Centro de detenção onde estava brasileiro morto nos EUA acumula denúncias

Kesley morreu no dia 24 de agosto e, segundo a advogada da ACLU, ele se suicidou

Folhapress Folhapress -
Centro de detenção onde estava brasileiro morto nos EUA acumula denúncias
E(Foto: Flickr)

THIAGO AMÂNCIO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O centro de detenção onde estava o brasileiro Kesley Vial, morto na última semana após quatro meses detido por agentes de imigração nos EUA, acumula acusações de maus-tratos por órgãos de direitos humanos. Em março, o Departamento de Segurança Interna dos EUA chegou a pedir a suspensão das operações do local.

Kesley Vial, 23, morreu no dia 24 em Albuquerque, no estado do Novo México. Segundo Rebecca Sheff, advogada da ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis), que presta assistência à família, ele se suicidou.

O brasileiro havia sido detido no fim de abril por agentes da Patrulha de Fronteira em El Paso, no Texas, após entrar no país de forma irregular. Sob custódia da agência oficial de imigração, o ICE, ele foi levado ao Centro de Detenção do Condado de Torrance (TCDF, na sigla em inglês).

Fundado em 1990, o TCDF fica em Estancia, a pouco menos de 100 quilômetros de Albuquerque, e é administrado por uma empresa privada, a Core Civic, que gerencia 113 centros do tipo no país.

Os detidos ficam no local até receberem um parecer sobre seus pedidos de asilo nos EUA. O orçamento mensal do centro é de US$ 2 milhões por mês e, com capacidade para 979 pessoas, o local abrigava 491 detidos em dezembro de 2021, data do último relatório disponível -homens e mulheres, de 18 a 75 anos.

Em março, o inspetor-geral do Departamento de Segurança Interna, Joseph Cuffari, divulgou um alerta de 19 páginas pedindo a remoção de todos os detidos do TCDF após encontrar uma série de problemas no local. “Torrance está com um número de funcionários criticamente baixo, o que tem impedido que atenda aos requisitos contratuais que asseguram aos detidos residir em ambiente seguro, protegido e humano”, diz o documento.

Segundo o órgão, o centro deveria ter 245 funcionários em tempo integral, mas só tem 133. Dos 112 postos vagos, 94 são na área de segurança. O órgão inspecionou as 157 celas ocupadas na ocasião e encontrou condições sanitárias ruins em 83 delas, com privadas e pias entupidas e falta d’água, o que “pode levar a problemas de saúde tanto dos detidos quanto dos funcionários”.

Rebecca Sheff, advogada da ACLU que acompanha o caso, afirma que o relatório chamou a atenção porque teria sido a primeira vez que o Departamento de Segurança Interna recomendou a interrupção de serviços de um centro de detenção.

“As condições são péssimas. A água não é potável, os imigrantes precisam comprar água engarrafada; banhos têm sido racionados, a comida frequentemente é intragável e há dificuldade de acesso a medicamentos, a dentista e a serviços de saúde mental”, diz.

Segundo a advogada, os agentes do ICE raramente conversam pessoalmente com os detidos, o que torna difícil o acesso a informação sobre o status legal dos pedidos de asilo ou liberação.

Kesley estava sob custódia do ICE desde 29 de abril. Sheff afirma que ele pediu asilo alegando correr riscos no Brasil, mas teve o pedido negado. Ele recorreu e teve o pedido novamente negado em junho, quando um juiz ordenou sua deportação –o que não ocorreu até ele ser encontrado desacordado na cela em 17 de agosto, quando foi levado ao hospital da Universidade do Novo México, onde morreu.

Segundo a ACLU, uma inspeção de órgãos reguladores dos centros de detenção em julho de 2021 também identificou o número baixo de funcionários no local e encontrou problemas sanitários no preparo da comida. O relatório na ocasião apontou que o centro não cumpria padrões necessários para operar, mas destacou que os detidos que foram entrevistados disseram “que são tratados com respeito e se sentem seguros”.

O local já vinha sendo denunciado por grupos que trabalham com direitos humanos e imigração no estado. “[A morte de Kesley] é exatamente o que temíamos que acontecesse. Organizações alertaram por anos das condições brutais e inumanas em Torrance”, disseram, em nota, entidades que monitoram a situação dos imigrantes no estado. Os grupos acusaram guardas de atacar detentos que fizeram uma greve de fome contra condições precárias de tratamento para a Covid e de dificultar o acesso a advogados dos detidos, inclusive de haitianos presos na crise migratória que abalou o país no ano passado.

Procurada, a Core Civic negou que abrigue detidos em condições ruins. “Manter as pessoas confiadas aos nossos cuidados em segurança é nossa principal prioridade. Negamos veementemente quaisquer alegações de maus-tratos a detentos”, disse um porta-voz da empresa à Folha, expressando solidariedade à família do brasileiro.

“Nossos funcionários trabalham duro para manter seguros aqueles sob nossos cuidados enquanto atendem às suas necessidades no processo de imigração civil. A equipe é treinada e mantida nos mais altos padrões éticos.”

A Core Civic afirma ainda que todos os centros administrados pela empresa são fiscalizados pelo ICE e passam por auditorias regulares. A empresa afirma que obteve neste ano o credenciamento da Comissão Nacional de Cuidados de Saúde Prisional (NCCHC).

O ICE não comentou as denúncias das entidades de direitos humanos. Em nota na última semana, o órgão afirmou que “está firmemente comprometido com a saúde e o bem-estar de todos sob sua custódia” e que está fazendo uma revisão abrangente dos processos em toda a agência após a morte de Kesley.

A agência disse também que as mortes são estatisticamente raras em relação ao total de detidos e que garante assistência médica conforme estabelecido pelos padrões no país, com disponibilidade 24 horas por dia para atendimentos de emergência.

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