Vereadora perde cargo após repudiar gesto nazista de manifestantes golpistas
Texto responsabiliza a vereadora por fazer com que o município "seja conhecido como terra de nazistas"
CAUE FONSECA E ITALO NOGUEIRA PORTO ALEGRE, RS, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A Câmara Municipal de São Miguel do Oeste, em Santa Catarina, cassou na madrugada deste sábado (4) a vereadora Maria Tereza Capra (PT) por críticas a gesto considerado nazista feito por manifestantes golpistas durante um bloqueio a uma estrada na cidade em novembro.
Por 10 votos a 1, os vereadores consideraram que Maria Tereza quebrou o decoro parlamentar ao, de acordo com o relatório da comissão de inquérito, “propagar notícias falsas e atribuir aos cidadãos de Santa Catarina e ao município o crime de fazer saudação nazista e ser berço de célula neonazista”.
Votaram contra a vereadora vereadores do MDB, PSD, PP, PL e PDT. O único voto favorável foi da própria petista. A vereadora Cris Zanatta (PSDB), que faltou à sessão, e o presidente da Câmara, Vagner Passos (sem partido), que só posicionaria em caso de empate, não votaram.
Maria Tereza foi cassada por seu comentário em rede social sobre manifestantes que realizavam bloqueio na rodovia SC-163, em São Miguel do Oeste, município de 41 mil habitantes a 660 km de Florianópolis. O grupo, ao cantar o hino nacional, fez um gesto que lembra a saudação nazista “Sieg Heil”, que significa “salve a vitória”.
“Além de tudo, esses manifestantes ainda fizeram uma saudação nazista. Ergueram a mão naquela posição. Isso é repetir algum dos momentos mais dramáticos. Eu diria o pior drama que a população mundial viveu, que foi o nazismo. Milhões de judeus, milhões de pessoas foram mortas em nome de uma melhoria de raça”, escreveu ela.
“E Santa Catarina é o berço da célula neonazista desse país. São Miguel do Oeste acabou de ser identificada uma célula neonazista. E aquelas pessoas, vestindo as cores da nossa bandeira verde e amarelo, manifestando em frente ao quartel do Exército nas barbas das autoridades. E ainda fazem trancando uma rodovia federal. Ainda fazem uma saudação nazista.”
Um mês antes, a Polícia Civil de Santa Catarina havia prendido seis pessoas sob suspeita de integrarem um grupo neonazista. Os mandados de prisão e de busca de apreensão foram cumpridos nos municípios de Florianópolis, Joinville, Maravilha, São José e São Miguel do Oeste.
As imagens dos golpistas foram divulgadas em redes sociais e repudiadas por entidades como a Conib (Confederação Israelita do Brasil). A entidade classificou as imagens como “repugnantes” e pediu que elas fossem “investigadas e condenadas pelas autoridades e pela sociedade como um todo”.
Contudo, no dia seguinte, o Ministério Público estadual concluiu que o gesto não teve intenção de exaltar o nazismo. Segundo a Promotoria, os manifestantes haviam sido conclamados pelo locutor do evento, um empresário local, a estenderem a mão sobre o ombro da pessoa da frente. Ou, se não houvesse, para que estendessem o braço, a fim de “emanar energias positivas”.
A vereadora apagou a publicação após receber ameaças e teve de deixar a cidade temporariamente. A Câmara, então, aprovou uma moção de repúdio à vereadora Maria Tereza, 53, enfrentava duas denúncias com teor semelhante. Uma apresentada pelo advogado Brendo Luiz de Pizzol Barroso e outra por 13 pessoas munidas de um abaixo-assinado com 1.266 assinaturas.
Segundo o texto de uma das denúncias apreciadas pelos vereadores, “mesmo sabendo que os gestos não se tratavam de apologia ao nazismo, a vereadora utilizou de sua rede social Instagram para propagar notícias falsas e atribuir aos cidadãos de São Miguel do Oeste o crime de fazer ‘saudação nazista’ e ser ‘berço de células neonazistas’.”
O texto responsabiliza a vereadora por fazer com que o município “seja conhecido como terra de nazistas”.
Nesta segunda denúncia, havia também uma segunda acusação, referente à condenação da vereadora pela contratação de shows artísticos sem licitação quando ela foi secretária municipal de Cultura, em 2010.
Em sua defesa antes da votação, Maria Tereza disse que seu texto permaneceu no ar por apenas uma hora e foi apagado após ameaças e xingamentos. Destacou também que sua rede social tem apenas 1.800 seguidores.
“Nem tudo que parece, é. Mas tudo que é, parece. Quando nós enxergamos algum gesto como aquele que foi mencionado, e que tanto chocou a comunidade judaica, as pessoas do país inteiro, não fui eu quem gravou aquele vídeo, que espalhei aquele vídeo. Fiz um comentário no meu Instagram com 1.800 seguidores e que ficou uma hora no ar e depois retirei. A quantidade de insurgências, ameaças, xingamentos que recebi foram assustadores. Por isso retirei”, disse ela.
A vereadora descreveu as ameaças que vêm sofrendo desde o episódio e afirmou estar há três meses fora da cidade.
“Algumas pessoas podem fazer de conta que não sabem. Mas muitos sabem, presenciaram nas redes sociais, nos grupos de bolsonaristas, conversando entre si, ameaçando. Na própria rede social da Câmara dos Vereadores, [comentários] dizendo que não bastava cassação, tinha que ter eliminação da vereadora Maria Tereza.”
Disse que é preciso saber o papel do político “no Estado democrático de Direito”. “E nós, como mães e pais, qual é o nosso papel, e o quanto vamos defender o direito das pessoas exisitirem, resistirem e divergirem.”
Na quarta-feira (1°), o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, anunciou que incluiria a vereadora no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas por entender que ela é vítima de violência política. O programa federal poderá oferecer escolta, segurança física, mapeamento de risco e ampliação da rede de proteção local.