União Europeia quer usar até ‘camisola feminina’ para retaliar tarifas de Trump
Ofensiva vem logo após tarifa de 25% sobre importação de aço e alumínio nos EUA


JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Parte da ofensiva anunciada pela Comissão Europeia nesta terça-feira (12) contra a tarifa de 25% sobre aço e alumínio dos EUA, uma lista com produtos americanos que poderão ser retaliados pelo bloco impressiona pela extensão, 99 páginas, e abrangência: vai de produtos alimentícios a bebidas, passando por diversos tipos de madeira e itens inusitados de vestuário, como “camisola feminina”.
O documento estará em fase de consulta de países e empresas do bloco até 25 de março. Depois disso, integrarão uma segunda fase de retaliação às importações americanas, que pode alcançar a cifra de 26 bilhões de euros ou R$ 164,9 bilhões. A primeira fase está desenhada com produtos que já foram objeto de retaliação em 2018 em 2020, durante o primeiro mandato de Donald Trump, para os quais já há previsão legal: 8 bilhões de euros em motocicletas Harley-Davidson, uísque tipo bourbon e jeans.
“As contramedidas que tomamos hoje são fortes, mas proporcionais. Como os EUA estão aplicando tarifas no valor de US$ 28 bilhões, estamos respondendo com contramedidas no valor de 26 bilhões de euros”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em comunicado divulgado nesta manhã, horas depois das medidas americanas entrarem em vigor.
A preferência não é apenas por produtos icônicos dos EUA, mas também aqueles que são produzidos em estados com comando republicano, base política de Trump. “Nós adoramos soja, mas ficamos felizes em comprá-la do Brasil, da Argentina ou de qualquer outro lugar”, declarou um porta-voz da União Europeia, ao usar como exemplo o grão cultivado na Louisiana, o estado do presidente da Câmara americana, Mike Johnson.
“Tarifas são impostos. Elas são ruins para as empresas e ainda piores para os consumidores. Estão interrompendo as cadeias de suprimentos e trazem incertezas para a economia. Empregos estão em jogo. Os preços subirão. Na Europa e nos Estados Unidos”, resumiu Von der Leyen, até então muito cautelosa sobre o assunto.
A efetivação das alíquotas americanas, que também atingem o aço e o alumínio brasileiros, fez o bloco ser mais incisivo no tom dos discursos. António Costa, presidente do Conselho Europeu, e Olaf Scholz, primeiro-ministro alemão, expressaram em Berlim forte preocupação com a disputa comercial, que afeta mercados em quase todo o planeta e já deprime prognósticos de bancos e fundos de investimentos.
A ofensiva da União Europeia terá também disputas internas. França, Espanha e Itália foram os primeiros países a pedir modificações na lista de produtos americanos sujeitos a retaliação. Segundo a uma empresa do setor de bebidas, os três países já advogam a exclusão de vinhos e destilados, provavelmente preocupados com o efeito da guerra tarifária em seus conhecidos equivalentes, com grande peso nas exportações.
A relação de produtos elaborada por Bruxelas é detalhada e ampla. Começa com pintinhos vivos, diversos tipos de alimentos em diferentes estágios de processamento, leite e derivados, ovos, castanhas, frutas, grãos, cafés, rações, tabaco, cigarro eletrônico e cosméticos; inclui ainda plásticos de diversos tipos, madeiras, produtos de limpeza, tapeçaria e roupas; a parte de vestuário é exaustiva e contempla de roupas de esqui a mais de um tipo de lingerie.
Benjamin Haddad, o chanceler francês, afirmou que a lista é só o começo e que “a União Europeia pode ir além”. Em entrevista à emissora TF1, declarou que as medidas “são proporcionais”. “Se chegássemos a uma situação em que tivéssemos que ir além, serviços digitais ou propriedade intelectual poderiam ser incluídos”, declarou.
A frente digital vem sendo especulada desde a posse de Trump, em janeiro, quando as bich techs surpreenderam em atos públicos de adesão ao ideário trumpista. Mark Zuckerberg, da Meta, chegou a dizer que iria trabalhar “com o presidente Trump para pressionar os governos de todo o mundo que estão atacando as empresas americanas”.
O co-criador do Facebook mirava a recente legislação europeia, ainda em fase de instalação. A lei de serviços digitais (DSA) deve permitir que os europeus combatam o conteúdo ilegal e desinformação na internet, enquanto a lei de mercado digital (DMA) persegue monopólios. Em tese, as principais plataformas correm o risco de receber uma multa de até 6% de seu faturamento mundial no primeiro caso e de 10% no segundo. Elas também podem ser forçadas a reduzir suas atividades em solo europeu.
Parte dos analistas reputa o populismo transformado em discurso de liberdade de expressão de figuras como Elon Musk e o vice-presidente americano, J.D.Vance, ao potencial estrago que as empresas americanas podem sofrer se a legislação europeia for levada a cabo.