Deputado que apalpou Isa Penna é notificado pelo WhatsApp após 5 meses de buscas da Justiça
Périplo de oficiais de Justiça à procura do parlamentar começou em julho e só foi encerrado em 21 de dezembro

CAROLINA LINHARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O deputado estadual Fernando Cury (União Brasil) apresentou sua defesa prévia no último dia 9 na ação em que é réu sob acusação de importunação sexual contra a também deputada estadual Isa Penna (PC do B), após cinco meses de tentativas da Justiça de São Paulo de encontrá-lo.
O périplo de oficiais de Justiça à procura do deputado começou em julho, se estendeu sem sucesso por toda a campanha eleitoral e só foi encerrado em 21 de dezembro, de forma não presencial -ele acabou sendo notificado por mensagem de WhatsApp.
Às 9h do dia 24 de setembro, um oficial chegou a aguardar Cury em frente a uma padaria, em uma avenida de Botucatu (SP), onde haveria uma carreata do deputado. O mandado de citação, com a tarja “urgente – plantão”, foi expedido no dia anterior, logo após a defesa de Isa apontar à Justiça hora e local da ação de campanha.
O trajeto e o horário da carreata já haviam sido informados pela campanha de Cury à Polícia Militar com antecedência, mas o evento não ocorreu. O oficial Marcelo Furtado disse ter perguntado a um grupo de cabos eleitorais uniformizados, que informaram que a carreata fora cancelada.
O oficial foi ainda ao escritório e comitê de Cury, falou com seus funcionários, que não indicaram seu paradeiro. Furtado ligou para o deputado e deixou recados no WhatsApp, sem obter resposta.
“Hoje o dia todo foi de caminhada pelos bairros Cohab 4, Jardim Brasil e Jardim Ciranda em Botucatu”, postou Cury naquele dia, com fotos em que aparece ao lado de um grupo de cabos eleitorais com uniforme e bandeira.
A campanha de Cury foi paga majoritariamente com dinheiro público -R$ 758 mil investidos pela União Brasil, R$ 14 mil de doações e R$ 121 mil pagos pelo deputado. Ele não foi reeleito.
Há dois anos, em 16 de dezembro de 2020, Cury foi flagrado pelas câmeras da Assembleia Legislativa de São Paulo apalpando a lateral do corpo de Isa durante uma sessão plenária. Ele foi afastado por seis meses do mandato e foi expulso do seu partido à época, o Cidadania. A reportagem não conseguiu contato com o deputado.
Em 15 de dezembro de 2021, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo aceitou, por unanimidade, a denúncia contra Cury, mas o processo pouco avançou desde então.
O Ministério Público de São Paulo chegou a apontar que o deputado estava se escondendo para não receber a notificação, o que travou o andamento da ação.
“O réu, desde o início da investigação, vem adotando postura que aparenta intenção procrastinatória”, escreveu o procurador Mario Antonio de Campos Tebet em 1º de novembro.
O relator da ação, desembargador Fábio Gouvêa, apontou “fortes indícios de que o denunciando está se ocultando para evitar a citação, principalmente considerando a ciência inequívoca do denunciado sobre a existência do processo e o fato de que se trata de pessoa pública, ocupando cargo de deputado estadual”.
Em novembro, Gouvêa determinou a citação por hora certa, ou seja, a notificação seria entregue a qualquer pessoa no endereço ou gabinete do deputado e estaria cumprida -o prazo de cinco dias para a apresentar a defesa começaria a correr.
Uma oficial de Justiça foi ao gabinete em dezembro e não achou o deputado, mas Cury entrou em contato com ela pelo WhatsApp marcando um encontro no dia 21 para o cumprimento da ordem. No dia, porém, ele avisou que não mais iria a São Paulo e perguntou se a citação poderia ser feita pelo WhatsApp, o que aconteceu.
Esta foi a segunda novela da Justiça em busca de Cury. A notificação para que ele respondesse ao oferecimento da denúncia foi entregue em outubro de 2021, após tentativas que tiveram início em abril daquele ano.
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Isa tentou uma vaga na Câmara dos Deputados, mas tampouco foi eleita. Ela também trocou de partido -deixou o PSOL.
“Eu entrei em depressão, o que não significa que eu esteja fraca para enfrentar o processo. Vou até o fim”, disse a deputada à Folha. “Estou muito prejudicada mesmo com essa situação. É uma humilhação. Mais uma, além da não cassação dele. A realidade da misoginia nos espaços de poder é estrutural.”
Isa afirma que “trabalhar com política virou um gatilho”, que ela evita a Alesp e sente tonturas quando está a caminho da Casa. “A minha opção de concorrer a [deputada] federal teve a ver com não encontrar o Cury.”
Ela relata que seu sentimento ao não ser eleita foi mais de alívio do que de tristeza e que perdeu inúmeras agendas de campanha por causa da depressão.
Segundo Isa, a pauta do feminismo não interessa a muitos políticos. “Minha campanha sofreu um boicote dentro da própria esquerda”, diz. A deputada afirma não saber se voltará à política, mas pretende seguir trabalhando na luta pelas mulheres e com arte.
Agora, com a defesa prévia apresentada, a ação avança para a fase em que testemunhas são ouvidas. No documento, o advogado Ézeo Fusco Júnior, que representa Cury, lista 8 testemunhas, incluindo o ex-presidente da Assembleia Cauê Macris (PSDB) e o deputado Alex de Madureira (PL), além de um perito que analisou as imagens.
No dia 25 de outubro, o então advogado do deputado, Roberto Delmanto Júnior, deixou o caso.
Ézeo afirma na peça que o caso tem que ser enviado à primeira instância, já que Cury não foi reeleito, o que abre espaço para uma série de recursos às instâncias superiores. Ele pede uma perícia nas imagens e sustenta que não houve toque forçado em regiões íntimas da deputada.
O advogado nega ter havido tentativa de protelar o processo. “Cury estava em campanha, na correria, e realmente não foi achado. Ele nem se atentou para isso”, disse à reportagem.
Ele afirma que o ângulo do vídeo dá a entender que houve toque, mas que “é preciso o exame pericial nas imagens para constatar a tese da defesa de que não houve apalpação”.
A tentativa de encontrar Cury teve início no meio do ano, somente depois que embargos apresentados pela defesa para contestar o recebimento da denúncia transitaram em julgado.
Em Botucatu, um oficial de Justiça registrou que esteve no escritório do deputado em 29 de agosto, às 12h54, em 2 de setembro, às 10h15, e em 9 de setembro, às 12h. Ele foi ao comitê de campanha, no dia 9 de setembro, às 10h47, além de tentar contatos por telefone, sem retorno.
Assessores lhe disseram que “Fernando não havia comparecido ao escritório, estaria em plena campanha eleitoral, visitando cidades da região” e que “Fernando não tem dia e nem hora para ser encontrado”.
Em 18 de outubro, outro oficial de Justiça registrou que esteve na Alesp em “cinco oportunidades, em horários distintos” e também não teve retorno pelo celular.