Prejuízo à pecuária francesa com acordo UE-Mercosul será mínimo, prevê estudo europeu
Fazendo simulações, conclui que as cotas de importação impostas no tratado aos produtos do Mercosul eliminam quase todo o efeito sobre a produção local
ANDRÉ FONTENELLE – PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Um estudo de dois pesquisadores europeus refuta a ideia de que o acordo entre União Europeia e Mercosul seria catastrófico para a agropecuária francesa principal argumento da França para se opor ao tratado de livre comércio.
O artigo, intitulado “Acordo União Europeia-Mercosul: Consequências para o setor pecuário da UE”, foi publicado em setembro na revista científica “Journal of Agricultural Economics”. Fazendo simulações, conclui que as cotas de importação impostas no tratado aos produtos do Mercosul eliminam quase todo o efeito sobre a produção local.
“Como a oferta de carne bovina é limitada a cotas de importação adicionais, os impactos negativos sobre a renda do setor pecuário são fortemente atenuados”, afirmam os autores. “Também constatamos que o setor pecuário europeu e, de maneira mais geral, os setores agrícola e alimentício se beneficiam do aumento de renda induzido pelos outros componentes do acordo. Por fim, não encontramos efeitos negativos mais fortes nos países que atualmente se opõem à ratificação, em particular a França, porque seus consumidores preferem alimentos nacionais.”
A Folha conversou com os autores, Alexandre Gohin, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa para Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente (Inrae), de Rennes, na França; e Alan Matthews, professor do Trinity College, de Dublin, na Irlanda.
“Nosso objetivo ao escrever o artigo era ressaltar que na verdade a dimensão do impacto foi enormemente exagerada no debate atual. Como o artigo mostra, o efeito quantitativo do acordo em si é extremamente limitado”, explica Matthews.
No principal cenário simulado, o estudo conclui que o acordo teria um impacto negativo de apenas 0,35% e 0,14%, respectivamente, sobre a renda dos setores pecuário e agroalimentar da UE. No caso específico da França, essas perdas seriam de 0,19% e 0,05%. De modo inverso, o impacto positivo seria de 0,66% e 0,65% sobre os mesmos setores no Mercosul.
Esses percentuais, considerados baixos pelos autores, se devem ao fato de que o acordo impõe cotas bastante restritas para a carne importada do Mercosul no caso da carne, um filé e meio por ano por habitante da UE, segundo uma comparação usada com frequência na imprensa francesa.
O artigo usa técnicas de modelagem de dados consagradas em estudos anteriores para prever fluxos comerciais. Essa modelagem é a especialidade do francês Gohin. “Em suas análises, a Comissão Europeia não detalhava o impacto para os diferentes países-membros. Eu disse a mim mesmo que isso fazia falta”, explicou.
Gohin admite que a realidade é complexa demais para uma previsão infalível, mas explica que a projeção permite identificar tendências. “Os agentes econômicos respondem a sinais variados, como os preços. Pode haver coisas que não antecipamos, por exemplo, dificuldades de recrutamento [de mão-de-obra].”
“Na verdade, eu diria que ganhamos essa discussão”, afirma Alan Matthews. “O debate passou do impacto quantitativo para a questão da reciprocidade, do fato de que os países do Mercosul não atendem os mesmos padrões, sobretudo ambientais”, acrescenta.
Segundo ele, até mesmo nesse aspecto a aprovação do acordo seria benéfica. Permitiria, por exemplo, ajudar o Brasil a controlar melhor o desmatamento.
“Se nos recusarmos a ratificar o acordo, o Brasil vai dizer: ok, vamos vender nossa carne para a China. E a China não está nem um pouco interessada se essa carne vem de terras desmatadas ou não”, argumenta.



