Empresa ligada a secretário do governo Bolsonaro atuou em convênio com Sheik

Pasta tocada por Castro também autorizou que o instituto de Sheik captasse R$ 11,5 milhões por meio da lei de incentivo ao esporte, em oito projetos apresentados ao governo federal.

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Bolsonaro e Emerson Sheik (Foto:  Reprodução/Folhapress)
Bolsonaro e Emerson Sheik (Foto: Reprodução/Folhapress)

(FOLHAPRESS) – Uma empresa ligada a um secretário da pasta do Esporte do governo Jair Bolsonaro (PL) prestou consultoria ao Instituto Emerson Sheik no processo de obtenção de um convênio de R$ 2,7 milhões.

Leonardo Castro ocupava o cargo na época, ao mesmo tempo em que a IRJ Sports, consultoria especializada em projetos esportivos fundada por ele, atuava com burocracias do projeto do ex-jogador nas tratativas com o governo.

A pasta tocada por Castro também autorizou que o instituto de Sheik captasse R$ 11,5 milhões por meio da lei de incentivo ao esporte, em oito projetos apresentados ao governo federal. O ex-secretário diz que não sabia da atuação da IRJ Sports no caso, mas que não vê impedimentos.

Como a Folha de S.Paulo revelou nesta terça-feira (5), Sheik assumiu uma “ONG de prateleira” para firmar o convênio com a Secretaria Especial do Esporte. O objetivo era cumprir uma exigência legal de existência de três anos da entidade para firmar acordos do tipo com a União.

Uma semana após ser procurado pela reportagem, porém, Sheik decidiu pedir o cancelamento da parceria ao governo no último dia 1º e citou “mudanças internas na entidade que impossibilitariam o cumprimento do objeto da proposta”.

A verba para a entidade do ex-jogador havia sido reservada por meio de uma emenda da bancada do Rio de Janeiro a pedido do deputado Hélio Lopes (PL-RJ), um dos mais próximos do presidente Jair Bolsonaro.

A IRJ foi fundada por Castro em 2014. Ele se desvinculou formalmente da empresa em maio de 2018, quando assumiu pela primeira vez o cargo no governo federal até janeiro de 2019.

O empresário retornou à pasta em março de 2020, onde permaneceu até dezembro do ano passado. A data de sua saída do posto coincide com o dia da assinatura do convênio do instituto de Sheik com a União.

Apesar do desligamento da empresa em 2018, Castro manteve vínculos com a IRJ no período em que estava no governo.

O irmão do ex-secretário, Frederico Castro, prestou serviços para a empresa até agosto de 2021. Leonardo Castro também era o proprietário da sala onde funciona a sede da firma até maio de 2020. Ele a vendeu para a própria empresa por R$ 300 mil.

No período em que esteve fora do governo, entre fevereiro de 2019 e março de 2020, Castro voltou a prestar serviços para IRJ. Uma ata da Secretaria Especial Esportes mostra ele participando de uma reunião na pasta representando a empresa em setembro de 2019.

Informações colhidas pela reportagem indicam que o ex-secretário voltou a trabalhar de novo na empresa.

A Folha ligou duas vezes para a IRJ na semana passada à procura de Leonardo Castro. O atendente disse que o ex-secretário não estava naquele momento, mas que retornaria. Depois disso, a reportagem foi ao local, onde o entrevistou.

Castro disse que apenas negocia seu retorno à empresa após autorização da Comissão de Ética Pública da Presidência. Ele afirmou que não tinha conhecimento sobre a atuação da IRJ em favor de Sheik, mas declarou não ver impedimento em atuar em casos envolvendo a empresa.

“Não influencia pela minha índole. E também nem tinha como influenciar porque tudo que poderia ser influenciável tratamos para que não fosse. […] A lei de incentivo tinha um problema grave de fila de processos. Um processo levava mais de um ano para ser avalizado. Hoje leva um mês. Ninguém precisa pedir favor a ninguém. Posso ser culpado de ter diminuído o prazo para todos. Aí sou culpado”, afirmou o ex-secretário.

Pela lei de incentivo, a verba destinada à entidade tem como origem empresas que podem abater o patrocínio no pagamento de impostos. Já o convênio tem como fonte dos recursos o Orçamento da União.

Castro deixou o posto no mesmo dia em que Sheik garantiu a aprovação de sua proposta de convênio de R$ 2,7 milhões junto ao governo, em 27 de dezembro do ano passado. Ele nega qualquer relação entre os fatos.
A definição dos valores de convênios com entidades sem fins lucrativos tem como base cotações de preços feitas pela própria ONG. Ela precisa apresentar três propostas para cada serviço a ser executado.

No caso do instituto de Sheik, a IRJ foi responsável por apresentar o menor orçamento para dez serviços para a execução do convênio, que incluem a disponibilização de coordenadores, instrutores e monitores de atividades esportivas, além de analista administrativo. O total apresentado soma R$ 1,34 milhões, metade de todo o valor do convênio.

As outras duas empresas que apresentaram cotações nos mesmos dez serviços têm vínculos com a própria IRJ.
A Gial Sports está no nome de Frederico Castro, irmão de Leonardo Castro. Em seu perfil no Facebook, ele se intitula como gestor de projetos incentivados da IRJ Sports. Questionado pela Folha, ele disse que trabalhou como prestador de serviços da empresa de 2014 até pelo menos a metade do ano passado.

O terceiro orçamento foi apresentado pela empresa Leardini Life Sports, que está em nome de Fábio Leardini, que atuou como analista de projetos sênior da IRJ. Ele não respondeu aos contatos da reportagem.

O cadastro do instituto do ex-jogador na plataforma de convênios do governo federal inclui dados de Marcelo Fernandes, atual dono da empresa IRJ Sports.

Fernandes também tratou da estruturação do projeto proposto por Sheik com a equipe do gabinete do deputado Hélio Lopes.

Ex-secretário diz que não atuou em projetos de ex-jogador no governo Leonardo Castro afirmou que não sabia da atuação da IRJ Sports em favor do instituto de Sheik. Mas disse não ver impedimento, ainda que soubesse, em atuar em casos envolvendo a empresa que fundou.

Questionado sobre o vaivém no governo e na iniciativa privada, Castro disse realizar um trabalho técnico em ambos os setores.

“Não sou político. O poder público precisa buscar no mercado cada vez mais pessoas capacitadas para gerir aquilo ali. Se olhar para trás, tínhamos ‘n’ problemas com a lei de incentivo porque não tinha ninguém de mercado, só político ocupando cargo técnico. Quando uma pessoa técnica passou a ocupar um cargo técnico, começamos a ter uma evolução na lei de incentivo.”

A análise técnica das propostas cabe à Secretaria de Incentivo ao Esporte, então comandada por Castro.

O aval para a obtenção dos recursos é feito por uma comissão formada por indicados pelo governo e pelo Conselho Nacional dos Esportes. A pasta também acompanha a prestação de contas do projeto, avaliando o cumprimento de metas.

“A lei de incentivo tinha um problema grave de fila de processos. Um processo levava mais de um ano para ser avalizado. Hoje leva um mês. Ninguém precisa pedir favor a ninguém. Posso ser culpado de ter diminuído o prazo para todos. Aí sou culpado”, afirma o ex-secretário.

Ele enfatiza que a aprovação de projetos para captação passa pela área técnica e por uma comissão independente do secretário.

“É uma análise de documento. Nem nisso interfiro. A comissão técnica que tem a palavra final sobre o projeto X ou Y. Quem me conhece sabe o quanto eu sou chato em relação a isso. A não ter jeitinho para nada, a fazer as coisas corretas. Quando criei a IRJ foi com esse perfil e levo ele para onde vou”, disse.

“Não nego minha relação com a IRJ. Eu fundei a empresa. Foram meus trabalhos na IRJ e no Flamengo que me levaram a ser capacitado a gerir a lei de incentivo federal. Acham que vou me queimar por tão pouco?”

Castro disse que a empresa utilizou gratuitamente a sala de sua propriedade entre maio de 2018 e maio de 2020, quando se desligou da empresa para a primeira passagem no governo federal. O combinado com os novos donos, disse ele, era juntar recursos para adquirir o imóvel no período.

Newsletter FolhaJus+ Receba no seu email as notícias sobre o cenário jurídico e conteúdos exclusivos: análise, dicas e eventos; exclusiva para assinantes. * O atual dono da IRJ Sports, Marcelo Fernandes, disse que trabalha com o Instituto Emerson Sheik desde meados do ano passado. Ele confirmou ter sido o responsável pelo cadastro da entidade na plataforma do governo federal, além de auxiliar na estruturação do projeto do ex-jogador.

Segundo ele, a empresa ainda não recebeu nada pelo serviço, tendo atuado “no risco”.

Fernandes disse não ver como poderia se beneficiar da relação pretérita com Castro.

“Anos atrás existia uma fila muito grande para análise de aprovação, remanejamento. Havia uma morosidade. De 2018 para cá, essa fila foi terminando. Não existe mais esperar três, quatro meses para análise. Hoje a análise é muito mais rápida. Os processos são mais céleres, então não há como ter benefício.”

Ele disse ainda que a cotação apresentada pelo instituto para a assinatura do convênio serve apenas para o cálculo do valor do projeto, sem garantia de contratação. Segundo ele, apesar de todos os responsáveis pela empresa terem algum vínculo com a IRJ Sports, todos atuam de forma independente.

“Todos prestam esse serviço, com sede e CNPJs diferentes”, disse ele.

Ele afirmou não ver impedimento para o eventual retorno de Castro para os quadros da IRJ.

“A gente vem conversando pela expertise que ele tem, de forma profissional. Conversando questões profissionais, até porque é uma das pessoas que mais entendem desse tema no país”.

Frederico Castro disse não se lembrar de como nem quando ficou sabendo da concorrência do instituto de Sheik em que sua empresa apresentou orçamento ao lado da IRJ.

Afirmou também que nunca ganhou nenhum convênio com o governo federal por meio de sua empresa.

O Ministério da Cidadania disse, em nota, que atua de acordo com a legislação vigente, “seguindo os princípios que regram a administração pública, inclusive o da impessoalidade, sobretudo quando envolve liberação de recursos públicos”.

Nesta terça, a pasta afirmou que Sheik decidiu pedir o cancelamento do convênio no último dia 1º, dias após ser procurado pela Folha.

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