Governo reconhece oferta da Pfizer por vacinas, mas diz que acordo causaria ‘frustração’ a brasileiros
Natália Cancian, do DF – O governo federal divulgou uma nota neste sábado (23), por meio do Ministério da Saúde, em que reconhece ter recusado tentativas iniciais da Pfizer de avançar nas negociações sobre a oferta de vacinas e diz que um acordo com a empresa “causaria frustração em todos os brasileiros”.
O motivo seria o fato de que empresa, que desenvolveu uma vacina em conjunto com a BioNTech, previa entrega de 2 milhões de doses no primeiro trimestre, “número considerado insuficiente pelo Brasil.”
O total, porém, é o exatamente o mesmo que foi importado da vacina de Oxford pela Fiocruz na sexta-feira (22), em meio a celebrações do Ministério da Saúde.
Para a pasta, porém, as doses da Pfizer “seriam mais uma conquista de marketing, branding e growth para a produtora de vacina, como já vem acontecendo em outros países”.
“Já para o Brasil, causaria frustração em todos os brasileiros, pois teríamos, com poucas doses, que escolher, num país continental com mais de 212 milhões de habitantes, quem seriam os eleitos a receberem a vacina”, informa a nota, divulgada tanto pelo ministério quanto pelo Palácio do Planalto.
O posicionamento ocorre após a “CNN Brasil” divulgar uma carta encaminhada pelo CEO mundial da Pfizer, Albert Bourla, ao presidente Jair Bolsonaro e alguns ministros em 12 de setembro.
O documento mostra que a empresa fez um apelo para que o governo fosse célere em fechar um acordo com a empresa devido à alta demanda mundial pela vacina.
“Quero fazer todos os esforços possíveis para garantir que doses de nossa futura vacina sejam reservadas para a população brasileira, porém celeridade é crucial devido à alta demanda de outros países e ao número limitado de doses em 2020”, dizia o documento, segundo divulgado pela emissora.
Em nota, o governo confirma ter recebido a carta e ter feito reuniões com a empresa, mas diz que “cláusulas leoninas e abusivas que foram estabelecidas pelo laboratório criam uma barreira de negociação e compra”.
Entre as cláusulas, estão que o Brasil fizesse um fundo garantidor em conta no exterior e que fosse assinado um termo que isentasse a empresa de responsabilidade por eventuais efeitos da vacina.
O governo também aponta como impeditivo a opção da empresa para que a solução de possíveis conflitos fosse com base em leis de Nova York. E volta a citar a quantidade de vacinas, prevista de 500 mil doses no primeiro e segundo lote e de 1 milhão no terceiro -chegando, assim, a 2 milhões iniciais.
A nota, porém, não informa o total que era negociado junto à empresa, previsto em 70 milhões de doses.
Para o governo, “representantes da Pfizer tentam desconstruir um trabalho de imunização que já está acontecendo em todo o país, criando situações constrangedoras para o governo brasileiro, que não aceitarão (sic) imposições de mercado”.
Como argumento, o governo cita o total de contratos já obtidos de vacinas, que envolvem 354 milhões de doses -destes, no entanto, boa parte ainda são dependentes da liberação de insumos da China para que possa haver produção no Brasil.
Em meio às críticas, a nota diz ainda que “em nenhum momento fechou as portas para a Pfizer”, mas que aguarda “posicionamento diferente do laboratório”.
“Merece destaque o fato de que, além dos aspectos já citados, é a única vacina que precisa ser armazenada e transportada entre -70°C e -80°C, prevendo um intervalo de três semanas entre primeira e segunda doses. Além disso, o laboratório não disponibiliza o diluente para cada dose -que ficaria a cargo do comprador.”
“Além disso, a Pfizer ainda não apresentou sequer a minuta do seu contrato -conforme solicitado em oportunidades anteriores e, em particular na reunião ocorrida na manhã de 19 de janeiro- e tampouco tem uma data de previsão de protocolo da solicitação de autorização para uso emergencial ou mesmo o registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária”.
Questionada pela reportagem sobre a nota do governo, a Pfizer não respondeu até o momento. Nos últimos dias, a empresa tem informado que as cláusulas seguem o modelo de contratos com outros países.
Nos bastidores, a empresa tem apontado ainda que só deve pedir aval para uso emergencial de doses de vacinas no Brasil caso tiver um contrato fechado com o governo.