que participou do clipe da música “Pátria y Vida”, um dos hinos dos protestos. Ele foi preso no próprio dia 11 e levado ao centro de detenção de Villa Marista, mas teve acesso a um advogado apenas em 5 de agosto.
De acordo com o artista, o regime ofereceu a liberdade em troca da promessa de que ele deixasse o país, uma prática comum da ditadura. Otero se recusou e foi julgado no último dia 31 de maio, sendo condenado a 5 anos de prisão –a pena está sendo cumprida no presídio de Guanajay.
O relatório traz o balanço de sentenças dadas a mais de 380 manifestantes e ativistas, incluindo alguns menores de idade. Como se deu com Otero, na maioria dos casos os detidos ficaram sem receber visitas ou ter contato com alguém de fora por dias ou meses, e o acesso a advogados também foi regulado.
Nos interrogatórios, era comum que os agentes fizessem intimidações com ameaças a familiares.
Muitos julgamentos se deram a portas fechadas e sem direito a defesa. A maior parte das acusações foi definida como incitação à desordem pública e desacato –cantar “Pátria y Vida” ou lançar insultos ao regime foram enquadrados assim. A ONG aponta penas desproporcionais aos delitos apontados.
Outro caso destacado foi o das irmãs María Cristina, 39, e Angélica Garrido Rodríguez, 41, de Quivicán. A primeira é ativista e a segunda, dona de casa, e ambas saíram às ruas no 11J. Como alguns de seus amigos foram detidos nos protestos, elas decidiram visitá-los na prisão no dia seguinte, quando também acabaram detidas, acusadas de causar distúrbios.
María Cristina contou ao marido, numa breve visita que ele pôde fazer meses depois, que recebeu golpes de agentes que gritavam “Viva, Fidel”. Ela e a irmã foram julgadas em 21 de janeiro e receberam penas de sete e três anos de prisão, respectivamente.
Os episódios de maus-tratos apurados pela Human Rights Watch incluem ainda processos abusivos e tortura física e psicológica. Segundo a entidade, o balanço de um ano das manifestações sugere a existência de um padrão que demonstra um plano para impedir novos protestos, castigar quem os promove e provocar medo entre quem se disponha a sair às ruas.
A repressão tem sido mais dura ainda desde a aprovação do novo Código Penal, em maio, que inclui determinações consideradas vagas para quem recebe remessas de dinheiro do exterior.