Acidente com Elevador da Glória foi causado por desconexão de cabo, diz relatório preliminar
Tragédia deixou 16 mortos

JOÃO GABRIEL DE LIMA – O Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF) de Portugal divulgou um relatório preliminar sobre o desastre com o bondinho do Elevador da Glória neste sábado (6). A principal conclusão do órgão, ligado ao Ministério das Infraestruturas mas que atua com autonomia administrativa, foi que o acidente se deveu à “desconexão do cabo entre as duas cabines”.
“A inspeção visual programada, realizada na manhã do dia do acidente, não detectou nenhuma anomalia no cabo”, diz o comunicado do GPIAAF.
Ao longo da semana, dezenas de especialistas e engenheiros especularam em entrevistas sobre as causas do desastre. As principais hipóteses aventadas eram rompimento do cabo, rompimento da conexão entre o cabo e o veículo ou falhas nos freios.
Muitos colocaram em questão a manutenção dos chamados “veículos históricos”. O próprio Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa –cargo que em Portugal equivale ao de prefeito- suspendeu, para averiguações, a circulação de outros funiculares semelhantes ao Elevador da Glória.
Existem três bondinhos históricos em Lisboa, e todos datam do final do século 19: os elevadores do Lavra (1884), da Glória (1885) e da Bica (1892). De acordo com Pedro Bogas, presidente da Carris, empresa responsável pelo transporte público em Lisboa, eles fazem parte de uma frota de 38 veículos históricos da capital. Entre esses equipamentos “vintage” figuram também bondes da linha 28, uma das favoritas dos turistas por circular pelos bairros castiços da cidade. Eles estão sempre lotados, e as filas em seu ponto inicial dobram o quarteirão da praça Martim Moniz.
“Os protocolos de segurança dos elevadores são os mesmos desde 1915, quando passaram a usar tração elétrica, e até esta semana nunca tínhamos tido acidentes”, afirma Bogas. “Claro que sempre incorporamos as inovações tecnológicas, mas nossos técnicos que supervisionam a manutenção terceirizada têm mais de 40 anos de experiência com esse tipo peculiar de veículo.”
De acordo com Bogas, algumas das peças dos elevadores são fabricadas pelas mesmas empresas que cuidam da manutenção, pois não há reposição para modelos que não existem mais no mercado.
Segundo o jornal O Público, os elevadores da Glória e do Lavra nunca foram supervisionados pela Autoridade Nacional de Segurança Ferroviária (ANSF), coordenada pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT). Responsável por monitorar os sistemas ferroviários portugueses, a entidade supervisiona o Elevador da Bica, mas entende que não tem esta obrigação por lei.
Isso porque, até 2020, o IMT era obrigado a fiscalizar sistemas de transporte por cabo em elevadores sem tração própria, como o da Bica, mas diferente do da Glória, que conta com motores além dos cabos. Há cinco anos, a legislação retirou do órgão a responsabilidade de inspecionar os elevadores históricos, mas a ANSF continuou a supervisionar o bondinho da Bica.
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Os bondes e funiculares que hoje emprestam uma aura saudosista à charmosa capital portuguesa eram, no passado, símbolo de modernidade e cosmopolitismo. A empresa Carris –sinônimo para “trilhos” no português europeu– foi fundada em 1872 por empresários portugueses residentes no Rio de Janeiro. Eles compraram os trilhos na Inglaterra e os bondes nos Estados Unidos –que, por isso, receberam o apelido de “americanos”. O projeto do Elevador da Glória é de autoria de um português filho de franceses, Raoul Mesnier du Ponsard, que cultivava a fama de ter sido discípulo do lendário Gustave Eiffel.
Os “americanos” aparecem em “Os Maias”, clássico de Eça de Queiroz, numa cena cômica em que Carlos da Maia e João da Ega correm para apanhar um bonde que consideravam velocíssimo –na época, ainda puxado por tração animal. Conforme assinalou a fotógrafa e escritora Marina Tavares Dias num livro sobre o tema, esse veículos se tornaram símbolo de uma cidade que experimentava um surto de crescimento e necessitava de um transporte apropriado às colinas que marcam sua topografia.
Os funiculares projetados por Mesnier du Ponsard atuam sempre em dupla, ligados por um cabo. Enquanto um sobe o outro desce, servindo de contrapeso. No acidente de quarta-feira (3), o “Elevador 2” ficou relativamente preservado, enquanto o “Elevador 1”, o que se chocou contra o prédio, acabou totalmente destruído.
Os dois foram retirados do local na noite de quinta-feira (4), após a perícia. “Não vai dar para aproveitar nada do veículo que foi destroçado”, disse Pedro Bogas. “Mas nós vamos retomar o serviço assim que possível. Lisboa não vai ficar sem seu Elevador da Glória.”
Na avenida da Liberdade, em frente a um dos pontos iniciais do Elevador da Glória, cidadãos lisboetas depositavam flores, na sexta-feira (5), em homenagem aos 16 mortos do acidente. Ao longo do dia rezaram-se missas em diferentes pontos da cidade. Uma delas, na Igreja de São Roque, homenageou os quatro funcionários da Santa Casa de Lisboa que morreram na tragédia.