Lula afirma haver ‘algumas confusões’ na América do Sul e prevê problemas políticos

Declarações do presidente foram feitas durante discurso a formandos do Instituto Rio Branco, a escola da diplomacia brasileira

Folhapress Folhapress -
Lula afirma haver ‘algumas confusões’ na América do Sul e prevê problemas políticos
Em reunião, foi destacada a necessidade de anunciar os resultados do governo (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

RENATO MACHADO

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta terça-feira (21) que há atualmente “algumas confusões na América do Sul”, sem citar nominalmente o presidente eleito da Argentina, Javier Milei.

Lula ainda acrescentou que haverá “problemas políticos” no futuro.

“Acho que estamos numa fase melhor de quando eu deixei a Presidência, se bem que estamos vivendo algumas confusões na América do Sul. Não é a mais a mesma de 2002, 2004 e 2006. Vamos ter problemas políticos”, afirmou.

“E ao invés de reclamarmos dos problemas políticos, nós temos que ser inteligentes e resolvê-los, tentar conversar, tentar fazer com que as pessoas aprendam a conviver democraticamente na adversidade”, completou.

As declarações do presidente foram feitas durante discurso a formandos do Instituto Rio Branco, a escola da diplomacia brasileira.

Como no dia em que a vitória do ultraliberal foi anunciada na Argentina, Lula não citou Milei diretamente. Afirmou que não precisa gostar de outros presidentes, mas acrescentou que é preciso negociação entre os países.

“Eu não tenho que gostar do presidente do Chile, da Argentina, da Venezuela. Ele não tem que ser meu amigo. Ele tem que ser presidente do país dele e eu tenho que ser presidente do meu país. Temos que ter política de Estado brasileiro, e ele, do Estado dele”, afirmou.

“Nós temos que sentar na mesa, cada um defendendo os seus interesses. Como não pode ter supremacia de um sobre o outro, nós temos que chegar a um acordo. Essa é a arte da democracia: nós temos que chegar a um acordo”, acrescentou.

O presidente ainda relembrou os seus mandatos anteriores, quando disse manter um bom relacionamento com o país vizinho.

“A Argentina é um país parceiro. Brasil tem uma relação extraordinária com a Argentina, foi o primeiro país que eu visitei [ao ser eleito], para dar demonstração em 2003 de que a gente ia ter uma forte política para América do Sul.”

O ultraliberal Javier Milei, 53, foi eleito presidente da Argentina no domingo (19), superando o candidato governista, o atual ministro da Economia, Sergio Massa.

Milei impôs ao peronismo sua quarta derrota em 40 anos de democracia.

Além de suas posições polêmicas sobre o Mercosul, clima e outros assuntos, Milei é mais alinhado politicamente ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Os dois conversaram por telefone nesta segunda-feira (20), quando o brasileiro o cumprimentou e disse ter sido convidado para a posse – Lula, por sua vez, não deve comparecer à cerimônia.

Por outro lado, Milei usou durante a sua campanha eleitoral uma retórica contra a esquerda mundial, inclusive com ataques pessoais a Lula.

Um dos momentos de maior tensão foi quando Milei chamou o petista de corrupto e comunista, além de acrescentar que não pretendia encontrá-lo, caso fosse eleito, durante entrevista a um jornalista peruano.

“Um comunista”, afirmou Milei, ao que o jornalista acrescentou: “E um grande corrupto, não?”.

“Por isso esteve preso”, respondeu Milei.

Cotada para chefiar o Ministério das Relações Exteriores argentino sob Milei, a economista Diana Mondino afirmou à agência de notícias russa RIA Novosti que seu país pretende “deixar de interagir” com os governos do Brasil e da China na segunda-feira (20).

Declarações nesse sentido haviam sido feitas pelo próprio Milei diversas vezes ao longo de sua campanha.

Sua justificativa para um eventual afastamento seria que os dois países – que são também os principais parceiros comerciais da Argentina – são comunistas.

Questionada sobre o tema pela Folha em outubro, antes do primeiro turno, Mondino havia dito que era preciso separar “governo, Estado e iniciativa privada”.

Segundo ela, apesar de não desejar proximidade com as administrações de Brasília e de Pequim, a gestão Milei não imporia “nenhum empecilho para que as partes privadas dos países façam comércio entre elas.”

Ainda à RIA Novosti, Mondino afirmou que a Argentina não pretende se juntar ao Brics, a despeito do convite feito pelo grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul após sua cúpula mais recente, em agosto – o presidente eleito também havia se oposto à entrada de Buenos Aires no bloco durante a campanha.

“Não entendemos qual é o benefício para a Argentina neste momento. Se mais tarde descobrirmos que ele existe, vamos analisá-lo”, disse a economista. “Não sei por que existe tanto interesse no Brics.”

A China, que na segunda havia enviado a Milei uma mensagem amena de congratulação pela vitória no pleito, mudou o tom nesta terça-feira (21) ao comentar as falas de Mondino.

Uma das porta-vozes da chancelaria de Pequim, Mao Ning – a mesma que na segunda afirmou que seu país “sempre atribuiu grande importância” às relações com Buenos Aires – disse que o país sul-americano cometeria “um grande erro” caso decidisse cortar laços com os chineses.

LULA CHORA EM CERIMÔNIA PARA FUTUROS DIPLOMATAS E DE EDUCAÇÃO

Durante a cerimônia no Palácio do Itamaraty, o presidente Lula ainda se emocionou e chorou ao relembrar a sua origem.

Isso aconteceu quando ele relatou a sua participação na cúpula do G7 em Évian, logo em que assumiu o governo pela primeira vez, em 2003.

Lula relatou que iria entrar para uma reunião com líderes que ele só via “pela televisão”, citando o então presidente americano George W. Bush e o primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair. Sentiu-se inicialmente intimidado.

“Aí me baixou uma coisa, que tem que nortear vocês [jovens diplomatas], que é não esquecer de quem vocês são, não esquecer o que vocês querem, porque a gente não compra nem honra nem caráter em shopping. A gente traz de família, a gente traz de berço”, afirmou o presidente, chorando, sendo aplaudido pelos presentes.

Depois, relatou, ele se recompôs e acrescentou ter se sentindo à vontade.

“Eu fiquei pensando: desses presidentes que estão aí, alguém já ficou desempregado, alguém já trabalhou em chão de fábrica, alguém já viveu num bairro que dava enchente, alguém já acordou com rato, com barata, com um metro de água de água dentro de casa, já passou fome, já morou na periferia de algum país? Eu vou falar o que eu sei falar”, completou.

A turma de formandos do Itamaraty decidiu homenagear Mônica de Menezes Campos, que foi a primeira diplomata negra do Ministério das Relações Exteriores.

Horas depois, em cerimônia no Palácio do Planalto, Lula voltou a se emocionar.

“Uma das coisas mais importantes que me fizeram voltar a disputar eleição para presidente neste país era para poder provar à sociedade brasileira que o papel de um governo não é governar”, disse.

“Governar não quer dizer nada. Fazer ponte, viaduto, estrada, fazer um monte de coisa é muito importante. Mas governar mesmo é você cuidar de gente, você cuidar de pessoas”, completou, com voz embargada.

A declaração ocorreu durante o lançamento do Plano de Afirmação e Fortalecimento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI).

Você tem WhatsApp ou Telegram? É só entrar em um dos grupos do Portal 6 para receber, em primeira mão, nossas principais notícias e reportagens. Basta clicar aqui e escolher.

PublicidadePublicidade