Escolas enfrentam falta de recursos e equipe para ensino de história africana, diz pesquisa

Levantamento reúne informações de 1.187 secretarias municipais no país

Folhapress Folhapress -
Escolas enfrentam falta de recursos e equipe para ensino de história africana, diz pesquisa
Projeto desenvolve atividades com educação das relações étnico-raciais em Caxias do Sul (RS) e participação dos alunos – Foto: Carlos Macedo/Folhapress

LUCAS LACERDA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As redes municipais de ensino no Brasil têm, em sua maioria, pouca ou nenhuma ação para aplicar uma lei que estabelece o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica. Pouco menos de um terço das secretarias de Educação realiza ações organizadas, e mais da metade não disponibiliza dinheiro para o tema.

É o que aponta um levantamento feito pelo Geledés Instituto da Mulher Negra e o Instituto Alana, publicado nesta terça-feira (18). A pesquisa reuniu informações de 1.187 secretarias que responderam a questionários digitais em 2022. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

A lei completou duas décadas em janeiro deste ano. Sua aplicação ainda depende, na maior parte do país, de iniciativas pontuais na sala de aula ou na formação de professores. Onde existe o apoio ainda falta estrutura administrativa e financeira para ampliar.

É o caso de Lorena Bárbara Costa, 45, professora há 17 anos na rede municipal de Salvador, na Bahia. “Ações ficam por conta de professores que são militantes e que defendem o estudo de conteúdos voltados para a lei.”

Na capital baiana, ela atua em um dos núcleos que apoia ações de professores. “Tenho percebido que o maior desafio é fazer a formação continuada. Enquanto a gente tiver material para trabalhar e o professor não souber como fazer, a gente não avança.”

O cotidiano de Lorena reflete as preocupações com o tema entre as secretarias que participaram da pesquisa. No Brasil, 49% das matrículas de crianças e adolescentes estão na rede municipal, segundo o Censo Escolar da Educação Básica de 2022.

A maior parte das escolas ensina os conteúdos de história e cultura africana e afro-brasileira no primeiro segmento do ensino fundamental, do 1º ao 5º ano (86%). Em seguida vêm a pré-escola (68%), segunda parte do fundamental, do 6º ao 9º ano (66%), e creche (58%).

Não há segmentação no estudo sobre o ensino médio, já que ele é oferecido por menos de 2% das secretarias municipais -a maior parte dos alunos desta etapa está na rede estadual.

Entre as secretarias, apenas 29% têm ações contínuas para promover, no ensino, a história e a cultura africanas e afro-brasileiras. Em 2008, a lei foi complementada para incluir povos, história e cultura indígena.

Mais da metade (53%) têm ações ligadas a datas comemorativas, como a abolição da escravatura, em 13 de maio, e 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. Por outro lado, 18% relataram à pesquisa que não trabalham para cumprir a lei.

Para Tânia Portella, sócia e consultora em educação do Geledés, a pesquisa faz um retrato dos 20 anos da lei e do que ainda precisa ser feito.

“Quando a 10.639 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a expectativa era de dotação orçamentária, formação inicial e continuada para profissionais.”

Ela diz que isso ainda precisa entrar em prática. “O grande dado aqui é valorizar quem mantém essa agenda ativa, sem deixar a lei cair no ostracismo, e cobrar quem não está fazendo.

A necessidade de investimento para cumprir o ensino das relações étnico-raciais é consenso. A pesquisa aponta que 39% das secretarias, segundo os gestores, investem ou têm recursos para ações de ensino. 52% não têm, e 9% dos gestores dizem não saber.

Além do recurso, apenas 5% contam com uma coordenação responsável pela área. 7% têm um e 14% dois ou mais profissionais.

Os cinco principais desafios para aplicar a lei são a ausência de apoio de outros entes, como governo estadual e federal, e organizações (53%), dificuldade de transpor os preceitos da lei para o currículo e os projetos (42%), a falta de informação sobre o tema na secretaria (33%), desinteresse e falta de mobilização dos profissionais (31%) e ausência de fiscalização para a implementação (20%).

“As redes municipais alegam a falta de apoio de outros órgãos, então isso é uma oportunidade de atuação. É o que esperamos de um governo federal que se diz preocupado com essa agenda”, afirma Beatriz Benedito, analista de políticas públicas do Instituto Alana.

Para ela, os principais percalços apontados na pesquisa precisam de uma política coordenada. Para Benedito, o reforço deve vir com a volta da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão), do Ministério da Educação, e a criação do Ministério da Igualdade Racial.

Já os principais temas apontados pelas secretarias municipais para ensino são diversidade de culturas quilombolas, afro-brasileiras e africanas (60%), gêneros, estilos e autores negros na literatura (43%), alimentação e cultura alimentar africana e afro-brasileira (33%), racismo e privilégios (32%) e apresentação de referências artísticas negras (21%).

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