Atendimentos gratuitos: veterinários revelam drama que não para de crescer em Goiás
Seja de parentes, amigos, conhecidos ou até completos estranhos, pedidos são recorrentes na rotina de consultórios
Médicos veterinários recém-formados ou mesmo estudantes do curso relatam viver um drama que ultrapassa a fronteira do conhecimento e habilidades adquiridas ao longo dos cinco anos da faculdade. Rotineiramente são abordados por amigos, vizinhos e até pessoas desconhecidas para fazerem atendimentos gratuitos que passam desde consultas, exames a tratamentos completos. Em muitas ‘propostas’, tutores se esquivam de arcar até com o custo básico do medicamento.
Para conseguir o objetivo, alguns apelam para o lado emocional dos especialistas ao ponto de empurrar a responsabilidade caso o pior ocorra com o animal.
Yasmin Patrícia de Oliveira, de 26 anos, é um exemplo dessa realidade. Apaixonada pelos animais, dedicou cinco anos da vida ao curso de Medicina Veterinária. Com pós-graduação em curso, o investimento no estudo é para poder ajudar e oferecer uma melhor qualidade de vida aos pets.
Entretanto, o dia a dia da profissão é pautado por pedidos difíceis, mas que vendem facilidade: “Ah, mas é rapidinho”, “Poxa, mas só preciso da receita” e “Não pode nem dar uma olhadinha?”.
Em entrevista ao Portal 6, a jovem, que se formou no começo de 2023, garantiu que situações como essa acontecem diariamente. “Nem precisa ser parente, pode ser vizinho, conhecido, prima do amigo, se souberem que fez veterinária começam os pedidos, um mais descarado que o outro”, brincou.
Em uma dessas situações, Yasmin contou que um parente de um homem que trabalhava com o pai dela fez um pedido bastante ousado. “Ele pediu para eu ir fazer um procedimento de eutanásia, até aí tudo bem. Mas acontece que era no interior, roça mesmo, em um cachorro que estava com cinemose, uma doença muito grave. Mas além de não pagarem o transporte, não queriam pagar nem a medicação que iria precisar, muito menos o meu serviço. Acham que só porque a gente se importa com o bichinho vai aceitar qualquer coisa”, desabafou.
Ela, que trabalha em um estabelecimento particular e outro público (UPAVet), comentou que alguns tutores caminham para uma mobilização emocional e relevam o tempo, custo e estudo do profissional. “O que as pessoas não entendem é que, por mais que a gente se importe, ame muito os animaizinhos, não dá para a gente pagar para trabalhar. Pós-graduação, faculdade, equipamentos, medicações, o nosso tempo, tudo custou e custa muito”, frisou.
Yasmin ainda deixou claro que não condena os colegas que colocam o amor acima de questões monetárias. Ela mesma garantiu que atua na UPAVet justamente para ajudar a população mais carente. Entretanto, foi firme ao afirmar que há espaços adequados para tal.
“Não dá para banalizar. Meu conselho é, especialmente para quem acabou de formar, que tem hora e lugar para caridade. Quer ajudar quem precisa? Se voluntarie em projetos de castração, vai trabalhar na UPA.É sim importante. Agora o que não dá é para a gente tomar a responsabilidade de tutor que não entende o que é cuidar de um animal, aceitar trabalhar em lugar que remunera mal, isso só faz piorar a situação da classe [veterinária]”, finalizou.
Situação recorrente
Renata Rodrigues, veterinária há mais de sete anos em Anápolis, contou ao Portal 6 que não são só os ingressantes na profissão que sofrem com pedidos.
“Pode ser recém-formado, ou ter anos de carreira, a coisa não muda. Sempre tem alguém achando que, por dó ou pena, a gente é obrigado a cuidar e bancar o tratamento dos bichinhos”, contou.
Ela ainda admitiu que, em momentos da carreira, chegou a se compadecer de alguns tutores e pets, seja com descontos ou não cobrando a consulta, mas que, a experiência começa a ganhar escala.
“Você alivia de um lado, não cobra o atendimento, mas aí começam a pedir os exames de graça também, sempre é assim. Óbvio, se eu me comprometi a fazer por caridade e aceitei o paciente, dou o meu melhor, mas não é algo que eu faria novamente, pensando só com o coração”, disse.
Colaborou Karina Ribeiro