Justiça do Trabalho concede decisão que é duro golpe para Uber no Brasil
Empresa tentou rebater, mas decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) foi prevalecida


Uma decisão da Justiça do Trabalho pode representar um divisor de águas para a atuação da Uber no Brasil. A 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) reconheceu, por unanimidade, o vínculo empregatício entre um motorista de aplicativo e a plataforma.
O julgamento, considerado um duro golpe para a empresa, fixou uma condenação provisória no valor de R$ 100 mil e determinou que a Uber registre o contrato do trabalhador na Carteira de Trabalho.
Na ação, o motorista alegou que havia todos os elementos que caracterizam uma relação de emprego, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): onerosidade, pessoalidade, subordinação e habitualidade.
Segundo ele, o pagamento era feito diretamente pela plataforma, não havia possibilidade de substituição para as corridas e havia controle rigoroso via aplicativo. Além disso, a recusa frequente de chamadas poderia gerar punições como mensagens automáticas e bloqueios, além do risco de ser desligado da plataforma, o que, segundo o trabalhador, equivaleria a uma demissão sem justa causa.
Já a Uber argumentou que a relação seria de natureza comercial, e não empregatícia. A empresa sustentou que o motorista atuava como parceiro, prestando serviços de forma autônoma, com liberdade de horários e que os próprios usuários pagavam diretamente pelos serviços prestados.
Apesar disso, o relator do caso, desembargador Clóvis Fernando Schuch Santos, discordou da tese da empresa.
Em seu voto, destacou que a atuação do motorista se encaixava nas diretrizes da CLT, especialmente pela ausência de substituição, frequência diária de trabalho e controle exercido pela empresa. Segundo o magistrado, o motorista não atuava com autonomia real, já que sua continuidade na plataforma dependia da aceitação das condições impostas pela Uber.
Com a decisão, a Uber deverá registrar na CTPS do trabalhador o vínculo referente ao período entre abril de 2019 e setembro de 2023, com salário fixado em R$ 4.500 mensais. Entre os direitos trabalhistas reconhecidos estão férias vencidas e proporcionais, 13º salário, aviso prévio, FGTS e liberação para recebimento de seguro-desemprego.
O caso reacende o debate jurídico sobre os limites da gig economy no país e ocorre em um momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) também discutem a regulamentação de atividades por meio de aplicativos.
O que diz a Uber?
Ao Portal 6, a Uber esclareceu que recorre à decisão do TRT do Rio Grande do Sul e não vai adotar as medidas determinadas pelos desembargados antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados.
Confira a nota da Uber na íntegra:
“A Uber esclarece que está recorrendo da decisão proferida pela 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul e não vai adotar nenhuma medida determinada pelos desembargadores antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados.
A empresa manifesta preocupação pela evidente insegurança jurídica trazida pela decisão, que representa entendimento isolado e oposto à jurisprudência que vem sendo estabelecida pelo próprio Tribunal em diversos julgamentos, como mostram decisões divulgadas em 2020 e 2023, por exemplo. Além disso, a insegurança jurídica é ainda mais latente neste caso: há julgamentos anteriores desta própria 3ª Turma afastando o vínculo de emprego entre motorista e a Uber.
A Uber tem convicção de que o julgamento não considerou adequadamente o robusto conjunto de provas produzido pela Uber no processo. No caso em específico, o motorista nem ao menos compareceu à audiência e foi aplicada a ele pena de confissão. Mesmo assim, a decisão da Turma foi reverter o julgamento da primeira instância e determinar o vínculo de emprego, baseada exclusivamente em posições doutrinárias e ideológicas já superadas, inclusive pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Supremo Tribunal Federal.
Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente confirmando o fato de não haver relação de emprego entre a Uber e os motoristas independentes que utilizam sua plataforma, apontando a ausência dos requisitos legais e concomitantes para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 18 mil decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho afastando o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma.
O Tribunal Superior do Trabalho já determinou em diversos julgamentos unânimes que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. A 5ª Turma, por exemplo, reconheceu a “ampla flexibilidade” do profissional para “determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais em que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia” e que “tal autodeterminação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo”. Já a 4ª Turma considerou que não há “nenhuma exigência de trabalho mínimo” na Uber e reconheceu as “práticas no modelo de negócios das plataformas online que distinguem bastante os serviços realizados por meio delas das formas de trabalho regulamentadas pela CLT”.
Também o Superior Tribunal de Justiça, desde 2019, vem decidindo que os profissionais “não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício”.
O Supremo Tribunal Federal também já proferiu diversas decisões negando a existência de vínculo e revogando acórdãos regionais por desrespeito ao “entendimento do STF, firmado em diversos precedentes, que permite outros tipos de contratos distintos da estrutura tradicional da relação de emprego regida pela CLT”. Em julgamento, a 1ª Turma do STF revogou decisão sobre vínculo sob o argumento de que motoristas que atuam com aplicativos “têm liberdade para aceitar ou recusar corridas e para escolher os horários de trabalho e a plataforma para a qual prestarão serviço”, além de poderem “ter outros vínculos, porque não há exigência de exclusividade e de disciplina e nem hierarquia em relação à plataforma.”
Processo: 0021209-17.2023.5.04.0411
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