Após missão atribulada, cápsula da Boeing volta à Terra sem astronautas
Decisão da Nasa de não permitiu retorno dos astronautas Barry Eugene Wilmore e Sunita Williams a bordo da nave
SALVADOR NOGUEIRA
Terminou com final (mais ou menos) feliz no começo da madrugada deste sábado (7) a primeira missão tripulada da cápsula CST-100 Starliner, que acabou tripulada apenas na ida e retornou vazia à Terra.
O pouso ocorreu conforme o previsto, à 1h01 (de Brasília), no deserto de White Sands, no Novo México, nos Estados Unidos. A cápsula desenvolvida pela Boeing é a primeira americana projetada para realizar a descida em terra firme -toda as demais, do passado e do presente, faziam amerissagens (pousos no mar).
O início do retorno foi iniciado às 17h04 desta sexta (6), com a desacoplagem da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). Em razão dos problemas enfrentados com os propulsores auxiliares do módulo de serviço, que levaram à decisão da Nasa de não permitir o retorno dos astronautas Barry Eugene Wilmore e Sunita Williams a bordo da nave, o protocolo de partida foi modificado e simplificado.
O afastamento da estação foi feito de forma rápida, para minimizar o impacto sobre os propulsores.
Originalmente, se estivesse tripulada, a cápsula faria uma partida mais lenta, que incluiria um giro ao redor da ISS. Essa manobra, além de causar desgaste ainda maior nos propulsores, exigiria a presença da dupla a bordo para assumir controle manual caso houvesse algum imprevisto.
Após a conclusão do afastamento, a gerência da missão conduziu mais testes dos propulsores auxiliares, com disparos de apenas um décimo de segundo -coletando a maior quantidade de dados possível deles-, antes da manobra de freada para a reentrada na atmosfera.
Para sair de órbita, uma nave precisa essencialmente frear, o que faz sua curva de queda se acentuar.
Com isso, sua trajetória deixa de acompanhar a circunferência da Terra e se encaminha para baixo.
A freada em si no caso da Starliner foi feita com os quatro propulsores principais. A manobra foi iniciada à 0h17, levando a um pouso pouco mais de 40 minutos depois.
Nessa fase, os problemáticos propulsores auxiliares do módulo de serviço tiveram um papel importante a cumprir, para a orientação do veículo durante a manobra e para a separação da cápsula, que retornou sozinha à atmosfera. O módulo de serviço, também em queda, queimou na reentrada, como previsto.
O escudo térmico resistiu às altas temperaturas durante o mergulho atmosférico, após o que os paraquedas se abriram e fizeram seu serviço, viabilizando o pouso suave e controlado. Agora caberá à empresa e à agência espacial analisarem os dados de telemetria e confirmarem que tudo correu conforme o esperado.
O FUTURO INCERTO
O retorno bem-sucedido da Starliner pode acabar sendo o suficiente para viabilizar a certificação da cápsula e permitir que a Boeing inicie voos tripulados regulares à Estação Espacial Internacional. Mas não sem antes modificações que garantam que problemas não vão voltar a aparecer.
Para os vazamentos de hélio, a solução parece ser trocar o material de um dispositivo de vedação, talvez com alteração do design. “Uma das coisas que estamos olhando é um material diferente no selo e talvez um selo diferente, ligeiramente maior”, disse em entrevista coletiva Steve Stich, gerente do programa comercial tripulado da Nasa.
Com relação às falhas dos propulsores, embora um redesign não esteja descartado, o foco é mudar a forma como eles são disparados, de modo a evitar o superaquecimento. “A coisa mais simples a fazer é descobrir como baixamos a temperatura em que o propulsor está operando e talvez não dispará-lo de uma maneira que cause esse fenômeno de superaquecimento”, diz Stich.
Resta saber quanto vai custar à Boeing, em tempo e dinheiro, para efetuar essas modificações. A empresa já carrega nas costas prejuízo de US$ 1,6 bilhão com o projeto. E não será fácil recuperá-lo em voos futuros, até pelo tempo de vida estimado para a Estação Espacial Internacional.
No momento, o plano dos parceiros no projeto é encerrar suas operações em 2030. Mesmo que a Boeing seja certificada para futuras missões, é improvável que a primeira possa ser lançada antes do fim de 2025, talvez 2026. Várias das viagens requisitadas para troca de tripulações até 2030 já foram contratadas com a SpaceX. Voando uma vez por ano, talvez a Boeing tenha mais três ou quatro voos para fazer. É menos da metade do que a empresa de Elon Musk já fez -a um custo menor e sem prejuízos.
A pergunta que fica: a Boeing vai querer continuar? No que depender da Nasa, a resposta é sim. A agência deseja ter a concorrência e a redundância que o programa comercial oferece. Talvez possa tomar decisões para melhorar o cenário futuro para a Boeing, aumentando a demanda por missões. A própria estação espacial pode ganhar uma sobrevida. Futuros projetos de estações comerciais podem ganhar vida depois disso.
No momento, contudo, o mais certo é que o futuro da Starliner é incerto, mesmo com o pouso bem-sucedido deste sábado (7).
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