Gasto com pessoal ultrapassa limite de alerta em 12 estados, diz Tesouro
Segundo o órgão, caso os entes tivessem respeitado essa barreira, eles teriam poupado R$ 23,7 bilhões


IDIANA TOMAZELLI – Os gastos com pessoal ultrapassaram o limite de alerta previsto na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) em 12 estados no ano de 2023, aponta o Tesouro Nacional.
Segundo o órgão, caso os entes tivessem respeitado essa barreira, eles teriam poupado R$ 23,7 bilhões -recursos que poderiam ser direcionados a outras despesas, como investimentos.
Os dados constam na mais recente edição do Boletim dos Entes Subnacionais, uma das publicações mais abrangentes do Tesouro Nacional sobre a situação financeira de estados e municípios.
O relatório de 2024, divulgado nesta sexta-feira (7) -com atraso-, tem como base as informações de 2023.
Para fazer a avaliação dos gastos com pessoal, os técnicos do órgão empregam a metodologia prevista nos manuais contábeis do Tesouro.
Além de padronizar os cálculos, isso evita a distorção decorrente de interpretações feitas pelos TCEs (Tribunais de Contas dos Estados), que ainda permitem o desconto de despesas -o que, na prática, favorece a maquiagem das contas.
“A importância disso está no fato de o excesso de gastos com pessoal não captado pelos demonstrativos oficiais estaduais poder ser parte relevante dos motivos de eventuais dificuldades financeiras vivenciadas pelos estados”, explica o Tesouro no boletim.
A metodologia, porém, é questionada pelos estados. Para eles, é um equívoco contabilizar na estatística gastos com OSs (organizações sociais), como fez o Tesouro.
Eles se baseiam em um parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) de 2024 que diz que os valores gastos com essas entidades não devem caracterizar despesa com pessoal.
Seguindo o cálculo do Tesouro, as despesas com pessoal de Rio Grande do Norte, Sergipe, Minas Gerais, Acre, Rio de Janeiro, Roraima, Paraíba, Amapá, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia e Paraná ficaram acima do limite de alerta, que equivale a 54% da RCL (receita corrente líquida).
O limite de alerta representa 90% do teto estipulado pela LRF para gastos com folha de pagamento, que é de 60% da RCL.
De acordo com o Tesouro, quatro desses estados estouraram até mesmo o limite de 60%: Rio Grande do Norte, Sergipe, Minas Gerais e Acre. Pela LRF, eles deveriam adotar medidas de contenção das despesas com funcionalismo.
Para os estados que possuem dívida com a União, o PAF (Programa de Ajuste Fiscal) impõe um limite até mais rigoroso, de 57% da RCL para gastos com pessoal.
Nessa comparação, são nove os que furam o limite: além dos quatro acima de 60%, também estão nesse grupo Rio de Janeiro, Roraima, Paraíba, Amapá e Rio Grande do Sul.
“Verificou-se uma piora na situação agregada dos entes, já que em 2023 foram doze entes que registraram o indicador acima de 54%, contra oito no ano anterior. Além disso, em 2022 apenas três entes haviam ultrapassado o limite de 57%, enquanto em 2023 foram nove os entes que superaram essa referência”, diz o boletim.
“O monitoramento da evolução da despesa com pessoal é importante, tendo em vista que o caráter rígido dessa despesa, somado ao agravamento da situação previdenciária, dificulta a contenção das despesas para aqueles Estados que já destinam boa parte de sua arrecadação para o pagamento de salários ou aposentadorias”, acrescenta o documento.
O diagnóstico do Tesouro é publicado logo após o Congresso Nacional aprovar e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionar um socorro para estados endividados, que pode tirar até R$ 1,3 trilhão em receitas financeiras da União até 2048, como revelou a Folha.
Técnicos do próprio governo criticam o fato de o novo programa de renegociação ter sido validado sem a exigência de contrapartidas mais fortes. Economistas, por sua vez, temem que o alívio crie espaço para uma nova rodada de aumento de despesas, inclusive com salários de servidores.
Segundo o Tesouro, em 2023, o gasto dos estados com pagamento de pessoal subiu 10% em termos nominais, uma desaceleração em relação a 2022 (quando a alta foi de 15,2%), mas ainda acima da inflação verificada no mesmo período (4,62%). Ou seja, na média, os servidores estaduais tiveram incremento real em suas remunerações.
“O aumento nas despesas como um todo privilegiou aquelas com pessoal e custeio, em detrimento dos investimentos, que apresentaram redução de 18,6% em relação ao ano anterior”, informa o órgão.
A Folha procurou os governos dos estados que, segundo o Tesouro, ultrapassaram o limite de alerta da LRF para despesas com pessoal.
O governo de Sergipe disse discordar da metodologia e citou um decreto legislativo que suspendeu a aplicação dos conceitos de despesa com pessoal previstos no manual do Tesouro Nacional.
“Trata-se de uma mudança da interpretação até então aplicada, imputando incorreta condição de desconformidade ao estado.
O governo de Sergipe mantém firme compromisso com o equilíbrio fiscal, o que foi reconhecido pelo próprio ministro da Fazenda ao analisar este mesmo caso e deixar de aplicar qualquer penalidade, conforme despacho de 13 de fevereiro de 2025”, afirmou, em nota.
Sergipe ressaltou ainda que a classificação das despesas com as organizações da sociedade civil da área da saúde na despesa com pessoal do estado é alvo de contestação na Justiça.
O estado acrescentou que o próprio Tesouro elevou sua nota de classificação de risco para A, a melhor na escala.
O governo mineiro disse que “a delicada situação financeira na qual o estado de Minas Gerais se encontra é resultado de uma série de medidas irresponsáveis de gestões anteriores, que inflaram o endividamento estatal e reduziram severamente os investimentos em áreas essenciais”.
Minas ainda afirmou que as despesas do Executivo estão abaixo do limite previsto na LRF e que houve redução no nível de comprometimento com gastos de pessoal nos últimos anos.
“A redução demonstra o esforço da atual administração para alcançar o equilíbrio financeiro”, disse.
O Rio Grande do Sul também apontou divergências em relação ao cálculo do Tesouro. Segundo o governo gaúcho, seus gastos com pessoal ficaram em 53,23% da RCL, abaixo do limite de alerta.
“A diferença refere-se aos contratos de terceirização, registrados como outras despesas correntes no estado e que a STN [Secretaria do Tesouro Nacional] está considerando como despesa com pessoal”, disse.
O estado citou “desafios financeiros expressivos” que levaram a uma queda de arrecadação em 2023, em especial a lei federal que limitou a cobrança de ICMS sobre combustíveis.
Segundo o governo gaúcho, isso contribuiu para a relação entre despesa com pessoal e RCL ficar maior no período.
Os demais estados não responderam até a publicação deste texto. O espaço está aberto.
ENTENDA OS NÚMEROS
– Limite de alerta da LRF: 54% da RCL
– Limite do PAF (Programa de Ajuste Fiscal): 57% da RCL
– Limite da LRF: 60% da RCL
ESTADOS ACIMA DOS LIMITES NA DESPESA COM PESSOAL
– Rio Grande do Norte – 67%
– Sergipe – 65,2%
– Minas Gerais – 64,2%
– Acre – 60,2%
– Rio de Janeiro – 59,6%
– Roraima – 58,8%
– Paraíba – 58,7%
– Amapá – 58,2%
– Rio Grande do Sul – 57,2%
– Pernambuco – 55,8%
– Bahia – 55,7%
– Paraná – 54,8%
ECONOMIA POTENCIAL, CASO ESTADO FICASSE DENTRO DO LIMITE DE ALERTA
– Minas Gerais – R$ 9,36 bilhões
– Rio de Janeiro – R$ 4,994 bilhões
– Rio Grande do Norte – R$ 2,10 bilhões
– Rio Grande do Sul – R$ 1,795 bilhão
– Sergipe – R$ 1,401 bilhão
– Bahia – R$ 967 milhões
– Paraíba – R$ 793 milhões
– Pernambuco – R$ 683 milhões
– Acre – R$ 527 milhões
– Paraná – R$ 444 milhões
– Amapá – R$ 334 milhões
– Roraima – R$ 324 milhões