Sabatina de 1ª negra indicada à Suprema Corte dos EUA termina com pressão e lágrimas
Indicação de Jackson, 51, foi analisada durante quatro dias da Comissão de Justiça do Senado americano
RAFAEL BALAGO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A sabatina de Ketanji Brown Jackson, primeira mulher negra a ser indicada à Suprema Corte dos EUA, chegou ao final nesta quinta (24). O processo foi marcado por várias perguntas duras feitas por republicanos e por elogios de democratas, que a levaram às lágrimas.
A indicação de Jackson, 51, foi analisada durante quatro dias da Comissão de Justiça do Senado americano. Ela ficou cerca de 23 horas respondendo questões, fora o tempo dedicado a falas dos senadores e de outras testemunhas.
Como comparação, a sabatina de André Mendonça, que foi nomeado para o Supremo Tribunal Federal do Brasil em 2021, durou oito horas.
Jackson foi indicada pelo presidente Joe Biden em fevereiro, e a nomeação depende da confirmação do Senado. A expectativa é que a votação na Comissão ocorra no dia 4 de abril, e que a decisão do Plenário seja tomada alguns dias depois, antes do recesso de Páscoa.
A aprovação deve ocorrer, pois os democratas possuem 50 dos 100 votos no Senado, mais o poder de desempate. Chuck Schumer, líder democrata no Senado, disse considerar que a aprovação está “a caminho”.
No entanto, a expectativa de que a aprovação pudesse ter algum apoio republicano vem sendo reduzida. O líder da oposição na Casa, Mitch McConnell, disse que votará contra a nomeação, pois considerou insuficientes as respostas dela durante as audiências.
A sabatina se estendeu por quatro dias. Na segunda (21), senadores fizeram discursos de abertura. Jackson também falou e prometeu agir de modo independente e em busca da igualdade perante a lei. Na terça (22) e quarta (23), ela respondeu a perguntas sobre sua trajetória e suas posições em vários temas
Em diversas ocasiões, senadores republicanos tentaram caracterizá-la como uma ativista radical de esquerda e condescendente com o crime, especialmente a pedofilia. Jackson é juíza federal há mais de dez anos e, em alguns casos, deu penas menores do que o recomendado para acusados de envolvimento com pornografia infantil. O senador Ted Cruz chegou a levar um cartaz que exibiu as sentenças dadas por ela, ao lado das recomendações federais, que são opcionais.
Jackson respondeu diversas vezes que o juiz deve levar em conta vários fatores ao definir a sentença. “Os juízes não estão em um jogo de números, mas decidem com base em uma série de considerações. E, em cada caso, cumpri meu dever de responsabilizar os réus à luz das evidências e das informações apresentadas a mim”, respondeu. “As evidências nesses casos [de pornografia infantil] eram terríveis, estão entre as piores que já vi.”
Houve também momentos de grosseria, com senadores interrompendo respostas dela para tentarem reafirmar seus pontos. O presidente da Comissão, o democrata Richard Durbin, interveio algumas vezes. “Eu diria para a juíza: não há razão para responder. Ele vai lhe interromper de qualquer jeito”, ironizou, em meio à insistência de Cruz.
A oposição também buscou apontá-la como ativista. Jackson disse ter claro que o papel do juiz é aplicar as leis, e não tentar modificá-las ou criar políticas públicas. Ela foi perguntada sobre como via o ensino de questões sobre raça e gênero nas escolas. “Eu não creio que nenhuma criança deve ser convencida a sentir que é racista, mas também não devem sentir que não são valorizadas”, respondeu.
Em outro momento, a senadora republicana Marsha Blackburn pediu que a juíza “desse uma definição da palavra ‘mulher'”. “Eu não sou bióloga”, respondeu Jackson. “O fato de você não dar uma resposta direta ressalta o perigo da educação progressista”, retrucou a parlamentar.
Sobre o aborto, a juíza disse considerar que as regras atuais, que liberam a prática, são “lei assentada”. Também afirmou que pretende se abster de votar no processo em análise na Suprema Corte sobre ações afirmativas em universidades, por ter laços com Harvard, citada na ação.
Jackson buscou demonstrar que sempre atuou como juíza de modo independente de suas crenças pessoais. “Minha fé é muito importante, mas, como você sabe, não há teste religioso na Constituição”, respondeu ela, na terça, após ser pressionada a falar sobre sua relação com a religião.
Já os democratas buscaram ressaltar que a nomeação é histórica, por abrir caminho para que uma mulher negra integre a Suprema Corte pela primeira vez em 233 anos de história do tribunal mais importante do país.
Na tarde de quarta (23), a juíza chorou ao ouvir o discurso do senador democrata Cory Booker. Ele disse que ser uma mulher negra na América significa encarar obstáculos na vida que nenhum de seus críticos tiveram. “Você é muito mais do que sua raça e gênero. Você conquistou este posto. Você tem valor. É uma grande americana”, elogiou.
Nesta quinta (24), o Senado ouviu testemunhas que comentaram sobre a carreira da nomeada. A lista de pessoas a serem ouvidas foi elaborada pela American Bar Association (ordem dos advogados dos EUA) e por parlamentares democratas e republicanos.
Representantes da ABA elogiaram Jackson e a definiram como brilhante, impecável e bem qualificada para a Suprema Corte. Steve Marshall, advogado-geral do Alabama, testemunhou contra a nomeação, por considerar que Jackson deve tentar mudar o sistema judicial do país, sem apresentar provas disso.
Se confirmada pelo Senado, Jackson tomará posse em outubro, quando começa um novo ano judiciário. Atualmente, o colegiado é formado por seis juízes de perfil conservador e três de perfil liberal. Mesmo que confirmada, Jackson não mudará este cenário, pois entrará na vaga de Stephen Breyer, que se aposentou.
QUEM É QUEM NA SUPREMA CORTE
Ala conservadoraJonh Roberts, 67
Indicado por George W. Bush em 2005. Ainda que seja considerado conservador, o atual presidente da Corte às vezes atua de forma moderada
Clarence Thomas, 73
Indicado por George Bush em 1991
Samuel Alito, 71
Indicado por George W. Bush em 2006
Neil Gorsuch, 54
Indicado por Donald Trump em 2017
Brett Kavanaugh, 57
Indicado por Trump em 2018
Amy Coney Barrett, 50
Indicada por Trump em 2020
Ala progressista
Stephen Breyer, 83 (se aposenta neste ano)
Indicado por Bill Clinton em 1994
Sonia Sotomayor, 67
Indicada por Barack Obama em 2009
Elena Kagan, 61
Indicada por Obama em 2010