Em pizzaria, ativistas festejam votos para Trump como gols em Copa do Mundo
"Se o Biden vencer, o comunismo vai entrar na América Latina com tudo. Isso não será bom para o Brasil", opina deputado federal que estava presente
Fábio Zanini, de SP – “Trump virou! Virou na Flórida! Aqui é Copa do Mundo, irmão!”.
O grito pouco depois das 22h veio de Paulo Lisboa, cujo canal no YouTube, com 587 mil inscritos, é uma das mais potentes máquinas do bolsonarismo nas redes sociais. Responsável pelo Vlog do Lisboa, ele também é um dos alvos do inquérito do Supremo Tribunal Federal que investiga atos antidemocráticos.
Na noite de terça-feira (3), o youtuber era uma espécie de narrador informal dos resultados da apuração da eleição americana, monitorando seu celular constantemente enquanto fazia uma transmissão ao vivo que, segundo ele, atingiu picos de 10 mil seguidores.
Junto com Lisboa, um grupo de cerca de 30 ativistas de direita, todos defensores ardorosos de Donald Trump e do presidente Jair Bolsonaro, se concentraram numa pizzaria no bairro paulistano de Higienópolis para acompanhar a apuração.
Antes de os primeiros resultados saírem, o clima era de confiança moderada, mas sem disfarçar a tensão. “Não consigo imaginar o horizonte caso o [democrata Joe] Biden vença. Ele vai fazer um lockdown até janeiro”, disse o ativista Ricardo Figueiredo, produtor rural que planta cana de açúcar na região de Mococa (SP).
Outros diziam que o triunfo do democrata daria força para a esquerda brasileira, campo em que incluem desde Guilherme Boulos (PSOL) até João Doria (PSDB).
Mais grave, temiam que uma vitória de Biden seria o pontapé inicial para um grandioso projeto de avanço do socialismo sobre as Américas.
“Se o Biden vencer, o comunismo vai entrar na América Latina com tudo. Isso não será bom para o Brasil. Nós queremos que o empresário possa trabalhar em paz, sem a ameaça do socialismo”, afirmou outro dos presentes, o deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP).
O ambiente foi decorado com bandeiras do Brasil e dos EUA, além de um cartaz de Bolsonaro. Candidato a vereador pelo PRTB em São Caetano do Sul (Grande São Paulo), Giovani Falcone fazia sucesso com uma camiseta em que já se pedia voto para a reeleição do presidente brasileiro, em 2022.
O telão a princípio ficaria ligado à Panflix, canal de YouTube da rádio Jovem Pan, mas a conexão estava ruim. Foi trocada então pela transmissão do canal Terça Livre, outro expoente da máquina bolsonarista, que mesclava um debate em estúdio com imagens ao vivo de seu fundador, Allan dos Santos, ao vivo das ruas Washington.
A decisão motivou protestos de uma ativista. “Esse Allan é comunista. Foi só o STF apertar ele que fugiu. Medroso”, disse ela, em relação ao fato de Santos, também alvo do Supremo, ter dito que fugiu do país por estar sendo perseguido.
Rapidamente, no entanto, o telão perdeu protagonismo para a “mesa de apurações”, uma bancada no meio do salão em que Lisboa e outros ativistas acompanhavam os últimos números em celulares e um laptop.
O clima de confiança ia aumentando a cada nova atualização na apuração. “Tá cheio de esquerdinha no mundo com fralda geriátrica já, se cagando de medo”, disse Lisboa. Ele e outros colegas divertiam-se chamando o candidato democrata de “Dilmo americano”, em referência à ex-presidente Dilma Rousseff.
Com a Flórida conquistada, a preocupação passou a ser o Texas, estado com enorme contingente de votos no colégio eleitoral e tradicionalmente republicano, mas que vinha mostrando uma persistente liderança para Biden. A demora na atualização de votos gerava comentários de que a previsão de Trump sobre fraude na apuração estava se concretizando.
Por volta das 23h, com perto de 60% da apuração texana finalizada, o presidente finalmente surge na frente no estado, e o salão novamente comemora. “ÉBol-so-na-ro!”, gritam alguns.
Um ativista pergunta se já é hora de soltar rojão. Outro responde que melhor ainda seria dar uns tiros pro alto. “Ainda não, irmão, calma”, pede Lisboa.
Às 23h42, Ohio é outro estado a passar para o lado do presidente, e a euforia já é indisfarçável. Os ativistas pedem uma rodada de pizza. Alguns fumam, apesar do ambiente fechado, e ninguém usa máscara.
A sensação de alívio do grupo é enorme. “Se o Biden ganha, fudeu. Ia ter secessão de alguns estados, como já aconteceu no passado”, diz um participante do evento, em referência à Guerra Civil americana (1861-65). Outro afirma que é a eleição mais importante da sua vida, a mais relevante “do dia em que nascemos até o dia em que morreremos”.
Pouco depois da meia-noite, o grupo começa a se dispersar. Quem prometia ficar até o resultado final sair finalmente se convence de que a apuração ainda iria longe.
Parte dos ativistas solta alguns muxoxos sobre a lentidão do sistema de apuração dos EUA, ainda sem saber que acordariam no dia seguinte sem poder festejar a vitória de seu candidato. E ignorando o fato de que na madrugada a temperatura política subiria justamente por causa dele.