Itália se prepara para eleger presidente de olho em risco para governo do premiê

Para além das torcidas e preferências pessoais, ninguém arrisca dizer qual será o resultado

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Itália se prepara para eleger presidente de olho em risco para governo do premiê
Sergio Mattarella, Presidente da República Italiana, na Festa da República Italiana, feriado nacional da Itália celebrado anualmente em 2 de junho. (Foto: Eldio Suzano/Fotoarena/Folhapress)

Michele Oliveira, de Milão – Depois de um ano de relativa calmaria, a política italiana se prepara para dias agitados. Na próxima segunda-feira (24), está marcado o início da eleição do 13º presidente da República, em substituição a Sergio Mattarella, 80, cujo mandato de sete anos chega ao fim no dia 3 de fevereiro.

O resultado é imprevisível, seja porque a escolha —realizada pelo Parlamento e por representantes estaduais— passa pela fragmentação do sistema partidário italiano, seja porque as regras da votação propiciam situações inesperadas. Para começar, não existem pré-candidaturas. Os 1.009 “grandes eleitores”, como são chamados os deputados, senadores e delegados regionais, podem escolher qualquer cidadão italiano com 50 anos completos e que goze dos direitos políticos e civis.

Para o voto secreto, cada um recebe uma cédula em branco, na qual pode escrever o que quiser —inclusive piadinhas. Todas elas depois serão lidas em voz alta no plenário pelo presidente da Câmara, responsável pela apuração.

Sai vencedor o nome que obtiver dois terços dos votos (673). Se ninguém conseguir a marca até o terceiro escrutínio, a partir do quarto passa a valer a maioria absoluta (505). Não há limite para o número de votações; em 1971, por exemplo, foram necessárias 23 delas para a eleição do presidente Giovanni Leone, o recorde até hoje. Em geral, acontece uma sessão por dia.

“O voto para o presidente da República é tipo um conclave para a escolha do papa, porque não tem uma lista de candidatos e é possível escolher qualquer um, com requisitos muito abertos”, diz Alfonso Celotto, professor de direito constitucional da Universidade Roma Tre. “Os partidos até indicam seus nomes, mas, sendo o voto secreto, muito frequentemente esses nomes não são eleitos.”

O especialista lembra que, em 2015, Mattarella saiu vencedor, surpreendentemente, na quarta votação, sem que seu nome tivesse feito parte das especulações públicas nas semanas precedentes.

Se o clima de surpresa permanece, não se pode dizer o mesmo da situação dos partidos. “É uma eleição muito mais complicada do que a anterior. Há sete anos, havia uma sigla dominante, o Partido Democrático, que tinha, com seus aliados, a maioria dos votos e podia decidir independentemente”, avalia o cientista político Piero Ignazi, professor da Universidade de Bolonha.

“Hoje, existem dois lados quase equivalentes, esquerda e direita, e nenhum deles tem votos para eleger autonomamente o seu candidato. E são muitos os deputados que estão no centro e podem determinar a escolha em uma direção ou em outra.” Segundo projeções do jornal Corriere della Sera, o bloco de centro-direita somaria 450 votos, e o de centro-esquerda, 420.

Foi justamente essa fragmentação que levou o economista Mario Draghi, 74, ao cargo de primeiro-ministro, em fevereiro de 2021. Sem partido, ele foi indicado por Mattarella depois que Giuseppe Conte viu seu segundo governo ruir, devido à saída de um partido nanico da maioria que o sustentava no Parlamento.

Com a missão de conduzir a campanha de vacinação contra a Covid-19, que até então patinava, e principalmente o plano de recuperação econômica da pandemia, com recursos da União Europeia, o ex-presidente do Banco Central Europeu formou —e conseguiu manter— uma ampla coalizão, da direita à esquerda, com exceção apenas do partido Irmãos da Itália, de ultradireita.

Um ano depois, o país conta com 80% da população total vacinada (45% também já tomaram a dose de reforço), e a estimativa é que o PIB tenha crescido 6,3% em 2021. Em dezembro, a Itália foi escolhida pela revista The Economist como o país do ano.

Por tudo isso, o nome de Draghi circula como um dos mais adequados para ocupar o Palácio do Quirinal, como é chamada a residência do presidente da República. O principal compromisso do futuro eleito será continuar propiciando as condições que levem à saída da crise sanitária e econômica. Ao trocar o posto de primeiro-ministro pelo de presidente —de chefe de governo pelo de chefe de Estado—, seus poderes passariam a incidir sobre o Legislativo e o Judiciário, além do Executivo.

“A Presidência da República italiana é um poder de garantia que faz a interlocução, colabora e controla os três Poderes tradicionais. Acima de tudo, tem duas funções importantíssimas: a nomeação do premiê e de seus ministros e uma eventual dissolução antecipada do Parlamento”, explica Celotto. Por isso, diferentemente de outras democracias parlamentaristas, em que o cargo é mais institucional, no país seu ocupante não pode ser considerado uma “rainha da Inglaterra”.

Draghi, que, apesar do perfil discreto e de ter vetado perguntas sobre o Quirinal em sua última entrevista a jornalistas, convocada há uma semana para falar da pandemia, sinalizou disponibilidade para o cargo, ao dizer, em dezembro, que é “um homem, um avô, a serviço das instituições”.

Caso isso aconteça, será a primeira vez na história da República italiana, nascida em 1946, que um primeiro-ministro se tornará presidente. “Se Draghi for eleito, ele tem que se demitir do cargo, porque o posto de presidente é incompatível com qualquer outro. Em seguida, inacreditavelmente, ele mesmo deve indicar um novo primeiro-ministro para formar o novo governo.”

Esse nome conduziria o Executivo até o fim desta legislatura, em 2023. Se o eventual futuro premiê não conseguir obter o apoio de uma maioria no Parlamento, é possível que haja a necessidade da convocação de eleições antecipadas. Mas esse cenário parece pouco provável, porque, a partir da próxima eleição legislativa, graças a uma reforma aprovada em referendo de 2020, as vagas no Parlamento terão um corte de 345 cadeiras —e nenhum partido parece interessado em correr esse risco.

Por essas e outras, há quem defenda a continuidade de Mattarella no cargo, e, consequentemente, a de Draghi como premiê. A Constituição não veta a reeleição do presidente, mas o desfecho é considerado excepcional e só aconteceu uma vez, em 2013. Na ocasião, Giorgio Napolitano aceitou a recondução para estabilizar a política depois da eleição de Matteo Renzi como premiê, mas se demitiu dois anos depois, aos 89 anos, alegando dificuldades por causa da idade e a vontade de ficar com a família.

“Confirmar Mattarella no cargo significaria não mexer em nada, a solução mais simples. Mas não seria oportuno nem elegante, numa democracia, um presidente ficar por 14 anos no cargo sem alternância”, afirma Celotto.

Ex-juiz constitucional e ministro em três ocasiões entre 1987 e 2001, Mattarella termina seu mandato com incomum aprovação entre os partidos e a opinião pública. “É um dos presidentes de maior consenso. Demonstrou grande equilíbrio, capacidade de diálogo com todos, intervenções sempre sob medida e enorme respeito pelas prerrogativas constitucionais do cargo”, avalia o cientista político Ignazi.

O próprio, porém, já disse explicitamente não estar disponível para um segundo mandato, o que, no entanto, não impediria que ele fosse escolhido pelo Parlamento —nunca um eleito recusou assumir a Presidência italiana.

A movimentação, porém, tem sido vista como uma espécie de homenagem aos últimos momentos da carreira política dele, ex-primeiro-ministro por quatro vezes. “Não vejo Berlusconi como possibilidade concreta por muitas razões. Além de ter um perfil divisivo, tem uma condenação por crimes fiscais e um comportamento na esfera privada totalmente inapropriado para um papel institucional”, diz Ignazi.

A semana que começa promete ser, entre os líderes partidários, de cálculos táticos e tentativas de consolidar, nos bastidores, candidatos para o dia 24. Além desses três nomes —Draghi, Mattarella e Berlusconi—, o jornal La Repubblica listou outros nove possíveis, incluindo três mulheres.

Para além das torcidas e preferências pessoais, ninguém arrisca dizer qual será o resultado. “A esse ponto, é como prever quem vai ganhar a Copa do Mundo, seria necessário um adivinho. As eleições para presidente da Itália são cheias de surpresa, e esses certamente serão dias emocionantes.”

COMO É A ELEIÇÃO NA ITÁLIA

  • pleito indireto

    Parlamentares e representantes dos estados se reunirão para eleger o 13º presidente da República da Itália, que tem mandato de sete anos

  • quantos e quando

    Chamados de “grandes eleitores”, deputados (630), senadores (321) e representantes regionais (58) somam 1.009 votos. A primeira sessão de votação está marcada para o dia 24 de janeiro, na Câmara

  • quem concorre

    Não há uma lista de pré-candidatos. Os “grandes eleitores” recebem uma cédula em branco e podem indicar, escrevendo à mão, qualquer cidadão italiano com 50 anos completos e direitos civis e políticos

  • quem ganha

    Pela Constituição, vence quem obtiver dois terços dos votos (se 1.009 presentes, 673 votos). A partir da quarta votação, a maioria necessária passa a ser absoluta (se 1.009, 505 votos). A votação é repetida sem limite, até que um nome atinja a quantidade mínima exigida de votos. Em geral, cada sessão acontece em um dia. Em 1971, foram necessárias 23 votações para eleger o presidente

  • o cargo

    O presidente da República da Itália é o chefe de Estado e representa a unidade nacional. Entre suas atribuições mais importantes estão a de dissolver o Parlamento e a de indicar o primeiro-ministro, que é o chefe de governo

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