Liz Truss renuncia ao cargo de primeira-ministra do Reino Unido após 44 dias
"Reconheço que, dadas as circunstâncias, não serei capaz de cumprir as promessas em nome das quais fui eleita pelo Partido Conservador", disse
A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, cedeu à crise e à fritura que atingiram seu governo e, um dia depois de se referir a si mesma como “lutadora, não uma pessoa que desiste”, anunciou sua renúncia nesta quinta-feira (20).
“Reconheço que, dadas as circunstâncias, não serei capaz de cumprir as promessas em nome das quais fui eleita pelo Partido Conservador”, disse Truss em pronunciamento realizado em frente ao número 10 da Downing Street, em Londres -a residência oficial dos chefes de governo britânicos.
O principal gatilho para o anúncio da primeira-ministra foi o programa econômico anunciado por sua equipe, que causou um baque no mercado e dividiu o Partido Conservador.
Truss afirmou que sua decisão já havia sido comunicada ao rei Charles 3º e que novas eleições no partido devem acontecer na semana que vem, de modo a “garantir o planejamento fiscal e manter a estabilidade econômica e a segurança nacional” do Reino Unido.
Graham Brady, líder do Comitê 1922 -grupo parlamentar responsável por organizar a eleição entre os conservadores- afirmou que o novo cabeça do partido pode ser revelado até a próxima sexta (28), a partir de uma disputa com regras que ainda serão anunciadas.
A repercussão da renúncia de Truss foi quase imediata. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, agradeceu pelo trabalho da primeira-ministra e disse que pretendia manter a “estreita cooperação” entre os dois países, enquanto o francês Emmanuel Macron afirmou sempre se entristecer ao ver uma colega partir.
O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também se pronunciou, afirmando que a primeira-ministra renunciou porque “não tem tamanho para enfrentar o problema econômico que a Inglaterra tem”. Jair Bolsonaro (PL), atual líder e rival do petista no segundo turno, não havia comentado o episódio até a publicação deste texto.
Algumas das reações penderam para a acidez. Sadiq Khan, o prefeito de Londres, do Partido Trabalhista, fez piada com a situação. Falando de um evento em Buenos Aires que ele próprio organizou, disse que teria adiantado essas preparações se soubesse que elas levariam à demissão de Truss.
Maria Zakharova, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, também aproveitou a oportunidade de alfinetar a britânica, afirmando que “o Reino Unido nunca conheceu desgraça maior como primeira-ministra”.
Truss permaneceu apenas 44 dias no posto. Uma espécie de competição entre a sua sobrevivência política e a vida útil de um alface transmitida ao vivo pelo YouTube que virou meme nas redes sociais coroa agora a vitória do vegetal, comemorada com uma garrafa de prosecco.
Apesar do curto tempo no poder, Truss entra para a história como a líder que comandou um Reino Unido em luto pela morte da rainha Elizabeth 2ª e em festa pela ascensão do rei Charles ao trono. Há ainda a Guerra da Ucrânia, a maior crise de segurança da Europa desde a 2ª Guerra Mundial com efeitos na agenda econômica de todo o continente -além, é claro, dos temores de um conflito nuclear.
Empossada em 6 de setembro -a quarta pessoa a assumir o cargo nos 12 anos sob domínio conservador- Truss foi obrigada a abandonar boa parte de seu programa econômico e a demitir Kwasi Kwarteng, seu ministro das Finanças e maior aliado político, depois que a sua equipe divulgou um amplo plano de corte de impostos.
A proposta havia sido anunciada ainda durante sua campanha. Mas o mercado reagiu mal ao anúncio, temendo consequências da queda de arrecadação fiscal em tempos de alta da inflação puxada pelos custos da energia.
Na ocasião, o valor da libra e os preços dos títulos públicos despencaram, forçando o Banco da Inglaterra a intervir. Com a renúncia de Truss, a moeda britânica subiu mais de 1% e recuperou parte do fôlego perdido nas semanas em que chegou a atingir mínimas históricas devido à crise de confiança no governo.
O fiasco econômico também prejudicou sua popularidade, e uma pesquisa do instituto YouGov divulgada dias antes da renúncia indicou que 87% dos britânicos consideravam que a primeira-ministra estava conduzindo mal a economia.
Ao avaliarem o seu governo de forma geral, a desaprovação era de 77%, o maior patamar de insatisfação dos últimos 11 anos de monitoramento. Até seu antecessor Boris Johnson, que renunciou em meio a uma pressão intensa, tem imagem menos arranhada: 30% dos britânicos têm boa impressão dele, três vezes a aprovação da atual ocupante do cargo.
Na véspera da renúncia, Truss havia perdido mais uma ministra de peso, a chefe da pasta do Interior, Suella Braverman, e tinha sido menosprezada ao tentar defender seu governo à beira de um colapso em uma sessão do Parlamento.
PREMIÊS BRITÂNICOS COM MENOR TEMPO DE GOVERNO
Liz Truss; 44 dias
George Canning;118 dias
O governo do conservador foi interrompido por sua morte, aos 57 anos, possivelmente de pneumonia ou tuberculose, em agosto de 1827.
Visconde Goderich; 143 dias
O conservador Frederick Robinson -nome verdadeiro- enfrentou crises políticas em 1828 e perdeu a confiança do então rei, George 4º.
Andrew Bonar Law; 209 dias
O primeiro-ministro renunciou em maio de 1923, quando já não conseguia discursar no Parlamento devido a um câncer de garganta. O conservador morreu menos de seis meses depois.
Duque de Devonshire; 225 dias
William Cavendish foi líder de um governo provisório e renunciou em junho de 1757; ele era filiado ao Whig, partido que se contrapunha aos conservadores.
Conde de Shelburne; 265 dias
William Petty estava no cargo quando a Guerra da Independência dos EUA se encerrou. Filiado ao Whig, ele renunciou em março de 1783, pressionado pela oposição após brigar com colegas sobre eventuais reformas do país.
Conde de Bute; 317 dias
O conservador John Stuart renunciou em 1763, após discussões no próprio partido acerca de taxas de impostos sobre a cidra.