Exército do Níger apoia golpe e reduz expectativa de presidente voltar ao poder
Organização afirma que decidiu apoiar o golpe buscando "evitar um confronto mortal"
NIAMEI, NÍGER (FOLHAPRESS) – As Forças Armadas do Níger declararam nesta quinta-feira (27) apoio oficial ao golpe de Estado que depôs o presidente Mohamed Mazoum na véspera – diminuindo as chances de que o líder, o primeiro a ser eleito democraticamente no país do Sahel africano, retome o poder.
O anúncio foi feito em um comunicado assinado pelo chefe do Estado-Maior do Exército.
No texto, a organização afirma que decidiu apoiar o golpe buscando “preservar a integridade física” do presidente e de sua família e “evitar um confronto mortal” que poderia levar a um “banho de sangue e afetar a segurança da população”.
O golpe se deu na quarta-feira, quando membros da Guarda Presidencial isolaram o palácio que funciona como sede do governo e impediram a saída de Mazoum.
À noite, o coronel Amadou Abdramane, integrante da Força Aérea nacional, fez um pronunciamento televisivo em que afirmou que as forças de segurança haviam tomado o poder local, segundo ele uma reação ao aumento da violência e à má governança da administração democrática.
Sentado em um escritório e cercado por nove soldados fardados, ele ainda decretou o fechamento das fronteiras do país e suspendeu todas as atividades políticas, além de ter estabelecido um toque de recolher.
Na manhã daquele mesmo dia, a Presidência do Níger havia publicado um comunicado nas redes sociais em que afirmava que o Exército estava pronto para agir caso os guardas se recusassem a mudar de postura. A postagem foi depois apagada.
Nesta quinta, os militares anunciaram que respeitarão o bem-estar de Bazoum e desaconselharam qualquer tentativa de intervenção estrangeira.
Entre os organismos multilaterais que haviam condenado o golpe na quarta-feira estavam a ONU, a União Europeia, a União Africana e o Cedeao (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental).
Enquanto isso, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, exigiu a liberação imediata de Bazoum e afirmou que a parceria dos Estados Unidos com o Níger exigia que o país permanecesse uma democracia.
E o presidente do Benin, Patrice Talon, voou até o país vizinho para tentar mediar um acordo entre os militares e a Presidência – não se sabe se elas seguiam nesta quinta-feira.
Internamente, a situação segue indefinida. Nesta quinta-feira, Bazoum se comprometeu a proteger a democracia do país, “conquistada a duras penas”, em postagem em rede social.
O chefe do governo interino e também chanceler, Hassoumi Massoudou, apoiou o presidente deposto, e disse que “o poder legal e legítimo” ainda é exercido por ele.
No mesmo dia, porém, centenas de apoiadores dos militares se reuniram em frente à Assembleia Nacional na capital e tocaram canções a favor do Exército.
Em seguida, invadiram e atearam fogo à sede do partido do governo. Colunas de fumaça preta surgiram sobre o edifício, e os manifestantes foram dispersados com bombas de gás lacrimogêneo pela polícia.
Alguns dos presentes no ato portavam bandeiras da Rússia e entoavam slogans anti-França, um reflexo da crescente onda de ressentimento da população local contra o antigo poder colonial europeu.
O golpe no Níger, o sétimo da região nos últimos três anos, pode dificultar ainda mais as ações do governo de Emmanuel Macron e de outras potências ocidentais na área, aliás – o país era o maior parceiro do grupo no combate à migração irregular na África Subsaariana e às revoltas jihadistas que têm se espalhado por ali nos últimos anos.
“Bazoum era a única esperança do Ocidente na região do Sahel”, resumiu Ulf Laessing, chefe do programa para o Sahel do think-tank alemão Konrad-Adenauer-Stiftung, em entrevista à agência de notícias Reuters.
“A França, os EUA e a União Europeia gastaram muitos dos recursos voltados para a região para fortalecer o Níger e suas forças de segurança.
Nesse sentido, o Níger estaria trilhando o mesmo caminho que Mali e Burkina Fasso, tomados por militares nos últimos anos.
Ambos cortaram laços com seus tradicionais aliados ocidentais desde então. A França, que mantinha tropas em ambos os países, por exemplo, retirou-as de lá após crescentes tensões com as autoridades interinas – os soldados alocados no Mali haviam sido enviados justamente para o Níger no ano passado.
Abdramane afirmou que, na manhã desta quinta-feira, uma aeronave militar francesa aterrissou no país a despeito do fechamento do espaço aéreo que ele havia imposto na véspera. Os ministérios da Defesa e das Relações Exteriores da França não comentaram a informação.
Não se sabe, no entanto, se assim como Mali e Burkina Fasso, o Níger se aproximará da Rússia.
Embora vários dos presentes na manifestação em frente à Assembleia Nacional portassem bandeiras do país de Vladimir Putin, o chanceler russo, Serguei Lavrov, afirmou à agência de notícias estatal Tass que a ordem constitucional do país precisa ser restaurada.