Narrador Silvio Luiz, ícone dos bordões no futebol, morre aos 89

Foram mais de mais de 50 anos dedicados à cobertura esportiva no país, uma paixão que ele exerceu até os últimos dias de sua vida

Folhapress Folhapress -
Narrador Silvio Luiz, ícone dos bordões no futebol, morre aos 89
(Foto: Reprodução)

LUCIANO TRINDADE – Quando a voz rouca de Silvio Luiz ressoava, não tinha como ficar indiferente. Naquele momento, qualquer um que estivesse ao alcance de sua narração colocava o “olho no lance”.

Era assim que o histórico locutor esportivo paulistano, nascido em 14 de julho de 1934, fazia para chamar a atenção dos torcedores para lances do futebol que poderiam terminar com a bola na rede.

O bordão fazia parte de um extenso repertório de frases bem-humoradas, com as quais ele se tornou um dos locutores mais icônicos do rádio e da televisão no Brasil, além de atravessar gerações, conquistando público também na internet.

Foram mais de mais de 50 anos dedicados à cobertura esportiva no país, uma paixão que ele exerceu até os últimos dias de sua vida.

Nesta quinta-feira (16), aos 89 anos, Silvo Luiz morreu em decorrência de falência de múltiplos órgãos. Ele estava internado no Hospital Oswaldo Cruz, para onde foi levado depois de passar mal durante a transmissão da final do Campeonato Paulista entre Palmeiras e Santos, no Allianz Parque.

Ele havia acabado de narrar o segundo gol do time alviverde quando o humorista Márvio Lúcio, conhecido como Carioca, notou que o locutor não estava se sentindo bem. Depois de sinalizar a condição dele para a equipe de produção, Silvio foi retirado do local por um agente do Corpo de Bombeiros. Ele deixou a cabine de transmissão com dificuldades para falar.

Em um primeiro momento, a família informou que ele chegou à unidade hospitalar bem e consciente, mas precisou ficar internado para fazer exames e ficar em observação. Na segunda-feira (8), ao confirmar que o locutor estava internado, a Record citou em nota que o estado de saúde dele “era considerado bom pela equipe médica”.

Casado com a cantora Márcia, com quem teve três filhos, o narrador respirava o mundo do rádio desde a infância. Descendente de espanhóis, ele era filho de Elizabeth Darci, garota propaganda da extinta TV Tupi.

Antes de assumir a função de locutor, também foi repórter de campo e fez parte da famosa equipe da TV Record que tinha Raul Tabajara como narrador e Paulo Planet Buarque como comentarista. No canal, ele exerceu, ainda, por um tempo a função de diretor de programação.

Também passou por TV Paulista, Rádio Bandeirantes, canal BandSports, Rádio Record, TV Excelsior, SBT, Band e Rede TV!, onde fez seu último trabalho em TV aberta. Atualmente, o locutor trabalhava no Portal R7 e na plataforma Play Plus, ambos da Record, onde dividia a bancada de transmissão com os humoristas Carioca e Bola (Marcos Chiesa).
O trio apresentava ao público uma transmissão alternativa ao modelo da TV aberta, sem o compromisso de narrar fielmente cada lance, explorando mais piadas e imitações.

Apesar de ter sido um campo novo para Silvio, ele estava ligado nas transformações do mundo digital.

“Quem não consegue conviver com as redes sociais não está no mundo”, disse em recente entrevista para Folha de S.Paulo, antes de lamentar a única restrição que tinha nas transmissões do R7. “Não pode falar palavrão. Se pudesse, conquistaria os jovens muito mais depressa”.

Talvez ele estivesse certo, mas seu dom de tornar as transmissões mais leves sempre foi o suficiente ao longo de sua carreira.

Em todas as emissoras de rádio e TV, ele sempre manteve seu estilo irreverente, carregado de bordões, como “foi lá no gogó da ema”, quando um jogador acertava o ângulo do gol, “balançou o capim”, para falar que bola entrou no gol, “vai mandar lá no pagode”, ao dizer que um jogador iria cruzar na área, e “agora é fechar o caixão e beijar a viúva”, ao citar um lance que definiu a partida.

Os mais marcantes, porém, foram “foi, foi, foi ele, o craque da camisa…”, para exaltar o autor de um gol, e “pelas barbas do profeta”, quando algum atleta cometia alguma barbaridade.

Integrante de um seleto grupo de narradores de vozes inesquecíveis no rádio e na televisão, como Galvão Bueno, Luciano do Valle (1947-2014), Fiori Gigliotti (1928-2006), Osmar Santos, entre outros, Silvio era considerado como uma das principais referências da narração esportiva brasileira.

“Nós temos a descontração do Silvio Luiz, aquela transmissão apaixonada do Luciano do Valle e a técnica, vibração e emoção do Galvão. Esses três narradores são a base do que nós fazemos”, afirmou o também narrador Cléber Machado em recente entrevista à Folha de S.Paulo.

Silvio tinha uma forma de conduzir suas transmissões que pode ser considerada precursora de um modelo cada vez mais comum agora, sobretudo na internet, em que narradores e comentaristas passam mais tempo conversando sobre o jogo do que descrevendo lances.

Reconhecido pelos colegas de profissão como um narrador atento aos detalhes e com grande capacidade de registro tudo que acontecia durante os jogos de futebol, ficou famoso por polêmicas que marcaram sua trajetória, incluindo uma causada justamente por causa de um palavrão.

Durante a transmissão de um Corinthians e São Paulo, em 1953, Silvio entrou em campo para ouvir uma briga entre o corintiano Luizinho e o são-paulino Gino Orlando e acabou registrando, involuntariamente, o primeiro palavrão de um jogador de futebol ao vivo pela TV, numa época em que algo assim poderia levar até a suspensão da transmissão —o que não ocorreu, para alívio de Silvio Luiz.

“Que culpa eu tenho se ele falou que o juiz era filho da p…?”, indagava o narrador sempre que era contava a história.

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