Mercado de crédito de carbono é aprovado no Senado, com exceção para agronegócio
Atividades como a criação de gado ou plantação de cana podem ou não aderir ao mecanismo
JOÃO GABRIEL
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Senado aprovou, na manhã desta quarta-feira (4), o projeto de lei que regula o mercado de crédito de carbono, uma das prioridades do governo federal para o segundo semestre.
O texto, aprovado na Comissão de Meio Ambiente de forma terminativa, atende a uma demanda do agronegócio: as atividades primárias do agro ficam fora do mercado regulado, sendo enquadradas no mercado voluntário de carbono.
Ou seja, atividades como a criação de gado ou plantação de cana podem ou não aderir ao mecanismo e e se submeter às suas leis.
A proposta aprovada não precisa passar pelo plenário do Senado -a não ser que, nos próximos dias, algum parlamentar consiga aprovar um requerimento para que isso aconteça- e vai direto para a Câmara dos Deputados.
O projeto cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, responsável por controlar o setor, e define que será desenvolvido o Plano Nacional de Alocação.
Estão sujeitos à nova lei todas as empresas emissoras de 10 mil toneladas de gás carbônico ou mais, sendo que as que produzam acima de 25 mil ficam obrigadas a maior rigidez no monitoramento de suas atividades.
O texto aprovado manteve a sugestão do governo de que o não cumprimento das regras da lei -por exemplo, não cumprimento de metas ou não apresentação dos relatórios periódicos de emissões- pode causar multa de até 5% no faturamento bruto da empresa.
O sistema será aplicado gradualmente. O governo terá até dois anos, após a aprovação do texto, para realizar a regulamentação do mercado, depois três anos para um período de testes -para início das operações e acompanhamento das emissões, ainda sem penalisação- e, a partir daí, a efetivação do plano.
O mercado de crédito de carbono é uma forma de reduzir as emissões na atmosfera, com o estabelecimento de metas de redução e a possibilidade de venda da quantidade excedente.
Usando um exemplo fictício, a regulamentação pode determinar que uma empresa produz 40 mil toneladas de gás carbônico tenha que, em um ano, reduzir este patamar para 38 mil, hipoteticamente. Supondo que, após 12 meses, a emissão aumente para 50 mil, ela teria que compensar este aumento de 12 mil por meio de créditos de carbono.
Como? Comprando 10 mil de uma ou mais companhias que tenham reduzido suas emissões e mais 2 mil por meio do mercado voluntário.
A regulação do setor é vista pelo governo Lula (PT) como um dos principais dispositivos para permitir a transição energética para matrizes mais sustentáveis. A votação foi acompanhada pelo ministro Alexandre Padilha (SRI).
A estimativa, baseada em um estudo da WayCarbon junto com a Câmara de Comércio Internacional, é que possa ser gerada uma receita extra de US$ 120 bilhões (R$ 564 bilhões) -o que, segundo o vice-presidente Geraldo Alckmin, tem potencial para impulsionar o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro.
Também acredita-se que o país tem potencial de ser um dos líderes globais no mercado, que vem avançando em diversos países, Estados Unidos, China e potências da Europa. A regulação do mercado também pode ajudar a destravar negociações internacionais, como o acordo entre Mercosul e União Europeia.
Os parâmetros para o funcionamento desse mercado são, justamente, o próximo passo no processo de criação e regulamentação do mercado de carbono e passam pela criação de uma autoridade, que será responsável por definir as balizas e monitorá-las.
A intenção é que a proposta esteja pronta e aprovada no Congresso antes da COP 28, que acontece entre novembro e dezembro.
O sistema de crédito de carbono será comandado pelo Comitê Interministerial de Mudança do Clima do governo, por um comitê técnico, por gestores e por representantes dos setores regulados e das entidades federativas.
É esse sistema que irá definir também os parâmetros para que empresas possam ser credenciadas ou descredenciadas para negociar créditos no mercado.
O mercado de carbono no Brasil será dividido em dois: o regulado e o voluntário. O regulado são aquelas atividades obrigadas a seguir a legislação, ou seja, a monitorar e emitir relatórios de emissão, e podem sofrer penas caso não cumpram as exigências ou atinjam as metas determinadas.
Já os setores que se enquadram como voluntários podem aderir ao mercado -e, então, ficam sujeitos à lei-, mas não são obrigados.
Houve acordo entre o governo federal e a bancada ruralista, na figura da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) para que o agro não fique dentro do mercado voluntário.
Segundo ruralistas, a área fica de fora do mercado obrigatório em outros países no mundo, “sobretudo pela importância do setor para a segurança alimentar e pelas muitas incertezas ainda existentes na metodologia de estimativa dos inventários de emissões do setor”, conforme justifica o relatório da senadora Leila Barros.
Segundo parlamentares da bancada ruralista, a intenção é que a entrada do setor no mercado deve ser trabalhada paralelamente.
Críticos, no entanto, afirmam que o agronegócio é uma das atividades que mais emite gases de efeito estufa e que, por isso, é necessário que o setor esteja sujeito às metas de redução desta emissão.
Outro ponto da proposta diz respeito aos povos indígenas ou comunidades tradicionais. Pelo texto, esses grupos poderão ter direito a comercializar créditos de carbono das áreas que ocupam.
Segundo o texto, deve haver, antes, a consulta livre e irrestrita às populações.
São consideradas aptas para vender os créditos as terras indígenas, áreas públicas não destinadas onde habitem povos ou comunidades tradicionais que promovam atividades de preservação, algumas unidades de conservação e assentamentos agroextrativistas.