Projeto fragiliza licenciamento ambiental da BR-319 e acelera obras
PL que está sob relatoria de Beto Faro (PT)
JOÃO GABRIEL
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um projeto de lei que entrou na pauta da Comissão de Infraestrutura do Senado pode fragilizar o processo de licenciamento ambiental da BR-319, rodovia que corta a amazônia e é criticada por seus possíveis impactos negativos sobre a floresta e os povos indígenas da região.
A proposta, que está sob relatoria de Beto Faro (PT-PA), “reconhece a rodovia BR-319 como infraestrutura crítica, indispensável à segurança nacional, e estabelece a garantia de sua trafegabilidade”.
Na prática, esse status serve para que o licenciamento para a reconstrução da estrada avance mais rapidamente e que a obra seja colocada como uma prioridade do governo Lula (PT), que criou um grupo de trabalho para tratar do tema apenas com integrantes do Ministério dos Transportes.
“[A BR-319] é considerada de máxima prioridade para obtenção de autorizações, de licenças e de recursos necessários à sua repavimentação e à construção das [suas] infraestruturas”, diz o texto do projeto.
O projeto ainda determina que os licenciamentos de pequeno e médio porte relacionados à obra sejam feitos de maneira simplificada ou por atos de adesão e compromisso –mecanismo que não faz análise aprofundada de impactos ambientais.
A proposta já teve parecer favorável de Beto Faro e está pronto para votação no colegiado. Depois, ainda precisa passar pela Comissão de Meio Ambiente, pelo plenário e, se o texto for alterado pelos senadores, também pela Câmara dos Deputados.
Procurado pela reportagem, Faro defendeu a reconstrução da rodovia, feita na década de 1960. Evitou antecipar possíveis alterações no projeto, mas disse que atuará “para desenvolver o relatório mais coerente possível com as necessidades da região sem esquecer da preservação do meio ambiente”.
A BR-319 é criticada por ambientalistas. Ela corta a amazônia de Norte a Sul, de Porto Velho (RO) a Manaus (AM).
Seus estudos de impacto mostram que ela pode se transformar em um vetor para facilitar a entrada de criminosos na floresta amazônica, contribuindo para o desmatamento e a exploração ilegal de recursos naturais.
Indígenas da região também afirmam que não foram consultados como determina a Organização Internacional do Trabalho –na sua convenção 169, que é ratificada pelo Brasil. Portanto, não deram aval para que as obras da estrada aconteçam, como demanda a lei.
Atualmente, as duas pontas da estrada estão pavimentadas, mas o chamado trecho do meio é de terra e há um processo de licenciamento em curso para que ele seja reconstruído.
Na terça (11), o Ministério dos Transportes divulgou relatório consolidado sobre as discussões do grupo de trabalho.
De acordo com o documento, o GT concluiu que “existem elementos para garantir a viabilidade técnica e ambiental para a completa pavimentação da BR-319”.
“A implantação de 500 km de cercamento para garantir a preservação ambiental no trecho do meio e a instalação de 172 passagens de fauna ao longo da via são algumas características do projeto de engenharia que dão sustentação a essa conclusão”, diz o relatório.
“Importante ressaltar que, historicamente, a ausência de pavimentação não garantiu a preservação ambiental e o respeito às comunidades tradicionais na região. Pelo contrário, a pouca acessibilidade e, consequentemente, menor presença do Estado, reforçam a criminalidade e o desmatamento.”
Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) emitiu uma licença prévia para a repavimentação deste trecho –é a etapa inicial, mas uma das mais importantes, da autorização.
Mesmo sem a licença total para as obras, o Ibama já identificou que a BR-319 se tornou um vetor de desmatamento na região, como mostrou a Folha de S.Paulo. Agora, o instituto aguarda estudos de impacto ambiental do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura e Trânsito) para seguir com a análise.
A reconstrução da BR-319 é defendida por Lula e por seus ministros.
O Observatório da BR-319, organização que monitora as obras e os impactos da rodovia, criticou o projeto em uma nota técnica.
“O PL Nº 4.994/2023 não aborda adequadamente os riscos socioambientais decorrentes da repavimentação da BR-319, assim como, quais medidas devem ser previstas para evitar e mitigar tais impactos”, afirma o observatório.
A organização cita um estudo da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e do CPI (Iniciativa Política para o Clima, em inglês), que estima que a repavimentação pode ter impacto socioambiental em uma área de 300 km² ao redor da rodovia.
A nota pede que sejam incorporadas ao texto salvaguardas socioambientais para garantir o devido licenciamento ambiental.
O Observatório do Clima, também em uma nota técnica, aponta oito pontos problemáticos do projeto.
“[Na licença prévia] não há condicionantes que assegurem controle do desmatamento. Se não há condicionantes para efetivamente enfrentar o maior impacto ambiental previsto no processo, o empreendimento deveria ter sido considerado inviável. Por conseguinte, a LP [licença prévia] não poderia ter sido concedida”, diz a entidade.
Na análise da organização, ao afirmar que o poder público tem o “dever” de reconstruir a rodovia, o Legislativo estaria obrigando que os órgãos ambientais e indígenas (portanto, do Executivo) a dar aval para o empreendimento, independentemente de sua viabilidade.
Diz também que a previsão de licenças simplificadas apenas para as atividades de baixo e médio impacto envolvendo a BR-319 significam uma segmentação do empreendimento, o que é irregular.
“A intenção de se definir a BR-319 como infraestrutura crítica é essencialmente pressionar o Ibama a dar a licença para a reconstrução do trecho do meio da rodovia”, completa o observatório.