Putin faz manobras militares em uma nova frente contra a Ucrânia
Território é um encrave separatista pró-Rússia na Moldova, uma antiga república soviética
IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Depois de fazer manobras militares em Belarus, na Crimeia e junto ao leste ucraniano, o governo de Vladimir Putin abriu uma nova frente de pressão sobre Kiev: promoveu um raro exercício com tropas russas estacionadas na Transdnístria.
O território é um encrave separatista pró-Rússia na Moldova, uma antiga república soviética, e fica espremido entre o país e a Ucrânia. Desde 1992 é autônomo, e tem seu status garantido por tropas do Kremlin.
Com isso, é aberta uma quarta frente de preocupações para o Ocidente, que teme uma invasão russa que Putin nega ter interesse em promover. Diferentemente das manobras anteriores, a movimentação na Transdnístria gera medo não de uma invasão, mas sim da busca de um precedente para guerra.
Isso porque a região de 500 mil habitantes, 2/3 deles russos étnicos, conhecida como “a última república soviética” por manter símbolos do império comunista, não tem em tese musculatura militar para fazer qualquer ameaça à Ucrânia.
Estão baseados lá cerca de 1.500 soldados, 440 deles integrantes de uma força de paz e os restantes, responsáveis por guardar uma grande quantidade de armas no local.
Estão armados com pouco mais de cem blindados e um punhado de helicópteros. Mas o que eles, em número incerto, treinaram, chama a atenção: invasão de forças estrangeiras.
Nos meios militares ocidentais e ucranianos, há o temor de que a Rússia use uma operação de “bandeira falsa”, quando forças suas se infiltram clandestinamente no território adversário e promoveu um ataque de mentira contra suas próprias tropas.
Um lugar ermo, que só ficou conhecido recentemente por abrigar um time que chegou à fase final da Champions League, seria o palco ideal de tal movimentação.
“Os militares praticaram movimentação sob cobertura, disfarces improvisados e posições de tiro”, disse um comunicado do Ministério da Defesa.
A Moldova é um dos países da antiga periferia soviética que tem dado dor de cabeça a Putin. Sua presidente eleita em 2020, Maia Sandu, tem pedido reiteradamente a saída dos russos e a reintegração da Transdnístria a seu território.
As manobras militares seguem em Belarus, ditadura aliada de Moscou que estreitou seus laços após protestos grandes da oposição em 2020. Já as forças na Crimeia e no leste da Ucrânia encerraram seus exercícios, voltando para as posições próximas às fronteiras que tanto assustam o Ocidente.
Leia também
Desde que movimentou mais de 100 mil soldados em torno da Ucrânia, Putin tem dado as cartas na complexa crise do Leste Europeu. Um problema remanescente de 2014, quando anexou a Crimeia, as áreas pró-Rússia dominadas por rebeldes no leste ucraniano, foi ampliado para uma tentativa de redesenhar a segurança europeia.
O Kremlin emitiu um ultimato exigindo que a Otan, a aliança militar liderada pelos EUA que expandiu-se a leste depois da Guerra Fria, retirasse suas forças ofensivas de países ex-comunistas absorvidos desde 1997. E que se comprometesse a nunca deixar a Ucrânia entrar no clube.
Na prática, Kiev já estará excluída por muito tempo devido a seus problemas territoriais com a Rússia. É verdade que a Estônia também tinha desavenças fronteiriças com Moscou quando aderiu à Otan em 2004, mas o tempo era outro e a contenda nunca chegou às vias de fato.
Seja como for, Putin deixou claro seu imperativo estratégico de não querer forças rivais às suas portas. Os EUA e a Otan rechaçaram a proposta, deixando abertas outras vias de negociação, numa troca diplomática que tem capítulos diários -na segunda, o ringue foi o Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Nesta terça, haverá mais uma conversa entre os chefes das diplomacias russa e americana, Serguei Lavrov e Antony Blinken, respectivamente. E Putin recebe no Kremlin Viktor Orbán, o polêmico premiê húngaro que sempre esteve próximo de Moscou -gerando críticas previsíveis em toda a Europa.
A agência russa Interfax diz que Orbán pediu o incremento no fornecimento de gás natural russo à Hungria. Cerca de 40% do produto consumido na União Europeia vem do país de Putin, o que leva a posições mais cautelosas na crise de nações centrais, como a Alemanha.
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, tem viagem marcada para visitar Putin e, talvez, Orbán em meados deste mês. A diplomacia americana tem tentado dissuadi-lo disso, alegando o mau momento político e a sinalização de apoio ao russo -o Planalto rejeita a pressão, lembrando que foi convidado a ir.