Governo aposta em doações do Fundo Amazônia para retomar fiscalização ambiental

Medida aproveita a exclusão das doações internacionais do teto de gastos aprovado pelo Congresso na PEC da Transição

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Governo aposta em doações do Fundo Amazônia para retomar fiscalização ambiental
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

ANA CAROLINA AMARAL
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Fundo Amazônia é uma das principais apostas do governo Lula (PT) para recompor o orçamento da fiscalização ambiental, paralisada na gestão de Bolsonaro (PL).

A estratégia do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima conta com o recebimento de novas doações ainda no início da gestão para financiar a retomada do trabalho de órgãos como o Ibama e o ICMBio. A estratégia aproveita a exclusão das doações internacionais do teto de gastos aprovado pelo Congresso na PEC da Transição.

O Brasil tem sinalizado aos parceiros internacionais que o Fundo Amazônia é prioritário para o novo governo, justamente porque os recursos podem ser destinados para a própria administração federal.

Segundo fontes do governo brasileiro e também das embaixadas de países europeus, esse diferencial do fundo em relação aos outros projetos de cooperação internacional o tornou uma prioridade compartilhada tanto pelo Brasil quanto por atuais e potenciais doadores.

“Não atingiremos as metas climáticas do Acordo de Paris a menos que sejamos capazes de impedir a perda de florestas tropicais no mundo”, afirmou em nota o ministro norueguês do Clima e Meio Ambiente, Espen Barth Eide, que avalia fazer novos aportes ao fundo.

Já a Alemanha, segunda maior doadora, negociou um novo contrato de doação logo após as eleições presidenciais. O novo aporte, no valor de EUR 35 milhões (cerca de R$ 194 milhões), foi anunciado após a posse de Lula, aproveitando a visita do presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, ao país.

A ministra do Meio Ambiente do Reino Unido, Thérèse Coffey, também esteve no Brasil no início deste mês e visitou, no Pará, projetos apoiados pelo governo britânico. A Embaixada do Reino Unido no Brasil afirmou que avalia a possibilidade de fazer doações ao Fundo Amazônia, após ter ouvido o pedido em reuniões com Marina Silva em negociações na COP27 e também em Brasília.

A proposta da pasta comandada por Marina Silva é expandir a base de doadores do Fundo Amazônia. Ainda antes de assumir o Ministério do Meio Ambiente, Marina realizou reuniões bilaterais na conferência climática da ONU com França, Espanha, Canadá, Estados Unidos, Emirados Árabes e Japão, além de bancos multilaterais e fundações filantrópicas de bilionários como Jeff Bezos e Leonardo DiCaprio.

Embora os anúncios sobre os repasses ao fundo tenham ganhado ritmo político, os pagamentos são condicionados à redução do desmatamento, de acordo com taxas anuais divulgadas pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). A nova doação da Alemanha, de acordo com fontes ligadas ao governo, refere-se aos resultados alcançados nos anos anteriores ao governo Bolsonaro -quando o mecanismo foi suspenso e deixou de negociar novas captações.

A decisão do governo Bolsonaro de extinguir conselhos e comitês participativos, ainda em abril de 2019, levou à paralisação do Fundo Amazônia, cuja gestão depende de um comitê orientador, com membros da sociedade civil, que estabelece critérios para aplicação de recursos.

O fundo ainda conta com um comitê técnico, que avalia as bases de cálculos das emissões evitadas pelo combate ao desmatamento. Já a captação de recursos do Fundo é feita pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Com o desfalque na gestão, os países interromperam os repasses e parte do dinheiro que já estava depositado -cerca de R$ 3 bilhões– ficou paralisada.

O presidente Lula assinou, ainda no dia 1º de janeiro, o decreto de reativação do fundo, que mantém a governança original do mecanismo e recria os comitês técnico e orientador.

Entre os 104 projetos apoiados pelo fundo até hoje, apenas 9 são da União. No entanto, os valores chegam a um terço dos investimentos. Do total de R$ 1,4 bilhão desembolsado, R$ 521 milhões foram para órgãos do governo federal, como Ibama, Inpe, Embrapa e Serviço Florestal Brasileiro.

“Uma melhor definição dos beneficiários é importante para enfatizar a legitimidade dos serviços prestados. Por exemplo, o apoio ao Ibama é criticado por não atender ao critério de adicionalidade”, observa o relatório de distribuição de benefícios do Fundo Amazônia de 2019. O documento registra que o apoio foi aprovado por conta da PEC do Teto de Gastos aprovada em 2016.

De lá para cá, o orçamento da pasta sofreu mais cortes, e cerca de 40% dos orçamentos para fiscalização ambiental e prevenção de incêndios passaram a depender do Fundo Amazônia.

As ações de controle ambiental, que envolvem a repressão a crimes, assim como a prevenção e o combate às queimadas, são avaliadas pelo governo e por ambientalistas como uma medida emergencial para controlar as taxas de desmatamento -que encerraram o período de Bolsonaro com valores 59% mais altos do que nas gestões anteriores.

O desmatamento é a principal causa das emissões de gases-estufa no Brasil, que está entre os maiores emissores globais. A meta do país no Acordo de Paris de mudanças climáticas inclui o corte de 37% das emissões até 2025 -um resultado que o governo Lula gostaria de apresentar, justamente no ano para o qual a Amazônia se candidata a sediar a COP do Clima da ONU.

O mecanismo do Fundo Amazônia é conhecido internacionalmente pela sigla Redd (Redução de Emissões vindas de Desmatamento e Degradação) e foi proposto pelo Brasil em 2006, na COP12, que ocorreu em Nairóbi.

Dois anos depois, o país criou por decreto o Fundo Amazônia, que virou referência para as definições de salvaguardas do mecanismo global de Redd, acordadas pela ONU nas COPs seguintes.

O arranjo do mecanismo busca, por um lado, estimular a confiança dos países doadores sobre a efetividade da aplicação de recursos, já que eles só chegam onde já existem esforços com resultados comprovados.

Por outro lado, o desenho também emplaca uma forma de financiar as florestas sem envolver a geração de créditos de carbono (espécie de “direito de poluir” negociada em mercados de carbono) para os doadores. Ou seja, ainda que com incentivo estrangeiro, as reduções nas emissões não são vendidas, e sim contabilizadas como parte do cumprimento da meta brasileira no Acordo de Paris.

Como funciona o Fundo Amazônia Criado em 2008, o mecanismo conta com doações da Noruega e da Alemanha destinadas à conservação da Amazônia. Os pagamentos são voluntários, podem ser feitos por outros governos e também por empresas.
Pagamento depois do serviço

Os pagamentos são baseados em resultado, o que significa que a doação só acontece após a comprovação da queda nas taxas de desmatamento, monitoradas pelo Inpe. Em vez de um investimento diante de uma promessa de controle ambiental, o fundo funciona como uma recompensa pelo resultado alcançado.

CÁLCULO

O fundo estabeleceu que cada hectare conservado equivale a 100 toneladas de carbono armazenadas no solo e na vegetação. A redução é calculada pela comparação da taxa anual com a média do desmatamento na última década. Essa subtração resulta na base para a captação de doações, que são voluntárias. O valor das doações por tonelada de carbono varia a cada período de captação.
R$ 3,39 bilhões

Desde 2008, o Fundo Amazônia arrecadou o total de R$ 3,39 bilhões em doações. A maior parte veio da Noruega (R$ 3,18 bi). A Alemanha depositou o total de R$ 192,6 milhões. A Petrobras também doou ao fundo, com R$ 17,2 milhões.

PARA ONDE VAI O DINHEIRO

O propósito do fundo é captar dinheiro para projetos de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, além de ações de conservação e uso sustentável do bioma amazônico, mas até 20% dos recursos podem ser usados para outros biomas. Os projetos abrangem desde fiscalização ambiental até atividades econômicas que incentivam o uso sustentável da floresta.

QUEM RECEBE

Os projetos podem ser propostos pelos governos federal e estaduais, por organizações sem fins lucrativos, instituições multilaterais e também por empresas.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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