Copom deve manter Selic em 15% ao ano e suavizar discurso após ver cenário mais favorável
Objetivo central perseguido pelo Banco Central é 3%

NATHALIA GARCIA – O Copom (Comitê de Política Monetária) deve manter na próxima quarta-feira (17) a taxa básica de juros (Selic) estacionada em 15% ao ano e suavizar o tom do seu discurso depois de uma evolução favorável do cenário econômico nas últimas semanas.
No encontro anterior, em julho, o colegiado do Banco Central interrompeu a sequência de altas de juros com a Selic no maior nível desde 2006 e adotou uma linguagem cautelosa ao falar dos próximos passos, prevendo uma “continuação na interrupção do ciclo” em setembro.
A expectativa dos economistas ouvidos pela Folha de S.Paulo é que, dessa vez, o Copom demonstre mais convicção de que a estratégia de manter os juros estáveis no atual patamar por “período bastante prolongado” será suficiente para levar a inflação de volta à meta.
Segundo projeção do próprio comitê, o índice só voltará a ficar abaixo do teto da meta a partir do fim do primeiro trimestre de 2026.
O objetivo central perseguido pelo Banco Central é 3%. No modelo de meta contínua, o alvo é considerado descumprido quando a inflação acumulada permanece por seis meses seguidos fora do intervalo de tolerância, que vai de 1,5% (piso) a 4,5% (teto).
Em junho, houve o primeiro estouro do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) desde que o novo formato entrou em vigor, em janeiro deste ano.
Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter, avalia como positiva a evolução recente dos dados da economia doméstica, com inflação em queda, ainda que de forma lenta, e desaceleração da atividade econômica, diante do trabalho do BC para esfriar a demanda e segurar os preços.
Em agosto, o IPCA teve a primeira deflação (recuo) em um ano com queda na conta de luz, na gasolina e em alimentos. No acumulado em 12 meses, o índice soma inflação de 5,13%.
Vitória também observou uma mudança relevante no ambiente externo, com a perspectiva de corte de juros pelo Fed (Federal Reserve, equivalente ao banco central dos Estados Unidos) nesta “superquarta” -expressão usada pelos economistas quando Brasil e EUA decidem sobre juros no mesmo dia.
“Isso faz com que o câmbio tenha valorização e o câmbio no atual patamar traz mais alívio olhando para a inflação futura, principalmente a parte de bens e alimentos”, diz.
Em julho, a cotação do dólar usada pelo Copom em suas projeções foi de R$ 5,55. Beneficiada por fluxo estrangeiro, a moeda norte-americana fechou o pregão de sexta-feira (12) em queda de 0,70%, a R$ 5,353, o menor patamar desde junho do ano passado.
A melhora no câmbio, na visão da economista, abre espaço para o Copom iniciar a redução de juros em dezembro. “Se começar a retirar a restrição monetária a partir de dezembro, contribui para que você não tenha uma atividade tão estagnada em 2027”, afirma.
Para Vitória, o que pode postergar o início dos cortes de juros é o risco fiscal, se o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acelerar os gastos e mantiver a demanda aquecida.
Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e presidente do conselho da Jive Investments, considera como “bem ruim” a situação das contas públicas do país, ressaltando que houve um grande salto no déficit nominal e que o passo de crescimento da dívida pública dobrou. No entanto, ele vê como pouco provável que a situação fiscal fique ainda mais “desarrumada”.
Entre as maiores preocupações, cita como risco a possibilidade de uma nova onda de tarifas vinda dos Estados Unidos, de Donald Trump.
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Novas ameaças foram feitas por representantes do governo norte-americano depois da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Para o economista, a postura beligerante de Lula em relação a Trump é motivo de incerteza. “Pode ser que americanos apertem mais em vez de flexibilizar”, diz.
O encontro de julho do Copom ocorreu no mesmo dia em que o republicano confirmou a aplicação da sobretaxa de 50% a produtos brasileiros exportados aos EUA, com uma lista de quase 700 exceções.
Apesar dos riscos, o ex-diretor do BC vê o cenário caminhando na direção certa para que o comitê possa iniciar a flexibilização de juros mais à frente.
“Quando a gente faz a conta replicando o modelo do Banco Central, há um mês, o início da queda de juros dava no fim do primeiro trimestre [de 2026], início do segundo trimestre. Fazendo a mesma conta agora, dá janeiro”, diz.
“A chance do cenário continuar nesse caminho benigno é grande, possivelmente levando o BC a começar a reduzir [os juros] no fim do ano”, acrescenta.
Para André Muller, economista-chefe da AZ Quest, o Copom deve reconhecer a evolução positiva da conjuntura econômica nos últimos 45 dias e adequar a sua linguagem para enfatizar que está descartada uma eventual retomada do ciclo de alta de juros.
“A inflação tem se mostrado menos pressionada do que as nossas projeções, [do que as estimativas] do mercado e do próprio comitê. Então, em linhas gerais, vai se ganhando mais confiança de que a política monetária tem funcionado”, afirma.
Ele, contudo, espera que o comitê siga demonstrando conservadorismo na condução da política de juros em busca de uma melhora nas expectativas de inflação, que hoje estão distantes da meta -o que é motivo de desconforto para todos os membros do colegiado.
“A gente está no estágio do ciclo em que ele [Copom] está colhendo os frutos dessa atitude mais conservadora. Não tem muito elemento para se desviar disso”, diz.
Segundo o último boletim Focus, os analistas projetam que a inflação termine 2026 em 4,3%. Para 2027, janela de tempo na mira do BC hoje devido aos efeitos defasados da política de juros sobre a economia, a estimativa mediana do mercado recuou para 3,93%.