Ações solidárias de combate à fome ganham força nos últimos 2 anos

Em pouco mais de dois anos, aquela iniciativa isolada se tornou uma ONG formalmente constituída, a Unidos do Bem, que trabalha em parceria com 23 instituições, arregimenta 200 voluntários e alimenta, por dia, 2100 pessoas em situação de extrema vulnerabilidade

Folhapress Folhapress -
Ações solidárias de combate à fome ganham força nos últimos 2 anos
A ONG Unidos do Bem distribui marmitas aos moradores do Morro do Piolho, em São Paulo. (Foto: Ronny Santos/Folhapress)

FLÁVIA G. PINHOO (SÃO PAULO, SP) – Mais de 33 milhões de brasileiros não têm o que comer, 14 milhões a mais do que em 2021. O dado, que faz parte do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, explica por que boa parte das ações solidárias de combate à fome que surgiram no começo da pandemia não só continuaram, como ampliaram seu alcance.

Proprietário do bufê Villa Glam, em Moema, Carlos Kaufmann, 59, começou a preparar quentinhas para pessoas em situação de rua em março de 2020 -assim que os eventos foram suspensos, ele resolveu aproveitar as geladeiras cheias de alimentos para ajudar a quem precisava.

Em pouco mais de dois anos, aquela iniciativa isolada se tornou uma ONG formalmente constituída, a Unidos do Bem, que trabalha em parceria com 23 instituições, arregimenta 200 voluntários e alimenta, por dia, 2100 pessoas em situação de extrema vulnerabilidade.

O preparo das marmitas, que antes acontecia na cozinha do bufê, foi transferido para seis cozinhas comunitárias. “Montamos a infraestrutura, treinamos o pessoal e fornecemos os insumos, que chegam toda quarta-feira através de doações”, conta Kaufmann, que anda preocupado com o aumento da demanda.

“Todos os dias vemos mais gente pedindo ajuda, enquanto nós recebemos menos doações. Como o shopping está cheio e o restaurante tem fila na porta, as pessoas olham ao redor e acham que está tudo em ordem. Mas, hoje, temos famílias inteiras vivendo nas ruas -e elas têm fome todos os dias.”

História parecida conta o fisioterapeuta Wesley Vidal, 33, um dos criadores do projeto Pão do Povo da Rua. Moradores da região da Consolação, ele e o companheiro, o mestre em hospitalidade Ricardo Frugoli, 53, começaram a fazer marmitas assim que o comércio fechou as portas, em março de 2020.

“No nosso quarteirão, víamos pessoas avançando no lixo para encontrar comida. Com doações de pessoas físicas, conseguimos distribuir 22 mil marmitas ao longo do ano, só na nossa vizinhança”, conta Vidal.

Em outubro de 2020, a dupla recebeu equipamentos de panificação em doação e trocou as marmitas pela produção de pães e bolos. Eles são elaborados com ingredientes nutritivos, como farinha integral, açúcar mascavo, fubá e malte, e distribuídos diariamente, logo pela manhã, na região da Luz, onde agora fica a sede do projeto.

Três vezes por semana, os pães são entregues também à noite, com refeições quentes, cobertores, meias e luvas. A estimativa é de que 1200 pessoas sejam beneficiadas por dia.

Em dois anos, a Pão do Povo da Rua cresceu e apareceu. Hoje, além de alimentar a população em situação de rua, o projeto ensina o ofício de padeiro e já emprega 16 aprendizes.

“São pessoas que comiam nossos pães nas ruas e passaram a trabalhar com a gente. Fornecemos alojamento, médico, psicólogo, preparador físico e dentista. Eles se afastaram das drogas e dois deles estão na universidade”, comemora o fundador. “Queremos acolher mais gente que queira essa oportunidade, além de construir uma cozinha-escola para ampliar nosso alcance. Estamos em busca de patrocínio”, anuncia.

Uma madrinha de peso, o projeto já tem -a chef Janaína Rueda, do Bar da Dona Onça. Além de preparar refeições para distribuição às quartas-feiras, ela vai doar um automóvel para o projeto e tem usado seu poder de persuasão. “Faz tempo que me envolvo em ações no centro de São Paulo e me apaixonei por esse projeto. Minha participação ajuda a trazer mais marcas e empresários para a causa”, reconhece.

A popularidade da chef Morena Leite também colabora para impulsionar as ações do Instituto Capim Santo, fundado por ela há 12 anos. Embora o foco da entidade seja a capacitação profissional -1.500 jovens já passaram pelas cinco escolas, localizadas em São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro, e saíram aptos a trabalhar como assistentes de cozinha-, o fornecimento de refeições para populações vulneráveis foi incorporado à rotina desde o começo da pandemia.

“Com as escolas fechadas, aproveitamos os profissionais e os espaços para alimentar as pessoas que têm fome.
Começamos com o estoque dos próprios restaurantes Capim Santo e, com ajuda de outros doadores, chegamos a 200 mil quentinhas distribuídas entre 2020 e 2021”, conta o presidente do instituto, Luccio Oliveira.

Desde janeiro de 2022, a entidade recebe aportes regulares da inglesa The Caring Family Foundation, o que deu novo impulso à doação de refeições –as mil quentinhas diárias são distribuídas por ONGs parceiras em comunidades carentes, exclusivamente para crianças e suas famílias.

Por exigência da fundação inglesa, parte das refeições deve ser vegana, o que tem sido um desafio e tanto. “Eles queriam que todas as refeições fossem veganas desde o início, mas sabemos que o brasileiro, especialmente de populações carentes, valoriza os alimentos de origem animal. Temos feito um trabalho educativo, criamos receitas especialmente saborosas e nutritivas e vamos aumentando o percentual aos poucos. Já chegamos a 45%, mas a meta é chegar a 70%”, conta Oliveira.

Do cardápio sem carne fazem parte pratos como feijoada vegana, quibe de berinjela e macarrão com molho à bolonhesa feito com proteína de soja. Além de fornecer as refeições, o projeto faz o controle periódico da saúde das crianças e acompanha o rendimento escolar –só participa quem está matriculado na escola.

Todas essas ações têm um ponto em comum: mesmo aquelas que conquistam patrocinadores dependem de um volume considerável de doações e da mão de obra voluntária. A Unidos do Bem já criou até um drive-thru para facilitar a vida de quem quer doar e não tem tempo: no último domingo de cada mês, é possível passar pela sede da ONG e deixar ingredientes para as marmitas sem sair do carro. “A vacina de que precisamos é a solidariedade”, diz Kaufmann.

Saiba como doar:

Ação da Cidadania
Promove ações de saúde, educação, cultura e geração de renda por meio dos comitês estaduais, conforme a demanda de cada comunidade
Onde: Em todo o Brasil
Informações e doações no site: www.acaodacidadania.org.br

Amigos do Bem
Combate a miséria no sertão nordestino por meio de projetos de educação, geração de renda e acesso
Onde: AL, PE e CE
Informações no site: doar.amigosdobem.org/acaoemergencialpf

O Amor Agradece
Organização que nasceu da reunião de amigos para cozinhar e distribuir quentinhas para a população vulnerável de São Paulo. Também distribui cobertores no inverno
Onde: São Paulo
Informações no Instagram: @oamoragradece/

G10 Favelas
É um grupo de líderes e empreendedores sociais que atuam em favelas. O dinheiro arrecadado nas campanhas é usado na compra de marmitas e kits de higiene para moradores de comunidades
Onde: em 16 estados do país
Informações e doações no site: g10favelas.com.br

Gastromotiva
Atua no combate à insegurança alimentar e desperdício de alimentos formando gratuitamente cozinheiros e empreendedores, que produzem e distribuem refeições nutritivas nas suas comunidades a partir do programa de cozinhas solidárias
Onde: Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Manaus, Salvador, Dourados e Lucas do Rio Verde
Informações e doações: www.gastromotiva.org

Mães da Favela
Iniciativa criada pela Cufa com o objetivo de levar renda para mães moradoras de favelas
Onde: em todo o Brasil
Informações e doações no site: www.maesdafavela.com.br/doar

Pão do Povo da Rua
Projeto do Instituto de Pesquisa da Cozinha Brasileira (IPCB), que diariamente produz 3.000 pães e bolos destinados à distribuição para as pessoas em situação de rua, no centro de São Paulo
Site: paodopovodarua.com.br. Tel. (11) 99999-4090

Quebrada Alimentada
Organizam ações para servir marmitas e cestas básicas às famílias da periferia do bairro de Vila Medeiros, zona norte de São Paulo. Desde o começo da pandemia, foram mais de 100 mil refeições servidas e 70 mil kg de alimentos doados em cestas básicas
Onde: São Paulo
Informações e doações no site: solidariedade.gaiamais.org/

Redes da Maré
Produz projetos e ações para garantir qualidade de vida aos mais de 140 mil moradores das 16 favelas que compõem o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro
Onde: Rio de Janeiro
Informações e doações no site: www.redesdamare.org.br/br/quemsomos/doeagora

Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras)
Oferece assistência social a crianças e adolescentes, pessoas com hanseníase, idosos, imigrantes e refugiados e pessoas em situação de rua

Onde: São Paulo e Rio de Janeiro
Central de Doações: (11) 3795-5220 / (21) 96927-9888
Site: sefras.org.br

Tem Gente com Fome
Arrecada recursos para ações emergenciais contra a fome, miséria e violência na pandemia
Onde: em todo o Brasil
Site: www.temgentecomfome.com.br

União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social (Unibes)
Atende pessoas em situação de vulnerabilidade com assistência social e serviços para crianças, adolescentes, jovens e idosos
Onde: São Paulo
Site unibes.org.br/onde-estamos/. Tel. (11) 3311-7266 / (11) 3123-7300 / WhatsApp (11) 96929-4660 e (11) 99328-8398

Unidos do Bem
Distribui marmitas para população de rua e comunidades na periferia de São Paulo, em bairros como Heliópolis, Paraisópolis, Campo Limpo, Jardim Ângela, Grajaú e Capão Redondo
Site: unidosdobem.org.br. Tel. (11) 97093-1818

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