Professores desenvolvem técnicas que identificam trapaças com o ChatGPT

Sem softwares eficazes contra textos gerados por IA, docentes recorrem a armadilhas criativas para flagrar o uso indevido da tecnologia em trabalhos acadêmicos

Isabella Valverde Isabella Valverde -
Professores desenvolvem técnicas que identificam trapaças com o ChatGPT
(Foto: Ilustração/Pexels)

Quando a inteligência artificial começou a produzir textos quase indistinguíveis dos escritos humanos, professores universitários se viram diante de um problema inédito: como identificar fraudes que não deixam rastros evidentes? Em uma universidade dos Estados Unidos, um docente de História decidiu enfrentar o desafio com engenhosidade — e um método tão simples quanto inesperado.

Desde a primavera de 2023, ele percebeu um crescimento abrupto de trabalhos que soavam “bons demais” para alunos do primeiro ano. Diferentemente do plágio tradicional, facilmente detectado por ferramentas conhecidas, os textos produzidos por sistemas como o ChatGPT passavam ilesos por qualquer verificação técnica. Sem apoio tecnológico, o professor criou sua própria armadilha.

A estratégia consistia em inserir, no enunciado das atividades, trechos invisíveis ao olho humano, mas plenamente legíveis para sistemas de IA. Esses fragmentos continham instruções adicionais e propositalmente deslocadas do conteúdo solicitado, como a exigência de uma análise baseada no marxismo — abordagem que não fazia sentido no contexto da obra estudada.

O teste foi aplicado em um trabalho sobre Gabriel’s Rebellion, livro que retrata uma tentativa de revolta de pessoas escravizadas no ano de 1800. O resultado chamou atenção: de 122 redações entregues, 33 repetiam de forma consistente o mesmo enquadramento marxista, acionando o “gatilho” inserido secretamente no enunciado.

Após um apelo coletivo à honestidade, outros 14 estudantes admitiram ter recorrido à inteligência artificial. Ao final, quase 39% dos trabalhos estavam direta ou indiretamente envolvidos com o uso de IA. Alguns alunos contestaram, alegando que estavam sendo penalizados por escrever “bem demais”, mas não conseguiram explicar o conceito de marxismo nem justificar sua presença no texto.

Segundo o professor, em alguns casos o próprio gerador de IA chegou a questionar se aquela abordagem deveria ser aplicada. Ainda assim, estudantes confirmaram a escolha apenas porque “soava acadêmica”, revelando um distanciamento claro entre o conteúdo entregue e sua real compreensão.

O episódio aprofundou um debate que já divide o ensino superior. Entidades como a American Historical Association defendem que o foco deve estar na formação crítica sobre textos produzidos por máquinas, e não na simples proibição do uso. Para o docente, porém, essa orientação esbarra em um dilema prático: como avaliar criticamente um texto quando o próprio aluno não domina os fundamentos do que foi escrito?

Sem regras unificadas entre as instituições, cresce a sensação de insegurança. Muitos estudantes afirmam não saber exatamente onde termina o apoio tecnológico e começa a fraude, enxergando a IA como uma ferramenta de auxílio à escrita — e não como substituta do esforço intelectual.

Em vez de punições formais, o professor optou por uma abordagem pedagógica. Os alunos envolvidos receberam a tarefa de analisar um ensaio crítico sobre inteligência artificial, escrito por um professor de filosofia. O detalhe é que esse novo texto também continha uma armadilha semelhante.

Dos 47 estudantes inicialmente identificados, 36 entregaram o segundo trabalho. Apenas um voltou a usar IA. Outros abandonaram o curso ao longo do processo. Entre os textos finais, surgiram reflexões pessoais e um sentimento recorrente: o medo de não escrever bem sem ajuda da tecnologia — um sinal claro de como a inteligência artificial já impacta a confiança, a autonomia e a formação acadêmica de toda uma geração.

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Isabella Valverde

Isabella Valverde

Jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, com passagens por veículos como a TV Anhanguera, afiliada da TV Globo no estado. É editora do Portal 6 e especialista em SEO e mídias sociais, atuando na integração entre jornalismo de qualidade e estratégias digitais para ampliar o alcance e o engajamento das notícias.

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