Cid vai ‘pro barro’, perderá patente e será expulso do Exército, apostam oficiais
Ele está preso há três meses e meio num batalhão da Polícia do Exército em Brasília sob suspeita de ter falsificado cartões de vacinação de Bolsonaro e familiares
FABIO VICTOR
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nos bastidores do Exército, é dado como certo que o tenente-coronel Mauro Cid “vai pro barro”. A gíria da caserna, usada por um oficial que comentou a situação, é usada como sinônimo de que um militar será punido.
No caso do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, a aposta é que ele será excluído da corporação e perderá sua patente caso condenado na Justiça comum -hipótese também considerada muito provável diante dos fatos já revelados nas investigações em que Cid está envolvido.
Cid está preso há três meses e meio num batalhão da Polícia do Exército em Brasília sob suspeita de ter falsificado cartões de vacinação de Bolsonaro e familiares e é investigado em outros casos, como o do vazamento de dados sigilosos sobre a urna eletrônica e os ataques golpistas do 8 de janeiro.
A situação do tenente-coronel se agravou nos últimos dias, quando uma operação da Polícia Federal trouxe novos detalhes sobre a participação dele e do pai dele (o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid) na venda de joias presenteadas ao governo brasileiro e desviadas do acervo presidencial.
O novo advogado de Cid filho, Cezar Bittencourt, afirmou que o cliente apenas cumpriu ordens de Bolsonaro -recuou e depois reafirmou, num vaivém confuso desde que assumiu o caso.
Seja como for, militares da ativa e da reserva ouvidos pela reportagem sob condição de anonimato descrevem como inevitável a expulsão de Cid do Exército.
Segundo um oficial superior, a avaliação corrente entre seus colegas é a de que o tenente-coronel, tido até outro dia por 9 entre 10 colegas como um ótimo militar, teria se perdido no personagem e extrapolado suas funções como ajudante de ordens -o que resta óbvio há muito tempo fora da caserna.
Cid estaria, na definição desse oficial, no “contra-azimute” -outra expressão muito usada pelos militares. Azimute é a marcação da bússola que aponta o sentido correto da navegação.
A avaliação, vigente inclusive no Quartel General do Exército em Brasília, é semelhante para quase todos os vários outros fardados investigados por malfeitos ou por participação nos ataques de 8 janeiro. Haverá, conforme a bolsa de apostas informal verde-oliva, algumas “cabeças cortadas” -mais uma expressão do gosto dos fardados.
Por uma decisão do Comando do Exército, amparada na legislação militar, a eventual perda de patente e expulsão de Cid e outros fardados só pode ocorrer depois que se esgotarem os processos contra eles na Justiça comum. O tenente-coronel não responde a inquéritos militares.
Em caso de condenação, Cid passaria por uma espécie de tribunal militar de primeira instância chamado Conselho de Justificação, que avaliará se ele procedeu incorretamente no desempenho do cargo, teve conduta irregular ou praticou atos que afetassem “a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe”. Se condenado nessa instância, a sentença ainda é submetida ao Superior Tribunal Militar (STM).
Foi um Conselho de Justificação do Exército que condenou Bolsonaro em 1988 pela acusação de elaborar um plano terrorista de explodir bombas em unidades militares. O então capitão seria depois absolvido pelo STM.
O Conselho de Justificação está previsto no Estatuto dos Militares, e seu funcionamento é regido por outra lei, de 1972.
O texto determina que serão submetidos ao conselho os militares condenados por crime doloso a uma pena de até dois anos tão logo transite em julgado a sentença. Ou seja, o integrante das Forças Armadas condenado a uma pena superior a dois anos será expulso compulsoriamente, sem nem precisar passar pelo Conselho -ao menos em tese.
A perda de posto, patente e condecorações como resultado de condenação superior a dois anos também está prevista no artigo 99 do Código Penal Militar.
Neste caso, o condenado vira “ex-militar” e obviamente deixa de receber salários. A legislação que rege as pensões militares determina, porém, que mesmo em caso de condenação e consequente expulsão e perda de patente, o benefício continue a ser pago aos seus dependentes.
Apesar de integrantes do Exército terem aderido em peso às campanhas de 2018 e 2022 de Bolsonaro e terem integrado o governo sem jamais contestar a politização das tropas decorrente desse processo, a derrocada de Cid e de inúmeros colegas de farda fez começar a cair a ficha em parte da tropa e, em menor escala, da “turma do pijama” (os inativos).
Um oficial-general que integrou o governo Bolsonaro afirmou não ter dúvida de que os militares condenados serão punidos -inclusive o general Mauro Cid. No caso de Cid filho, é apontado como inédito que um ajudante de ordens tenha se envolvido no tipo de malfeito de que o tenente-coronel é acusado.
Segundo esse oficial, a justificativa de que Cid apenas cumpriu ordens não é álibi, porque na caserna é corrente que “lei ilegal não se cumpre”.
A defesa de Cid argumenta que tanto o Código Penal quanto o Código Penal Militar livram de culpa quem cometeu delitos por obediência a superior hierárquico. Um parágrafo do mesmo artigo do Código Penal Militar, no entanto, afirma que “se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior”.
Entre os militares do Exército há, ao mesmo tempo, os que relativizam ou até minimizam as eventuais responsabilidades de Cid e outros investigados.
Um oficial que considerou necessária a operação da PF para esclarecimento das “lamentáveis atitudes do círculo mais próximo do Bolsonaro” se queixou ao mesmo tempo que a iniciativa tenha se originado “de ações ilegais do STF” [referindo-se aos inquéritos das milícias digitais e dos atos democráticos, que remontam a 2020], que segundo ele repetem os expedientes da Lava Jato.
Outros atribuem as últimas ações contra militares a uma suposta guerra da Polícia Federal contra o Exército. Conforme essa tese, seria uma retaliação na disputa pelo comando da segurança presidencial.
A função sempre coube aos militares do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), mas, depois dos ataques golpistas de 8 de janeiro, o presidente Lula determinou que a PF assumisse a responsabilidade, que passou então para uma secretaria extraordinária comandada pelo delegado Aleksander Oliveira.
Depois que o general Marcos Antônio Amaro assumiu o GSI, após a demissão do general Gonçalves Dias, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, anunciou que os militares voltariam a cuidar da segurança do presidente.