Tim, Claro e Vivo desobedecem Anatel e travam acesso de internet para alunos pobres

Empresas se recusam a fornecer os chamados perfis elétricos (que carregam os dados nos chips) para os programas de conectividade dos estados de Amazonas e Alagoas

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Tim, Claro e Vivo desobedecem Anatel e travam acesso de internet para alunos pobres
Juliane do Carmo Ferreira e sua filha Ana Júlia fazem tarefas da escola da adolescente na estrada, que é o único local próximo de sua casa com pega sinal de celular; elas moram na zona rural da Fercal, região do DF – foto: Pedro Ladeira/Folhapress

PAULO SALDAÑA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As operadoras de telefonia Claro, Tim e Vivo têm desobedecido determinações da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e se recusam a vender linhas de dados de internet para atender a programas públicos de conectividade para alunos pobres e professores de redes públicas.

A agência já aplicou multa diária de R$ 50 mil por esse descumprimento e avalia levar o caso à Justiça e ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

As três empresas se recusam a fornecer os chamados perfis elétricos (que carregam os dados nos chips) para os programas de conectividade dos estados de Amazonas e Alagoas. Trata-se de uma conexão esperada para 650 mil alunos.

Esses projetos ocorrem no âmbito de lei federal que determinou o repasse de R$ 3,5 bilhões aos estados para garantir internet a 22 milhões de alunos pobres registrados no CadÚnico (usado no Bolsa Família) e a professores da rede pública. Os prejuízos de aprendizagem causados pelo fechamento das escolas na pandemia motivaram a criação da lei.

Alagoas e Amazonas fizeram licitações no ano passado, vencidas pela empresa Base Mobile. As contratações preveem fornecimento de acesso com filtro —que permita apenas o uso da internet para fins educacionais— e de chips universais. No modelo, é possível trocar de operadora remotamente com base na existência e na qualidade de cobertura na residência dos estudantes.

As empresas são contrárias a esses termos e se recusam a vender a preço de mercado as linhas de conexão. Além de Amazonas e Alagoas, a Base conquistou editais da Bahia, de Goiás e de um consórcio de redes de ensino de Santa Catarina. Nos três últimos casos, os projetos ainda estão sendo implementados.

Essas licitações, somadas, preveem internet para 1,2 milhão de estudantes dos ensinos fundamental e médio.
As operadoras questionaram as licitações e também entraram na Justiça —até agora, não conseguiram nenhuma decisão favorável. Um dos principais argumentos é de que a Base Mobile estaria fazendo revenda da conexão.

Em nota, as três companhias afirmaram que a empresa não tem autorização para fornecer internet móvel.

Os editais falam em contratações de softwares ou plataformas com exigência de controle de acesso somente para conteúdos educacionais, o que exige filtros. O Marco Civil da Internet veda que operadoras façam filtragem de conteúdos.

A Anatel, que regula o setor, refutou o entendimento das operadoras e determinou que elas fornecssem as linhas até 15 de abril, com multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento.

Após um novo recurso administrativo das três empresas, o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, manteve a decisão anterior, reafirmando a obrigação das operadoras em fornecer os acessos. Os despachos, de 28 de abril, ressaltam os riscos de impacto na “execução de política pública relevante”.

Os documentos, obtidos pela reportagem, destacam que os beneficiários são professores da rede pública e estudantes pobres e que o prazo para uso dos recursos é exíguo, já que a verba precisa ser usada até o fim do ano.

“Quem está sendo prejudicada é a sociedade brasileira”, disse à reportagem o presidente da Anatel. “Isso não é novidade para a Anatel, estamos acostumados a combater o abuso de poder econômico. Vamos esticar a corda e, institucionalmente, fazer valer essa política pública”.

A agência avalia acionar a AGU (Advocacia-Geral da União) para levar o caso à Justiça e também ao Cade.
Claro, Tim e Vivo controlam 98% do mercado nacional de telefonia móvel.

O presidente da Base Mobile, Rivaldo Paiva, diz ver ação coordenada das empresas, além de abuso econômico, e reafirma que os editais foram em busca das chamadas empresas de SVA (Serviço de Valor Agregado), não de operadoras.
“As empresas estão dizendo para a Anatel que é ilegal algo que a própria Anatel diz que é obrigação”, diz Paiva. “O que deveria estar acontecendo é uma concorrência entre elas, mas as empresas que têm concessões do Estado se recusam a fornecer. É como se eu vendesse um carro com tanque cheio para meu cliente e todas empresas de distribuição de combustível se recusassem a me vender gasolina.”

Os contratos de Amazonas e Alagoas valem R$ 109 milhões e R$ 60 milhões, respectivamente. Além de filtros de conteúdo e chips neutros, exigem controle e gestão de uso de dados.

A lei que destinou R$ 3,5 bilhões para conectividade dos alunos foi aprovada pelo Congresso em 2021 e vetada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). Os parlamentares, entretanto, derrubaram o veto e, no fim do ano passado, os recursos foram transferidos para os estados.

Em nota, a Claro reforçou o argumento de que a Base Mobile atua para revender o serviço móvel, o que seria ilegal. Também questionou a lisura das licitações de Amazonas —não há decisão final dos órgãos de controle nessa direção.

“O processo administrativo junto à Anatel encontra-se em andamento, e temos convicção que, quando da fase de produção de provas, restará reconhecido o modelo ilegal e clandestino”, diz nota da Claro.

A TIM afirmou, também em nota, que a Base Mobile não teria “outorga da Anatel para oferecer os serviços demandados pelos estados” e que aguarda a Justiça.

A Vivo também diz que os casos significariam revenda sem licença. Afirmou ainda que isso poderia representar riscos de controle, argumento também feito pela Claro, mas nos dois casos sem detalhes sobre quais seriam.

“A Vivo tem confiança na agência reguladora e acredita que, com os debates e comprovações técnicas nos foros de discussão já em andamento, será possível esclarecer a questão”, diz a nota.

As secretarias de Educação de Amazonas e Alagoas não responderam.

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